Após ser vítima de racismo, Fabiana diz: "Não tenho raiva dele, tenho dó"
Ainda
chocada, bicampeã olímpica agradece mensagens de apoio e relata
insultos de torcedor em Minas: "Não acreditava que um dia isso poderia
acontecer comigo"
Por Marcos GuerraSão Paulo
Fabiana protesta contra irregularidades da CBV (Foto: Lucas Dantas/Sesi-SP Divulgação)
“Racista! Racista!” Fabiana olhava para a arquibancada sem
entender a confusão entre os torcedores. Concentrada no jogo contra o Minas,
clube em que começou sua carreira, a central do Sesi-SP mal havia escutado “um
senhor” que a insultava com expressões como “macaca quer banana” e “macaca joga
banana”, bem ao lado da família da jogadora. Foi inevitável o choque ao
compreender o que aconteceu na
partida da Superliga feminina, na
última terça-feira, em Belo Horizonte, mesmo que a torcida a tenha abraçado e expulsado
o agressor. Aos poucos, a bicampeã olímpica juntou forças e
deu um primeiro
passo para dar um basta no racismo ao tornar o caso público. Um dia após o
incidente, Fabiana disse não guardar rancor pelo “senhor” que disparou injúrias
raciais, apesar de ainda estar tomada pela tristeza.
- Estou muito triste, parece que a ficha ainda não caiu. Não
acreditava que um dia isso poderia acontecer comigo. Estou ainda chocada e um
pouco sem reação, mas muito triste. Não tenho raiva dele, não tenho ódio. Só tenho
dó, pena. Peço que Deus possa iluminar o coração dele para que reflita, que ele
tem que ser um exemplo, ele pode ter filhos, netos, e tem que dar o exemplo -
contou Fabiana.
Em entrevista ao GloboEsporte.com, a bicampeã olímpica relatou
o incidente e a tristeza de sua família, que presenciou a cena e tentou como pôde
proteger a jogadora. Ela agradeceu as manifestações de solidariedade da
comunidade do vôlei e de fãs. Fabiana também afirmou que ainda estuda junto com
o Minas as medidas adequadas para dar um desfecho ao caso, que está sendo
investigado pela Polícia Civil após a abertura do boletim de ocorrência por “atrito
verbal” na 2ª Delegacia do Centro de Belo Horizonte.
GloboEsporte.com: No seu desabafo, você disse ter passado
por uma situação difícil de vivenciar. Você pode descrever como ocorreu o
incidente? Como os xingamentos te afetaram em quadra?
Fabiana: Foi no meio do jogo. Para ser sincera, não sabia o
que estava acontecendo no começo, porque eu estava muito concentrada no jogo. Teve
uma confusão na arquibancada, na parte de cima. Depois me contaram que era um
senhor que estava me insultando quando eu ia para o saque. E ele estava do lado
dos meus pais. Os torcedores logo compraram a briga, começaram a gritar: “Racista!
Racista!”. Os seguranças do Minas já tiraram o senhor e levaram para a
delegacia.
Capitã da seleção, Fabiana recebeu apoio das jogadoras (Foto: Reprodução/ Instagram)
Como foi o momento em que te contaram o que tinha
acontecido?Quando eu soube, fiquei sem reação. Estou até agora
chocada. É um assunto complicado até de se falar. O senhor estava ao lado da família
da Suelen (líbero do Sesi-SP) e do meu pai (Vital Claudino). Eles não estavam
nem entendendo o que estava acontecendo. Isso que me deixou bem chateada.
Você
disse que seus pais estavam na arquibancada. Conseguiu ver a reação
deles? Como foi o momento de encontro entre vocês depois
do jogo?Meus pais são muito religiosos e muito tranquilos. Eles não estavam
acreditando. Ficaram sem reação também. Minha mãe (Maria do Carmo) me ligou hoje
(quarta-feira) e disse que estava muito mal por não ter tido reação, de ir para
cima, de falar com o senhor. Eles estavam bem chateados (depois do jogo). Eles tentaram
esconder de mim. Minha mãe acabou falando: “Filha, eu vi, eu estava lá”. Ela queria
me proteger, queria que eu não soubesse.
Muitos jogadores manifestaram solidariedade, e você também
recebeu apoio de muitos fãs do vôlei. Nesse momento de dor, o que representam
essas palavras de incentivo para você? É um conforto saber que tenho o carinho e o amor das pessoas.
É complicado falar sobre esse assunto, até me perco um pouco. Fico feliz pelas
mensagens. Todo mundo me ligou, me mandou mensagem. Todas as mensagens me
marcaram. Falaram: “Fabiana, você é um pessoa incrível, pelo exemplo que você
representa”. Todo mundo está mandando força. O Minas foi o clube em que cresci.
Todo mundo lá comprou a briga. Não julgo que ele seja um torcedor do Minas. Tenho
um carinho grande pelos torcedores do Minas, e os torcedores têm carinho por
mim também. Ele estava ali sem saber direito o que estava acontecendo.
Não tenho nem palavras, foi muito triste. Enxergo que essas
são pessoas sem coração, sem espírito. Não entra na minha cabeça como alguém
pode ter esse tipo de atitude
Fabiana
No seu desabafo você fala que refletiu muito para decidir se
divulgava o caso ou não. Que pontos você colocou na balança e o que te motivou
a tornar o incidente público?Eu resolvi falar porque acredito que isso possa vir a mudar,
que possa ser um exemplo. Refleti por causa dos meus pais, vi o quanto eles
sofreram, o quanto ficaram tristes. Quero que as pessoas se coloquem nessa
situação, porque atacar e fácil, quero ver se isso acontece com você. Mas a atitude
do Minas foi incrível de tirar logo o torcedor de lá.
Você já havia passado por alguma situação semelhante dentro
ou fora de quadra?Foi a primeira vez que passei por isso. Nunca tinha visto
acontecer algo parecido com ninguém. Eu já morei em outro país (na Turquia) e
também não passei por isso lá.
Vimos no ano passado outros casos de racismo no esporte, como o do goleiro Aranha, que
voltou a ser alvo, por vezes com ironias como ser chamado de Branca de Neve por
exemplo. Você teme que isso possa se repetir com você?Não tenho nem palavras, foi muito triste. Enxergo que essas
são pessoas sem coração, sem espírito. Não entra na minha cabeça como alguém
pode ter esse tipo de atitude. Acredito que isso nunca aconteceu com uma pessoa
como essa. Fico triste, chateada. No século XXI, a pessoa não entende que somos
iguais, que iremos para o mesmo lugar.
O Minas encaminhou o agressor à Polícia Civil. Você está acompanhando o
caso para saber o desfecho?Estou conversando com o Minas, ainda estamos vendo qual é a
melhor medida para eu tomar. O Minas está acompanhando o caso de perto e me
ajudando.
Um dia depois do calor do momento,
qual é o sentimento que fica e que mensagem você tem para ele?Estou muito triste, parece que a ficha ainda não caiu. Não
acreditava que um dia isso poderia acontecer comigo. Estou ainda chocada e um
pouco sem reação, mas muito triste. Não tenho raiva dele, não tenho ódio. Só tenho dó, pena. Peço
que Deus possa iluminar o coração dele para que reflita, que ele tem que ser um
exemplo, ele pode ter filhos, netos, e tem que dar o exemplo.