"Chatos necessários": trio invisível da CBJ é o anjo da guarda dos judocas
Parte
da gestão de alto rendimento do judô, Bernardo Seabra, João Gabriel
Pinheiro e Anna Beatriz Santos trabalham para que atletas só se
preocupem em lutar
Por Raphael AndrioloRio de Janeiro
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Eles são verdadeiras babás. Sem eles nada funciona. Sou fã deles"
Rosicléia Campos
Quem
disse que o judô é um esporte individual? Para Bernardo Seabra, João
Gabriel Pinheiro e Anna Beatriz Santos a coisa não funciona bem assim. O
trio de assistentes faz parte da gestão de alto rendimento da
Confederação Brasileira de Judô (CBJ) e trabalha duro nos bastidores
para que nada saia errado antes, durante e depois de treinamentos e
competições das seleções brasileiras. Eles se conformam com o rótulo de
"chatos necessários". Ligam, cobram, conferem passagens, passaportes,
ligam de novo e cobram de novo. Tudo isso para que os atletas se
preocupem apenas em entrar no tatame para conquistar medalhas para o
Brasil.
- Eles são verdadeiras babás. Fazem a parte
administrativa, mas sem eles
nada funciona. Tudo passa por eles. Todo mundo perturba o tempo
inteiro, e eles perturbam a gente também. Uniforme, passagem... Eles são
campeões. São muitas pessoas para cobrar, muito trabalho para fazer, e
não trabalham só com a seleção principal. A gente trabalha com projetos,
se faltar um cartão de embarque, por exemplo, eles estão lá cobrando.
Antes do trio chegar
lá, quando a Confederação ainda estava crescendo, eu ajudava o Ney
(Wilson) com essas coisas mais administrativas. Sou fã deles - explicou
Rosicléia Campos, técnica da seleção feminina desde 2005.
Bernardo Seabra, Anna Beatriz e João Gabriel: o trio de anjos da guarda da CBJ (Foto: Divulgação/CBJ)
Coordenada
por Ney Wilson e Amadeu Moura, a gestão de alto rendimento da CBJ conta
com 34 profissionais de diferentes áreas. Além dele, um gerente, três
assistentes, sete técnicos, cinco médicos, oito fisioterapeutas, um
massoterapeuta, duas psicólogas, duas nutricionistas, dois preparadores
físicos e dois estrategistas completam o time. Parte deles estará em
Paris na aclimatação das seleções masculina e feminina antes do Mundial.
Onze nomes viajarão à França, e outros 12, mais o assessor de imprensa,
vão a Chelyabinsk, de 25 a 31 de agosto.
Para
as Olimpíadas Rio 2016, o judô será um dos carros-chefes do Brasil.
Segundo um
estudo realizado pela própria CBJ, cada atleta
da seleção recebe em média um investimento de R$ 145 mil por temporada e
faz uma média de 20 lutas internacionais. As avaliações são feitas por
42 profissionais. Os judocas passam 864 horas nos tatames, assistem a
600 horas de vídeos dos rivais e têm 240 horas de preparação física,
além de 15 viagens (nove para treinamentos e seis para competições),
quatro controles antidoping e quase 20 exames médicos.
Há
três anos na CBJ, Bernardo Seabra será o "chato" que acompanhará a
seleção na Rússia. Os torneios pré-Mundial (Santiago e Miami) ficaram
por conta de Anna Beatriz, funcionária há quatro anos. Já João Gabriel,
o caçula, com apenas dois anos de casa, fica responsável pelo pós.
- Nós três, cada um faz uma coisa melhor que o outro, mas os três sabem
fazer tudo. A gente se divide mais por evento. A Bia pegou Chile e
Estados Unidos. O João pega o pós-Mundial. Ainda nem viajamos para o Mundial e já
estamos vendo o que vai ter depois - contou Bernardo.
Bernardo Seabra trabalhando na sede da CBJ, no Galeão, Rio de Janeiro (Foto: Divulgação/CBJ)
O
planejamento das ações do ano começa bem antes de as chaves das lutas
serem sorteadas. Com os calendários nacional e internacional definidos, o
gestor de alto rendimento, Ney Wilson, e os treinadores Luiz Shinohara e
Rosicléia Campos sentam para definir as escalações dos atletas de
acordo com o perfil de cada um. A partir daí, os projetos são divididos
de acordo com as fontes de verba (Lei Agnelo/Piva, Lei de Incentivo,
patrocínios...) e, aprovados, vem a execução.
Aí começa:
contato com a organização dos eventos, inscrição dos atletas, emissão de
passagens, reserva de hotéis, passaportes, translado... Esse trabalho
não tem horário para iniciar ou terminar. Os problemas surgem a qualquer
hora do dia - ou da madrugada mesmo - e precisam ser contornados o
quanto antes. Apesar da cobrança, eles acreditam que os judocas entendem
que os pedidos são necessários para que eles se concentrem nas lutas.
- Muitas vezes na véspera de embarcar o cara se machuca, aí tem
que trocar. No caso da Mariana (Barros) deu tempo. Passaporte, muitas
vezes a gente vai para eventos que o país precisa de visto. Pedem
passaporte e nome. Esse ano já me ligaram 3h da manhã. A gente mandou um
passaporte, e o atleta mudou de documento. No meio do caminho, a
companhia não deixava ele embarcar. Aí a gente teve que conseguir
contornar esse problema. Muitas vezes acabam as folhas de visto porque
eles viajam muito. A gente faz o papel de chato, né. Depois de tudo
feito ainda tem a prestação de contas. Temos que cobrar os cartões de
embarque, relatório dos profissionais. Já reclamaram, mas hoje em dia
eles têm essa consciência. Sabem que é para o bem deles, para pensarem
somente na parte esportiva - disse Bernardo.
Sob o comando de Ney Wilson, Anna Beatriz, João Gabriel e Bernardo trabalham na CBJ (Foto: Divulgação/CBJ)
reconhecimento dos atletas
A campeã mundial
Rafaela Silva
já foi uma das "vítimas" do trio. Mas a carioca, que defende seu título
na Rússia, sabe da importância do trabalho nos bastidores. Assim como o
peso-pesado
David Moura, estreante em Mundiais:
Rafaela em ação (Foto: Marcio Rodrigues/Fotocom)
-
Às vezes
você chega de uma viagem e planeja sair com a sua família, tirar
uns dias, aí ele liga e diz que tem que ir na CBJ entregar o cartão de
embarque senão não pode ir para a próxima viagem, tem que prestar
conta. Mas a gente sabe que se não fizer vai se
prejudicar. Sabemos que é um chato necessário. É muito importante. Para
você chegar a uma competição e se preocupar com alimentação,
treinamento, peso,
quimono... é importante para gente só ter a preocupação de entrar no
tatame. Ajuda muito no nosso dia a dia de competição - afirmou Rafaela.
- A gente não precisa se preocupar com
absolutamente nada. Só fazer as malas e competir. E sei que não é pouca
coisa. Como meu pai foi atleta, ele sempre me diz: "aproveita porque na
minha época não era assim". Isso é muito bom para o atleta. Se tivesse
que me preocupar com outras coisas, acho que atrapalharia no rendimento.
Não deve ser fácil ter que tomar conta de todo mundo. Facilita demais a
nossa vida - revelou David.
No
entanto, quem dá mais trabalho para Bernardo, João Gabriel e Anna
Beatriz não são os atletas. A equipe de estratégia da CBJ é a
responsável pelas "dores de cabeça", já que precisa levar nas viagens
grande quantidade de equipamentos: câmeras, computadores, tripés,
cabos...
- Cada atleta leva o seu quimono. O que acontece
mais é com a parte de estratégia, que acaba sendo parada na alfândega ou
na polícia lá fora perguntando de onde vêm os equipamentos. Então eles
vão sempre com uma cartinha explicando o que estão levando. Uma câmera
para cada área, mais duas ou três extras, três ou quatro computadores,
tripés, cabos, ferramentas... imagina o prato cheio para a polícia de
fronteira - brincou Bernardo.
Enquanto os atletas levam
quimonos, faixas e as roupas que vão usar na bagagem para o Mundial de
Chelyabinsk, Bernardo já se prepara para acomodar uma mala médica,
material de fisioterapia, balança digital, entre outros equipamentos
incomuns em viagens normais. E inicia um ciclo sem fim dos bastidores do
judô brasileiro.