'Meigo e sensível', DJ Gobbi revela como Corinthians mudou sua vida
Presidente campeão da Libertadores conta como ensaiava para imitar John Travolta, fala de sua paixão pela música e da história de amor com o Timão
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São os versos de Roberto e Erasmo Carlos que recebem Mário Gobbi logo pela manhã na sala da presidência do Corinthians desde fevereiro, quando a vitória na eleição mudou a sua vida.
Não é maneira de dizer. Mudou mesmo. Católico fervoroso, Gobbi tem em sua sala um quadro de Jesus Cristo. Sobre a mesa, imagens de São Jorge, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Aparecida e São José. Eleito presidente, além das missas aos domingos, passou a frequentar diariamente a igreja de Fátima, próxima à sua casa. Lá, reza por ele, jogadores, comissão técnica, dirigentes, sócios e torcedores do Corinthians.
- Peço sabedoria, humildade e discernimento. Não piso no Corinthians sem ir à Fátima - diz o dirigente, que, quando viaja com a delegação, pede que o segurança encontre a igreja mais próxima ao hotel e repete o ato, porém, acompanhado pelo técnico Tite.
A rotina caseira de Mário Gobbi também mudou. Aos 51 anos, não assiste mais a nenhum programa esportivo na televisão, não lê jornais, não navega na internet... Limita-se a filmes, noticiários gerais e, para fugir das críticas, abandonou até o rádio, paixão tão intensa desde a adolescência, que o levou a sonhar ser DJ.
- Eu queria ser disc-jóquei. Era assim que se chamava na minha época. Sou homem do rádio, amante do rádio, mas me decepcionei tanto com algumas coisas que não ouço mais.
Vivi intensamente o Corinthians. E, na época (anos 60), se não dava
Palmeiras, dava Santos, ou Botafogo, em nível nacional. As gozações eram
as mais terríveis possíveis, mas isso só me fazia ser ainda mais
corintiano"
Mário Gobbi
- Meu avô perdeu tudo na crise de 30, do café, e quem ia ao seminário tinha casa, comida, estudos... Foi uma solução que encontraram na época.
Seu Mário, o pai, não atuou como padre e nem como palmeirense, para sorte do filho. A decepção pelo Palestra Itália passar a se chamar Palmeiras, após decreto durante a Segunda Guerra Mundial que vetava expressões de língua italiana em entidades, fez com que ele torcesse apenas pela seleção brasileira. Portas abertas para o tio Gerson, de quem ele fala com carinho indescritível, que morava em São Paulo e apresentou ao sobrinho dois amores eternos: a capital paulista e o Timão.
Corintiano fanático como o tio, Mário Gobbi passou infância e adolescência perto do time, seja no interior ou nos jogos no Pacaembu, quando frequentava a casa de Gerson.
- Vivi intensamente o Corinthians. E, na época, se não dava Palmeiras, dava Santos, ou Botafogo em nível nacional. As gozações eram as mais terríveis possíveis, mas isso só me fazia ser ainda mais corintiano porque eu cresço muito nas adversidades, me transformo.
Quando conseguíamos fazer os passos do Travolta era demais!"
Mário Gobbi
Os encontros nas discotecas nos finais de semanas eram sagrados, assim como a presença nos concursos de dança. Gobbi jura que não se arriscava, mas, para ele, o cenário de luzes, corpos e música era como a visão do paraíso.
- Foram os melhores anos da minha vida. E durante a semana nós ensaiávamos na casa de uma amiga porque não podíamos fazer um papelão na discoteca. Quando conseguíamos fazer os passos do Travolta era demais! Eu só fazia o trivial, mas adorava ver as luzes girando e todo mundo dançando. É um visual único, romântico.
- Eu sentia muita solidão. Andei muito pelas ruas de São Paulo, chorando de saudade dos amigos, pai, mãe, irmã... Subia a Brigadeiro com a música do Milton Nascimento, mas cresci muito. Sempre mergulhei muito nas músicas porque elas levam a Deus.
Cada frase e relato de Mário Gobbi revelam traços de sua personalidade que ele assume com orgulho. Durante a entrevista, o presidente se definiu como dócil, meigo, sensível e romântico. Características que não se perderam nem mesmo depois que ele passou no concurso para se tornar delegado de polícia. Segundo ele, mais uma obra divina. Apenas por um ano ele foi plantonista no 91º Distrito Policial. Não passou por nenhuma situação de risco e aproveitou para fazer trabalho social para curar a frustração de ver miseráveis e não poder fazer nada.
Apaixonado por presidir inquéritos policiais, ele passou a trabalhar na Secretaria da Justiça, levado por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado de quem até hoje diz ser cria. Mas foi em outro trabalho, na assessoria do diretor-geral do Detran, que o Corinthians deixou de ser uma paixão para se tornar a obrigação de Mário Gobbi. Foi lá que ele conheceu o ex-presidente Wadih Helu, que notou seu interesse e conhecimento da história alvinegra e passou a inseri-lo cada vez mais no clube.
A oposição a Dualib e a pérola na montanha
em 2010 (Foto: Diego Ribeiro / globoesporte.com)
- O Andrés ganhou a presidência e me chamou para ser diretor de futebol. Eu falei que iríamos ouvir minha esposa, porque num cargo desses você abre mão de uma série de coisas. Se ela não fechar junto, você não consegue. Tomamos um uísque, que ele gosta, fomos jantar e ela disse: "Mário, vai que você vai se dar bem". Resolvi encarar a voz dela como se fosse a voz de Deus.
O meigo Mário Gobbi só tinha um problema nas mãos: não conhecia praticamente nada de futebol. Por isso, segundo ele mesmo conta, passou os primeiros seis meses do cargo calado e teve dois excelentes professores: Antonio Carlos, hoje técnico do Audax, e Mano Menezes, agora na seleção brasileira.
O sucesso na função o levou à presidência. De sócio a principal homem do clube em apenas dez anos, trajetória que ele considera "meteórica" e teve seu auge com o título da Taça Libertadores. Em 2010, na diretoria de futebol, Gobbi discursou aos jogadores, no primeiro dia da pré-temporada, que no ano do centenário havia uma pérola muito rara para ser alcançada sobre a montanha. A pérola era a Libertadores, mas a derrota para o Flamengo nas oitavas de final brecou a escalada. O topo da montanha chegaria em 2012, assim como a comprovação de que o discurso havia marcado o coração dos atletas.
Libertadores: a pérola na montanha (Foto: AFP)
Mário administra o futebol corintiano baseado na "política de prevenção". O volante Paulinho é o exemplo mais claro. Preparado para substituir Elias, é notório que ele não deverá ficar muito tempo no futebol brasileiro. Por isso, o presidente já buscou Guilherme na Portuguesa. Seu lema é não fazer mais de uma alteração por posição no grupo de uma competição para a outra.
Posso te garantir que nem se eu reencarnasse mais 100 mil vezes, voltarei a ser presidente do Corinthians"
Mário Gobbi
Fato é que, depois do início de 2015, quando terminar o mandato à frente do Corinthians, Mário Gobbi não tem mais pretensões políticas. Vai retirar seus pertences da ampla sala. Entre eles, uma carta escrita pela mãe, Marlene, ao tio Gerson em janeiro de 1979, quando o filho se mudou para São Paulo. Palavras emocionadas de uma mãe preocupada, mas esperançosa no futuro de seu tesouro: "O meu coração de mãe diz que tudo dará certo. E toda mãe conhece o filho que tem, suas virtudes, seus defeitos. E eu boto uma fé danada nele", diz trecho da correspondência que está enquadrada na parede.
Encerrado o mandato, Gobbi voltará para sua casa, colocará a mochila no banco de trás do carro e sairá em viagem com Alessandra. Vai aproveitar a vida, obssessão tão grande que levou o casal a optar por não ter filhos. Para eles, uma criança exigiria uma criação com regalias e atenção que acabaria os impedindo de curtir a boa vida.
Católico, mas respeitoso a todas as religiões, Mário admite que poderá ter, na próxima encarnação, a missão de ser pai. Mas também usa o espiritismo para mostrar o fardo que é comandar um dos maiores clubes do país:
- Posso te garantir que nem se eu reencarnasse mais 100 mil vezes, voltarei a ser presidente do Corinthians (risos).
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