América: de segundo time de todos
os cariocas a clube de ninguém
Próximo ao segundo rebaixamento em quatro anos, Mequinha vive dias de polêmicas, brigas políticas, falta de dinheiro e pouco futebol
- Foi tudo muito confuso, bagunçado. Não teve concentração e almoço para a molecada. O pessoal entrou muito desanimado... Já tinham me falado que eu ficaria no clube, mas tiveram de arranjar um culpado para o resultado – disse Felipe Adão, um dos dispensados após a goleada.
Anunciado em dezembro como o homem forte do futebol americano, Edu Coimbra – maior ídolo da história do clube - ficou no cargo do América apenas até a terceira rodada da Taça Guanabara. Segundo ele, uma proposta para assumir a seleção do Iraque foi o motivo. O irmão de Zico também fez duras críticas à maneira como foi conduzida a dispensa.
- Foi de uma infantilidade muito grande. Alguns jogadores me telefonaram dizendo que, um dia antes do jogo, houve uma reunião, em que a diretoria informou que faria uma limpeza, e só os jogadores que pertencessem ao clube ficariam. Vão esperar o quê? Uma ‘entregação’ mesmo. Faltou habilidade da diretoria. Não foi mentirosa com os atletas, mas teve total responsabilidade pelo placar de 9 a 0.
Realmente, os fatos ocorridos na véspera e no dia do jogo ainda geram muita polêmica e desconfiança dentro do América. Por todo canto ecoam acusações e afirmações de corpo-mole contra o Vasco.
- Não fui ao jogo, mas todos no clube falam em corpo-mole. Estão falando que entregaram, mas não acredito. São todos profissionais. Dentro do clube falam isso, mas ninguém prova nada – desafiou o atual diretor de futebol do América, Antônio Tavares, que garante que, no momento, tanto os salários da comissão técnica (pagos por Romário), como os dos atletas (pago pelo clube), estão em dia.
- Não posso apontar culpados ou inocentes. Tinha assumido o time recentemente. Acho que não houve isso, mas o pessoal estava irritado com o negócio dos salários – revela Lulinha, treinador do América na derrota para o Vasco.
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Com corpo-mole ou não, a derrota - apesar de elástica e histórica - é apenas mais uma em meio a uma campanha pífia no Campeonato Carioca. Foram oito em 11 jogos e um saldo negativo de 19 gols. Números que deixam o América na pior colocação na classificação geral, a caminho da Série B.Camburão, bate boca público e argentinos pela internet
clube pela porta dos fundos (Foto: Divulgação/Vertical)
São fatos que vão se acumulando durante a desastrosa caminhada no estadual, mas os problemas começaram ainda na montagem do elenco. Sem patrocínio (o clube conseguiu apenas para as partidas contra Flamengo e Vasco) e sem dinheiro, o América recorreu a Edu Coimbra, que foi alertado sobre a precária situação.
- Desde o início o presidente foi muito sincero. Fui alertado que o clube não tinha um tostão. Tivemos que recorrer à peneira. O Zico ofereceu o CFZ. Arranjei também a pré-temporada em Trajano de Morais. Tudo de graça.
O esforço, porém, não é reconhecido pela atual diretoria. Pelo contrário. A rápida gestão de Edu, que deixou o comando do América na terceira rodada da Taça Guanabara, após a goleada por 4 a 1 para o Resende, é duramente criticada pelo atual diretor de futebol, Antônio Tavares.
- Os jogadores usavam o América para treinar. Era irmão do fulano, primo do sicrano, sobrinho do Edu, filho do (Cláudio) Adão, filho do Josimar. Acabei com essa p... toda. Não pode pegar o terceiro reserva do CFZ para jogar no América. Isso é brincadeira. O Edu foi meu ídolo como jogador mas, como diretor, não dá. Tiveram tempo para se preparar. Trazer técnico dos juniores do Duque de Caxias (Gilson Gênio) é sacanagem. Eu não podia chegar, mandar todo o elenco embora e contratar tudo novo. Mandar embora é fácil, mas e dinheiro para pagar? O América não tem dinheiro para comprar ninguém. Minha vontade era dispensar todo mundo – esbravejou Tavares.
funcionou (Foto: Divulgação)
- Aquele filho da p... do Tavares fica dizendo que eu fui o culpado. É brincadeira. Saí porque tinha combinado com o presidente que sairia, caso recebesse alguma proposta do exterior. Entrei sem ganhar um tostão, gastei dinheiro e arrumei a sala de musculação. Emprestei dinheiro até para o Gilson Gênio (ex-treinador). O coitado está me devendo até hoje, porque acho que ainda não o pagaram – disse Edu, que também se defendeu sobre as críticas em relação à montagem do elenco americano.
- Não contratei ninguém. Nunca tive supremacia, voz ativa sobre o treinador. O Gilson (Gênio) escolheu todos os jogadores. Não tenho qualquer responsabilidade pela escolha do elenco. Mas é muito mais fácil acusar o Edu, porque dá uma repercussão maior.
Contratado no início da temporada, Thiago Coimbra, filho de Zico e sobrinho de Edu, também ataca Antônio Tavares.
- Estava quase largando o futebol. Quem me convidou foi o presidente (Ulisses Salgado). Gostei do projeto e aceitei. Nunca tinha ouvido falar desse tal de Tavares. O cara assumiu o América e saiu atacando todo mundo. Quem é ele para criticar o meu tio (Edu)? Mas conseguiu o que queria. Ficou famoso – criticou o meia, que nem chegou a entrar em campo e deixou o clube após a derrota para o Flamengo.
Sobraram críticas até para os torcedores em relação à formação do elenco rubro. No início da temporada, desesperados com a falta de dinheiro para contratar e empolgados com o sucessos dos argentinos no futebol brasileiro, torcedores do América juntaram dinheiro e trouxeram da Argentina o meia Leandro Espinoza e atacante Lucas Sliuzas. Os atletas chegaram ao clube para um período de testes e ficaram por pouco mais de um mês, sem sequer serem relacionados. Edu não engoliu a iniciativa.
Romário: nem o ‘salvador’ é unanimidade
Outra consequência da goleada para o Vasco foi o retorno imediato de Romário. Agora político e com obrigações em Brasília, o Baixinho não assumiu um cargo oficial, mas voltou a colaborar com o clube, após ter se afastado no segundo semestre do ano passado para se dedicar à campanha para deputado federal.
O papel dele é conseguir patrocínios e jogadores. Feito executado com maestria em sua primeira passagem, em 2009, quando trouxe a Unimed para o clube. E foi com o Baixinho no comando do futebol que o América conseguiu seus melhores resultados nos últimos anos: o título da Segunda Divisão carioca, quando ele próprio entrou em campo em dois jogos, e a classificação para a Série D no ano passado.
Dentro do América, Romário ainda é muito forte. É visto como o único capaz de salvar o clube e unir situação e oposição. No entanto, nem mesmo o Baixinho está livre das críticas. O fato de ter retirado todos os aparelhos da sala de musculação (montada por ele próprio), quando deixou o clube, incomoda.
Se não mudar a mentalidade das pessoas que tomam conta do América, o clubepode deixar de existir dentro de alguns anos "
Romário
Ele cita os casos do atacante Adriano Michael Jackson (Palmeiras) e do lateral-esquerdo Gérson, negociado com o Fluminense após o Campeonato Carioca do ano passado, e do jovem zagueiro Serjão, que seguiu para Portugal para defender o Marítimo, de Portugal. No entanto, Romário ainda é endeusado pela maioria.
- Tem de se exaltar o trabalho do Romário. Só ele pode salvar o clube. Ele não precisa do América. Está no clube por paixão – diz Lulinha, treinador demitido após a derrota para o Bangu, no dia 13 de março.
Os atuais dirigentes do América também aplaudem o Baixinho.
- O Romário fez tudo pelo América. Casa, comida e roupa lavada. Tem muita capacidade, diferentemente do outro (Edu)” afirma o diretor Tavares. “ O América é eternamente grato à colaboração do Romário nos últimos anos - reforçou o presidente do clube, Ulisses Salgado.
Temor pelo fim
O próprio Romário, alheio às críticas e elogios, disse, em recente entrevista ao "Globo Esporte", que teme pelo fim do futebol no clube e do próprio América.
- Se não mudar a mentalidade das pessoas que tomam conta do América, o clube, infelizmente, pode deixar de existir dentro de alguns anos. Principalmente, o futebol – lamentou o Baixinho.
Percepção idêntica tem o conselheiro Ricardo Batista.
- Politicamente, o América é um clube que não tem mais liderança. Não teve renovação política. Infelizmente, se não mudar, o futebol do América pode acabar em três anos.
- Se continuar assim, acho que até mesmo antes disso – diz o ex-técnico Lulinha.
Desta maneira, com muito “disse me disse” entre o sócios e conselheiros , o América segue sua caminhada para a Série B e, nem de longe, lembra o clube que já foi um dia o segundo time de todos os cariocas.
- Esse papo de segundo time não existe há muito tempo. Os mais jovens nem sabem direito o que é o América – conclui Ricardo Batista.
Shopping da discórdia
Como se já não bastasse a crise dentro dos gramados, a parte social do América também ferve. O principal motivo é a construção de um shopping na sede do clube, em Campos Sales, na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro.
O clube tem propostas de duas construções. Em troca da quitação da dívida que o América possui com a W Torre, ainda em relação à construção do estádio Edson Passos, o empreendimento seria construído no local, e uma nova sede ficaria localizada na parte superior do empreendimento.
O negócio é um dos sonhos do atual presidente do clube, Ulisses Salgado, e esteve perto de sair do papel. Entretanto, as manifestações dos que eram contra pesaram, e a Prefeitura do Rio de Janeiro tombou a sede do América em fevereiro de 2010, após um abraço simbólico dos torcedores.
A decisão agradou a muita gente, que acredita que o América sairia perdendo, uma vez que o novo espaço seria menor, e o clube não conseguiria quitar todas suas dívidas.
No entanto, incomodou e muito o presidente do clube, causando um racha dentro da própria diretoria. Pessoas ligadas ao grupo de Ulisses deixaram cargos oficiais. O dirigente defende a construção da nova sede.
- Seria construída da maneira que o clube quisesse. O América vai fazer a planta. (A nova sede) terá tudo equipado, bombas de piscinas, sauna, cortinas, mobília, e o América não teria nenhum ônus com isso. Além disso, depois de um tempo, tudo, inclusive o shopping, voltaria para o América – destacou Salgado.
O assunto, porém, ainda é quente nos bastidores do clube. Recentemente, Ulisses Salgado assinou uma carta de intenção para a construção do shopping, o que irritou profundamente o Conselho Deliberativo. Revoltados, conselheiros argumentam que o dirigente feriu o estatuto do clube e desconsiderou a comissão, eleita pelo próprio Conselho, para avaliar se o negocio é bom ou ruim. Além disso, alegam que o tempo que o shopping ficaria com a construtora pode chegar a até 60 anos.
- A questão não é se a construção da nova sede é ruim ou não. O conselho deliberativo não aprova o modo como Ulisses (Salgado) vem conduzindo as negociações e convocou reunião para o dia 29 de março, quando vai propor impeachment do presidente – disse Marcelo Castillo, integrante do Conselho Deliberativo.
Por outro lado, Ulisses se defende. Garante que não pretende passar por cima de ninguém e ressalta que tudo terá de passar necessariamente pelo crivo dos conselheiros.
- Muitos conselheiros ainda não sabem da proposta da construtora. Só foi assinado um protocolo de intenção. Tudo ainda precisa da licença da prefeitura, do departamento de trânsito. Depois que o projeto estiver pronto, levaremos ao Conselho Deliberativo para ser debatido. Se aprovado, ainda terá de passar pela Assembléia Geral dos Sócios. A carta de intenção foi só o primeiro passo – garante o dirigente, que afirma não estar lesando o estatuto do clube.
- O estatuto do América diz que cabe ao presidente do Conselho Administrativo (o próprio Ulisses Salgado) assinar os convênios e contratos que não sejam lesivos nem honrosos ao clube. Essa carta de intenção não traz perda de nenhum patrimônio ao clube.
As críticas em relação ao shopping, no entanto, não são as únicas. O presidente é acusado por conselheiros de pensar mais na nova sede, do que no clube e no futebol.
- No tempo em que fiquei no América, nem conheci o presidente – afirma Lulinha, reforçando a tese dos conselheiros.
O presidente, mais uma vez, se defende e afirma ter feito muito pelo clube desde 2009, quando assumiu a presidência.
A oposição, no entanto, questiona o fato de Ulisses ter participado das antigas gestões do América e, inclusive, ter sido vice-geral antes de assumir a presidência.
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