A contenção de custos na Fórmula 1 deveria começar já nas taxas da FIA
Altos valores cobrados pela entidade fazem com que pilotos e equipes tenham
custos elevados com o pagamento para poderem correr na categoria

Enquanto
engenheiros e mecânicos trabalham em ritmo acelerado nos estudos em
túnel de vento e na montagem dos modelos deste ano, prestes a começarem a
ser apresentados, o departamento financeiro de suas equipes acabaram de
fazer o pagamento da inscrição na FIA. O primeiro teste dos novos
carros será já dia 1º de fevereiro, em Jerez de la Frontera, na Espanha.
E
os pilotos também já encaminharam à entidade o valor cobrado para
receber a superlicença, documento necessário para disputar a F-1,
emitido em Paris, sede da FIA. Nos dois casos os valores são
desmedidamente elevados e revela, mais uma vez, a distância entre os
homens que pensam a F-1 e a realidade econômica do mundo.
A
Mercedes foi a campeã com todos os méritos em 2014. Por conta da
competência do grupo, do planejamento exemplarmente realizado e da sua
capacidade de investimento, dominou a temporada: 16 vitórias em 19
etapas. Lewis Hamilton conquistou o título de pilotos, seu companheiro
de Mercedes, Nico Rosberg, ficou em segundo e os alemães celebraram o
Mundial de Construtores também. Tudo o que era possível ganhar a
Mercedes ganhou, com folga.
Como prêmio, receberá da Formula
One Management (FOM), responsável por explorar os direitos comerciais da
F-1, US$ 100 milhões (R$ 270 milhões), o equivalente a um terço do que
investiu para ser campeã. E para poder disputar o campeonato deste ano a
FIA, dona dos direitos esportivos, cobra como taxa de inscrição US$ 500
mil (R$ 1.350.000), como valor básico, mais US$ 6.000 (R$ 16.200) por
ponto conquistado.
Mercedes de Hamilton se destacou em 2014, mas custo da superioridade foi elevado (Foto: Agência Reuters)
Como
a Mercedes deu uma surra nos adversários, com 11 dobradinhas, por
exemplo, ou obteve 31 dos 38 pódios possíveis, somou 701 pontos. A
segunda colocada, RBR, fez 405. Só pelos pontos a Mercedes pagou,
portanto, US$ 4.206.000 (701 x 6.000). Mas há o básico ainda de US$
500.000, o que eleva o total da taxa para US$ 4.706.000 (R$ 12.706.200).
É um “prêmio” e tanto por ser a mais eficiente em todos os parâmetros.
A
situação dos pilotos não é distinta. A recompensa por ser o melhor é
uma severa punição na conta bancária. Lewis Hamilton, o campeão, somou
384 pontos, resultado das 11 vitórias, 58% das corridas, três segundos
lugares e duas terceiras colocações. O regulamento da superlicença
estabelece que os pilotos têm de pagar US$ 10 mil de taxa básica mais
US$ 10 mil por ponto obtido. Assim, Hamilton pagou para a FIA US$
394.000 (R$ 1.063.800). Foram US$ 384 mil dos 384 pontos mais os US$
10.000 do básico.Em outras palavras, o prêmio do campeão do mundo foi
pagar quase meio milhão de dólares para disputar o campeonato seguinte.
A
FIA alega que os times que são capazes de vencer o campeonato e os
pilotos campeões podem pagar os valores cobrados. “Com o que eles ganham
é perfeitamente possível”, afirma Jean Todt, presidente da entidade.
O
francês teve uma carreira de enorme sucesso como diretor geral da
Ferrari, ganhando de 1999 a 2007 seis títulos de pilotos e sete de
construtores, e sabe quanto custa chegar àquele nível de excelência, o
mesmo atingido pela Mercedes em 2014. Portanto, pagar US$ 5 milhões para
quem gasta US$ 300 milhões representa muito pouco, essa é a sua lógica.
Presidente da FIA, Jean Todt disse que pilotos podem pagar os valores cobrados pela entidade (Foto: Getty Images)
Os
recursos recolhidos pela FIA se destinam aos experimentos que visam
melhorar a segurança do automobilismo, de modo geral, e às campanhas
internacionais de segurança no trânsito, essencialmente.
Ninguém
questiona a importância dos trabalhos realizados pela FIA, bem como a
nobreza de propósitos das suas iniciativas, mas a equipe e o piloto mais
eficientes pagarem US$ 5 milhões e US$ 394.000 apenas para se inscrever
no Mundial seguinte é algo que talvez transcenda a capacidade de os
atores, outros profissionais do evento, fãs, as empresas investidoras e
até a mídia compreenderem.
O total arrecadado pela FIA dos
pilotos e das escuderias impressiona. No ano passado, 17 pilotos
marcaram pontos, dos 23 que alinharam seus carros no grid. Sem contar
com os 2 pontos do nono lugar de Jules Bianchi, da Marussia, no GP de
Mônaco, o cofre da FIA recebeu um aporte de US$ 2.400.000 (R$
6.480.000). Bianchi se feriu com gravidade no GP do Japão, no ano
passado.
E no que diz respeito ao que veio das equipes, a soma
é gigantesca. Sem contar os US$ 510.000 da Marussia, cujo fim já foi
anunciado, e considerando-se que a Caterham pagou por estar tentando
sobreviver, a FIA recebeu US$ 15.791.000 (R$ 42.635.700).
Em 2014, Caterham e Marussia tiveram problemas financeiros devido aos altos custos da F-1 (Foto: Reuters)
Esses
valores corroboram com os questionamentos que muitos, dentro e fora da
F-1, fazem, sobre o que é exigido na F-1 para competir. O custo das
novas unidades motrizes híbridas, por exemplo, gera indignação. Flavio
Briatore, ex-chefe de equipe campeão em 1994 e 1995, com a Benetton, e
2005 e 2006, Renault, afirmou em Monza, no ano passado: “Uma escuderia
pagar, nos dias de hoje, mais de 20 milhões de euros (R$ 70 milhões)
somente para dispor de 10 motores, 5 para cada piloto, é algo
surrealista”.
Ainda que a Nascar, categoria norte-americana,
não possa ser comparada à F-1 em quase nada, por seus promotores terem
outra proposta para o evento, muito mais voltado para o show que uma
disputa tecnológica, como a F-1, não deixa de ser interessante conhecer
como a disputa dos EUA funciona com relação aos pilotos e times
campeões. Afinal, a Nascar também é uma corrida de automóveis e está
dentre as atividades esportivas de maior público no mundo.
Na
Nascar, tanto faz se o piloto é o campeão ou o último colocado, o valor
cobrado para a inscrição é o mesmo, US$ 10.000 (R$ 27 mil). E os
organizadores cobram das equipes por carro por etapa. Em 2015 serão 36
provas. Por carro custa US$ 5.000 (R$ 13.500). Uma escuderia com dois
carros gastará com inscrição, este ano, US$ 360.000 (972 mil). São US$
10 mil por etapa, decorrente de dois carros, vezes 36, o número de
etapas.
É verdade que o universo de valores da F-1 e da Nascar
são bem distintos. A Mercedes investiu US$ 300 milhões (R$ 810 milhões)
para ser campeã. A Stewart Hass, do campeão Kevin Harvick da Sprint
Cup, a principal da Nascar, em 2014, precisou de US$ 18 milhões por
carro na temporada. Correu com quatro. Para servir de referência para a
F-1, com dois carros investiria US$ 36 milhões (R$ 97,2 milhões), pouco
mais de 10% do que gastou a Mercedes.
A Stewart Hass investiu na Nascar pouco mais de 10% do que a Mercedes na Fórmula 1 (Foto: Getty Images)
Mesmo
diante de tamanha desproporção de orçamentos, para muitos não justifica
a FIA cobrar somas tão elevadas para conceder a superlicença aos
pilotos e aceitar a inscrição dos times. Para organizações com dívidas,
como Force India, Lotus e Sauber, dispor das quantias exigidas também
pesa.
Vijay Mallya, da Force India, desembolsou US$ 1.275.000
(R$ 3.442.500) pelos 155 pontos somados, o que lhe deu o sexto lugar
entre os construtores. Enquanto o campeão paga US$ 6.000 por ponto os
demais, US$ 5.000, mais a taxa básica de US$ 500.000, por isso a Force
India, com 155 pontos, pagou US$ 1.275.000.
Essas exigências
têm outro desdobramento ainda mais nefasto para os interesses da F-1.
Elas desestimulam idealistas que eventualmente pensem em se arriscar no
projeto de lançar uma nova equipe.
Exemplos iguais ao de Frank Williams ficarão cada vez mais difíceis com os altos custos da Fórmula 1 (Foto: Getty Images)
Nunca
é demais lembrar que a Williams surgiu, nos anos 70, da coragem de um
desses personagens, o apaixonado pela velocidade Frank Williams. Sua
determinação e inteligência viriam a lhe dar, de 1973 até o ano passado,
7 títulos de pilotos e 9 de construtores.
Hoje não é
permitido sequer sonhar com iniciativas dessa natureza. Todos esses
custos impensavelmente elevados, como o necessário para competir e até
mesmo apenas para se inscrever, não apenas não estimulam como
inviabilizam novos projetos para a F-1, ao menos com potencial para ser
protagonista do espetáculo.
Abaixo, quanto cada piloto pagou,
este ano, para obter a superlicença a fim de disputar o campeonato que
irá começar dia 15 de março na Austrália. A grande maioria recolhe a
taxa da FIA de seus próprios vencimentos. E na sequência os valores
depositados pelas equipes.
1.º Lewis Hamilton, 384 pontos – US$ 394.000 – (R$1.063.800)
2.º Nico Rosberg, 317 pontos – US$ 327.000 - (R$ 882.900)
3.º Daniel Ricciardo, 238 pontos – US$ 248.000 – (R$669.600)
4.º Valtteri Bottas, 186 pontos – US$ 196.000 – (R$ 529.200)
5.º Sebastian Vettel, 167 pontos– US$ 177.000 – (R$ 477.900)
6.º Fernando Alonso, 161 pontos – US$ 171.000 – (R$ 461.700)
7.º Felipe Massa, 134 pontos – US$ 144.000 – (R$ 388.800)
8.º Jenson Button, 126 pontos – US$ 136.000 – (R$ 367.200)
9.º Nico Hulkenberg, 96 pontos – US$ 106.000 – (R$ 286.200)
10.º Sergio Perez, 59 pontos – US$ 69.000 – (R$ 186.300)
11.º Kevin Magnussen, 55 pontos – US$ 65.000 (R$ 175.500)
12.º Kimi Raikkonen, 55 pontos – US$ 65.000 (R$ 175.500)
13.º Jean-Eric Vergne, 22 pontos – US$ 32.000 (R$86.400)
14.º Romain Grosjean, 8 pontos – US$ 18.000 (R$ 48.600)
15.º Daniil Kvyat, 8 pontos – US$ 18.000 (R$ 48.600)
16.º Pastor Maldonado, 2 pontos – US$ 12.000 (R$ 32.400)
Quanto cada equipe pagou para se inscrever no campeonato:
1.º Mercedes, 701 pontos – US$ 4.706.000 – (R$ 12.706.200)
2.º RBR, 405 pontos – US$ 2.525.000 – (R$ 6.817.500)
3.º Williams, 320 – US$ 2.100.000 – (R$ 5.670.000)
4.º Ferrari, 216 – US$ 1.580.000 – (R$ 4.266.000)
5.º McLaren, 181 – US$ 1.405.000 – (R$ 3.793.500)
6.º Force India, 155 pontos – US$ 1.275.000 (R$ 3.442.500)
7.º Toro Rosso, 30 pontos – US$ 650.000 – (R$ 1.755.000)
8.º Lotus, 10 pontos – US$ 550.000 – (R$ 1.485.000)
9.º Sauber, sem pontos – US$ 500.000 – (R$ 1.350.000)
10.º Caterham, sem pontos – US$ 500.000 – (R$ 1.350.000)