Legado Bielsa: técnicos finalistas da Copa América são discípulos do Loco
Jorge Sampaoli, pelo Chile, e Tata Martino, da Argentina, têm estilo moldado pelo treinador, mostram admiração, mas também têm características diferentes do mentor
O bailar de Jorge Sampaoli e Tata Martino pela área técnica durante a final da Copa América era parecido: cabeça baixa, apreensão, gestos curtos, mas passos firmes e frequentes. De um lado para o outro. Naqueles momentos de tensão antes do título chileno era possível confirmar a influência de um conterrâneo dos dois, que, mesmo longe, esteve representado na decisão: Marcelo Bielsa, o Loco.
Os dois treinadores finalistas são discípulos de Bielsa, hoje trabalhando no Olympique de Marselha, da França. O gestual durante o jogo é o detalhe menos relevante, mas o mais revelador. Bielsa é igualzinho: anda como um louco, parece sugado pela ação de dentro das quatro linhas. Mas a influência do Loco vai além: tem a ver com questões táticas, com filosofia de jogo, até mesmo com o trato dado à imprensa.
Sampaoli e Martino têm a carreira ligada a Bielsa. Os três são da mesma província na Argentina: Santa Fé. O técnico do Chile nunca trabalhou com o ídolo, mas o reverencia e aplica os mesmos conceitos nas equipes que comanda. Não à toa, assumiu uma seleção órfã após a saída do Loco - entre os dois, outro argentino, Claudio Borghi, não convenceu. Tata não tem o distanciamento característico entre fã e ídolo; na verdade, teve seus últimos anos como jogador sob o comando de Bielsa, no Newell’s Old Boys, no início dos anos 1990, quando a equipe foi bicampeã argentina e encantou pelo bom futebol praticado.
- Bielsa definiu um estilo de jogo, assim como Menotti nos anos 1970 e Bilardo nos anos 1980. Ele se diferenciou dos demais técnicos argentinos da história por ter uma maneira de jogar diferença. Sua primeira referência era Van Gaal – explicou Juan Pablo Mendez, jornalista argentino do “Olé”.
Correr, pressionar e atacar
Em campo, a filosofia é clara: correr, pressionar, atacar. Na final, o Chile levou a máxima à perfeição. Messi parecia sempre cercado por quatro rivais; a velocidade com que a bola rodava era altíssima; La Roja havia virado a protagonista do duelo. Até mesmo o esquema tático era parecido: o 3-3-1-3 desenhado por Bielsa era perceptível na estratégia de Sampaoli. Martino, apesar da armadilha em que se viu preso no jogo derradeiro, fez sua Argentina joga da mesma maneira durante a Copa América.
Entretanto, há diferenças. Bielsa, uma vez, havia dito que considerava muito mais difícil construir do que destruir; havia inúmeras maneiras de realizar a primeira tarefa, enquanto a segunda consistia no esforço. O trabalho defensivo do Chile contra Messi mostrou mais refinamento por parte de Sampaoli; Martino, em sua etapa na seleção paraguaia, entendeu que não poderia jogar da mesma maneira e deu mais atenção à retaguarda. Após o título, o próprio Sampaoli afirmou que já começa a se seguir em frente, deixando para trás os tempos em que gravava as coletivas de Bielsa para escutar num walkman enquanto corria.
- Tenho a base de Bielsa, mas a forma é diferente. Ele joga mais direto e não tem tanta posse de bola como eu busco. Mas antes, na Universidad de Chile, era mais parecido – disse o treinador.
Não há ingratidão, porém. Sampaoli chegou à seleção chilena graças ao ótimo trabalho em La U, justamente sua fase mais “bielsista”. E La Roja, órfã do treinador que encantou o país entre 2007 e 2011, viu ali o substituto perfeito.
- Sampaoli já se definiu como bielsista. Isso o ajudou a ser o técnico do Chile, porque Bielsa deixou uma imagem muito boa.
Influência extracampo
Fora de campo, as semelhanças não se limitam ao caminhar frenético. Sampaoli, por exemplo, não concede entrevistas exclusivas, seguindo as ideias de Bielsa – Guardiola, outro “discípulo” do Loco, tomou a mesma decisão. Tata Martino está sempre de agasalho técnico, como o tutor – nada de terno e gravata.
- Todos dão muita importância ao físico e estudam muito o rival – definiu Mendez.
Martino, aliás, foi influenciado por Bielsa ainda como jogador. Quando retornou ao Newell’s no início dos anos 1990, estava no fim da carreira. Meio-campista técnico, nunca teve a fama de raçudo. Isso mudou com El Loco no comando – o próprio Tata admite que se tornou um jogador mais completo após trabalhar com o tutor.
A trajetória de Martino tem semelhanças com a de Bielsa. O atual comandante da Argentina treinou o Newell’s entre 2012 e 2013 e transformou seu time num dos melhores da América do Sul, com estilo parecido ao do seu mentor. A partir daí, a carreira decolou: passou pelo Barcelona e assumiu a Albiceleste. Curiosamente, enfrenta um problema parecido com o do Loco: a sala de troféus não é das mais extensas – cada um ganhou quatro títulos até agora.
Nada que incomode o mentor, que já disse há alguns anos uma frase que define seu estilo:
- O êxito é apenas uma exceção que ocorre de vez em quando.
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