Wolff confia em novos rumos da F1, definidos por seus donos americanos
Austríaco chefe da Mercedes tem se mostrado uma liderança importante na categoria
Dentre as muitas e grandes responsabilidades que Torgen Christian Wolff, mais conhecido como Toto Wolff, tem na F1 está a de administrar a luta entre Nico Rosberg e Lewis Hamilton dentro da sua equipe, a Mercedes. Há boas chances de os dois digladiarem domingo, ao longo das 56 voltas do GP da Malásia, no Circuito de Sepang.
Nesta sexta-feira, Hamilton e Rosberg foram os mais velozes no primeiro dia de treinos livres. Hamilton registrou 1min34s944 e Rosberg, 1min35s177. O combate entre ambos pelo título é ponto a ponto. O alemão lidera o Mundial com 273 pontos enquanto o inglês, atual bicampeão, vencedor de três campeonatos, soma 265.
Wolff, austríaco de Viena, 44 anos, ex-piloto de tudo, monoposto, turismo e rali, e até instrutor de pilotagem, tem se mostrado uma liderança importante na F1 e com um estilo todo pessoal: moderado, sensível, aberto a ouvir todos e competente ao extremo. Muitos vêm grande mérito dele na supereficiência da Mercedes, vencedora de tudo desde 2014: dois títulos de pilotos com Hamilton e dois de construtores. E sempre de forma arrasadora. Este ano ganhará de novo as duas competições.
Antes de se tornar sócio e diretor da escuderia Mercedes, Wolff tinha também parte da Williams e em 2012 assumiu a direção do time. Este ano vendeu a última parte que tinha no negócio para se concentrar apenas na Mercedes. “Tenho paixão pelo que faço, caso contrário não faria”, diz.
Wolff traz consigo a experiência de um astuto homem de negócios. Fez fortuna como empresário e investidor na bolsa de valores. É dono, por exemplo, de 30% da escuderia alemã, além de ser o seu diretor executivo e diretor esportivo da própria montadora.
Este ano as câmaras de TV o surpreenderam dando um soco na bancada dos computadores nos boxes da Mercedes, no Circuito da Catalunha, em Barcelona, ao ver Rosberg e Hamilton, primeiro e segundo colocados, colidirem logo depois da largada do GP da Espanha. Única corrida não vencida por um deles nesta temporada, o que deixa a Mercedes em condições excelentes de, já domingo, no GP da Malásia, conquistar o tricampeonato entre os construtores de F1.
Mas seu estilo ponderado o levou a estabelecer regras de como Rosberg e Hamilton devem se comportar, na disputa entre ambos, sem que isso represente qualquer interferência na luta. O melhor pode vencer. Tem apenas de evitar expor os dois, portanto a equipe, ao risco de acidentes como o que tirou os dois da corrida de Barcelona.
Não há dúvida: desde que assumiu a direção da Mercedes, em janeiro de 2013, Wolff se tornou um personagem da F1. Sua mediação nesse quase conflito entre seus pilotos o tornou manchete frequente na mídia. O GloboEsporte.com o entrevistou com exclusividade nesta sexta-feira em Sepang.
GE - Toto, você foi sócio da Williams e é agora da Mercedes. Você vem do mundo do “business”. É um bom negócio ser dono de equipe de F1?
Toto Wolff (TW) - É um ambiente muito competitivo. Até agora tem sido um bom negócio.
GE - Você recomendaria a quem dispõe de recursos?
TW - Para recomendar investimentos você precisa de licença bancária e eu não tenho. Mas a associação entre negócio e esporte é muito interessante, F1 é um esporte global, em crescimento e, em geral, ser proprietário de uma atividade esportiva, como a F1, é interessante. Essa é a razão de o Liberty Group investir no nosso negócio. (O Liberty Group, norte-americano, vai assumir o controle da empresa que detém os direitos comerciais da F1, Delta Topco, em março, depois de pagar 8 bilhões de dólares, ou R$ 256 bilhões).
GE -Quanto há de paixão também no que você faz, não apenas investimento?
TW - Se você não é apaixonado pelo que faz você deve fazer outra coisa. E eu sou apaixonado. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre negócio, finanças, esporte, paixão. É fascinante você confrontar o que faz 21 ocasiões por ano, nos GPs, com o que os outros fazem e com o mesmo objetivo. E ver, óbvio, como estou me saindo.
GE - Você chegou na Mercedes em janeiro de 2013. Em 2014 o regulamento mudou radicalmente e o grupo passou a vencer quase tudo. Você fez grandes mudanças desde que assumiu a direção geral do time?
TW - Uma equipe de F1 não é uma organização estática, mas dinâmica, está em constante mudança. Eu tive muita sorte de entrar na equipe logo em seguida a Ross Brawn e Bob Bell a terem organizado, fazendo-a funcionar muito bem. Ross disse algo a meu respeito do qual me orgulho. Falou que eu não deixei a peteca cair (you didn't drop the ball) e eu poderia. É muito prazeroso saber disso. A maior parte do nosso grupo de trabalho foi contratado por Ross e Bob e o que conquistamos é o resultado do esforço desses profissionais e de como o trabalho está organizado, onde buscamos sempre inovação e desenvolvimento. (A Mercedes foi vice-campeã entre os construtores, em 2013, com 360 pontos e três vitórias. A RBR ficou com o título, 596 pontos e 13 vitórias. Já em 2014, início da era da tecnologia híbrida, a Mercedes venceu o campeonato, com 701 pontos e 16 vitórias, e no ano passado também, com 703 pontos e 16 vitórias. Sobre Ross Brawn e Bob Bell, os dois já deixaram a Mercedes. Brawn não mais trabalha e Bell é consultor da Renault).
GE - Você tem engenheiros brilhantes na Mercedes, Paddy Lowe, Andy Cowell, Mark Ellis, Aldo Costa, Geoff Willis. Tem preocupação de começar a perdê-los, como aconteceu com a Ferrari a partir do fim de 2006, depois de ganhar tudo?
TW - Há muitos outros técnicos na Mercedes, o time não se limita a cinco, apenas. Os citados são os mais conhecidos, os que aparecem nos holofotes. Somos 1.500 entre Brackley e Brixworth, e gente muito talentosa. Eles não vêm para as corridas, não aparecem para a mídia. Mas estamos constantemente monitorando esses profissionais porque sabemos que as equipes mudam, há quatro anos éramos diferentes do que somos hoje e em três anos também haverá mudanças, diferentes pessoas em diferentes funções, é a natureza do nosso negócio. (A sede do time é em Brackey e do setor das complexas unidades motrizes em Brixworth, ambas na Inglaterra, próximas ao Autódromo de Silverstone).
GE - Esperava tanto sucesso?
TW - Não. Não imaginava que seria dessa maneira. Minha missão, agora, é pensar como nos postarmos para seguir vencendo, esse é o meu desafio.
GE - Você pilotou monopostos, carros de turismo, de rali, como vê seus dois pilotos, Hamilton e Rosberg, protagonistas máximos da F1 nos últimos três anos?
TW - É preciso ter cuidado para comentar qualquer coisa sobre eles. Como você disse, eu pilotei carros de Fórmula Ford, Turismo, mas querer entender Lewis e Nico porque eu tenho essa experiência... Minha habilidade está muito longe da que observo neles. É um erro acreditar que por ter alguma experiência eu entendo o que eles fazem dentro do cockpit de um F1. Eu os vejo como dois homens jovens, inteligentes, extremamente competitivos, dentre os melhores da F1.
GE – Enxerga alguma qualidade em especial em cada um deles?
TW - Não gostaria de me limitar a algumas das muitas qualidades que os dois têm, eles são dois pilotos com personalidades complexas e interessantes de se descobrir. Os dois são muito rápidos, aprendem todo dia, se desenvolvem a todo momento. O que eu posso dizer é que, para mim, é bastante prazeroso trabalhar com Lewis e Nico.
GE - Pergunta clássica, com sua vivência dentro da escuderia, conhecimento do tema, como é pilotar os carros de hoje, com a hiperinteratividade? Há quem diga que se tornou mais fácil e quem defenda que ficou mais difícil.
TW – A F1 era mais perigosa, o piloto tinha mais chances de se ferir, os carros não tinham a mesma segurança de hoje. Mas os modelos atuais atingem 370 km/h, como vimos em Baku, sempre há risco. E você precisa grande habilidade para conduzi-los. É muito difícil comparar períodos distintos. Eu sempre digo que a F1 continua tendo os melhores pilotos do mundo.
GE – Em 2017, a F1 será muito diferente da que vimos nos últimos três anos?
TW - Acredito que haverá uma convergência de performance em termos de unidade motriz. Já quanto ao chassi tudo é completamente novo, os pontos voltam a zero. O desenvolvimento dos carros será completamente diferente. É uma oportunidade para todos no grid responderem com um projeto eficiente ou não.
GE – A RBR foi a sétima colocada entre as equipes, em 2008. Mas em 2009 o regulamento mudou radicalmente e Adrian Newey, seu diretor técnico, concebeu um projeto básico que viria a dominar a F1. Foram tetracampeões. Acredita que pode acontecer de novo, agora, no ano que vem, com a introdução do novo regulamento, de carros e pneus mais largos?
TW - Eu não sei o que a Red Bull está fazendo. Precisamos nos concentrar no nosso time. Temos superprofissionais no grupo e grande energia. Estamos trabalhando como loucos para produzir o carro mais rápido da F1 para o GP da Austrália (etapa de abertura do próximo Mundial, dia 26 de março). Se vamos conseguir ou não veremos lá em Melbourne, não sabemos, mas tenho enorme confiança nos nossos técnicos.
GE - Como vê o iminente choque de cultura entre os europeus da F1 e os empresários norte-americanos do Liberty Group, os novos responsáveis pelas decisões mais importantes da F1 nos próximos anos?
TW - Não tenho nenhuma preocupação com isso. Eles são profissionais de mídia, sabem identificar o que a F1 tem de bom, sabem ser um esporte com mentalidade europeia e que vai ao mundo todo. Eles não vão virar nosso negócio de ponta cabeça. Eles vão tentar desenvolver as áreas que precisam ser trabalhadas, sem afetar o de bom que já existe. Estou muito otimista.
GE – O Acordo da Concórdia será respeitado?
TW - Claro, há um contrato até o fim de 2020. Mas o tempo passa rápido, 2020 está aí. Eles vão entender como funcionamos. As maiores mudanças talvez aconteçam depois de 2020, quando tudo estará aberto. (O Acordo da Concórdia é um contrato entre a empresa que explora comercialmente a F1, ainda a CVC, de capital inglês, as equipes e a Federação Internacional de Automobilismo, FIA. Esse documento estabelece, por exemplo, a porcentagem que cabe a cada um do total arrecadado pela Formula One Management (FOM), empresa responsável pela condução do negócio).
GE – Você vê risco de ruptura entre as equipes e os novos donos da F1? Imagine reduzir ou acabar com os privilégios da Ferrari, time que mais recebe dinheiro da FOM?
TW - Acredito que todos têm consciência da importância, do impacto das equipes grandes na F1. Os times pequenos têm o espírito do automobilismo, sabemos, mas é inegável que os grandes promovem muito a F1, Mercedes, Ferrari, Renault, por exemplo, nós investimos bastante em publicidade, fazemos muito pela F1. Há um bom equilíbrio entre os donos da empresa que explora comercialmente o nosso espetáculo e nós, representantes das equipes, creio que seguiremos tendo conversas construtivas. Dividir nunca é bom. Veja o desastre que aconteceu nos Estados Unidos quando houve o racha que levou à disputa de dois campeonatos, da Champ Car e Indy Race League-IRL, quão negativo foi para as duas séries. Esse não é o caminho. (A Cart faliu e a IRL teve sérias dificuldades até as duas se juntarem, de novo, em 2008).
GE – Na Fórmula Indy, em 1979, as equipes se tornaram sócias do negócio. Mais tarde foi desastroso. E agora os times da F1 desejam ser sócios dos norte-americanos na empresa que explora os direitos comerciais. É um bom caminho?
TW - Não importa quem seja os donos dos direitos comerciais, o importante é ter uma entidade diretiva, a autoridade esportiva, que decida e todos a respeitem.
GE - Bernie Ecclestone sempre decidiu tudo sozinho, da sua cabeça. Dividir a liderança com alguém, como agora no caso com Chase Carey, novo presidente do Formula One Group, representa uma grande novidade para Ecclestone. Vai funcionar?
TW - Não sei. Ecclestone fez o que fez, transformou a F1 no que vemos, um evento mundial. Todos sabem disso. Ele tem sua maneira de agir. A F1 provavelmente precisa de decisões difíceis e rigorosas. (O estilo de Ecclestone)
GE – Qual o futuro de Ecclestone na F1, que dia 28 de outubro completa 86 anos de idade?
TW - Eu não sei, não sei o que se passa atrás das cortinas entre ele e os controladores dos direitos.
GE - Você teve uma empresa de comunicação na internet e é uma área onde há grandes carências na F1. Os americanos já sinalizaram ser algo que vão mexer a curto prazo. Como vê?
TW - Certamente é uma área que precisamos evoluir. Mas é necessário cuidado para não afetar os negócios da venda dos direitos de TV, não podemos correr esse risco. Não somos tão bons em conciliar as duas coisas. Os norte-americanos exploram essa associação bem melhor.
GE - Depois de conquistar o campeonato de construtores, possivelmente aqui na Malásia, domingo, deixará Rosberg e Hamilton lutarem pelas vitórias com liberdade ainda maior?
TW - Eles já são livres para competir entre si há quase três anos. Não há número 1, o tratamento é exatamente o mesmo, não temos ordens de equipe. Se vencermos o campeonato não vai mudar nada, nossos pilotos seguirão sendo livres para competir.
(A Mercedes tem 538 pontos, a RBR, 316 e a Ferrari, 301. Como depois da prova de domingo haverá em jogo 215 pontos nas cinco que restarão (43 x 5), a RBR precisa somar 8 pontos a mais que a Mercedes, em Sepang, e a Ferrari, 23. Se isso não acontecer a organização dirigida por Wolff conquista o tricampeonato de construtores.
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