Brasil Afora: time "mora" em chácara
e tem um Adriano que é Antônio
Com elenco quase voluntário, Náuas supera falta de estrutura e faz boa campanha no Acre. Time tem goleiro-promessa, pintor, servente de obras e técnico "faz tudo"
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Longe do eixo milionário do futebol, cada um dos jogadores vai ganhar R$ 3 mil para vestir a camisa do clube durante toda a competição, que começou em 23 de março e tem previsão para terminar em 8 de junho. Uma história de superação na terra onde o futebol não é prioridade para investimento.
O Náuas completa 91 anos em outubro desta temporada (é o segundo clube mais antigo do estado, atrás apenas do Rio Branco, da capital), se profissionalizou em 2008, foi rebaixado no ano passado, mas voltou à elite do futebol acreano graças à desistência do Juventus-AC. Tudo começou em 1923, e o nome veio de uma tribo indígena da região.
- O clube foi fundado por um gaúcho, Thaumaturgo de Azevedo (coronel do Exército), que tentou desbravar a floresta amazônica, chegou ao extremo norte do país e encontrou uma terra habitada por indígenas, que hoje é Cruzeiro do Sul. Lá, ele fundou a cidade no lugar onde estava uma tribo indígena chamada Náuas, por isso terra dos Náuas. Somos Náuas. Quase tudo no município tem algo relacionado ao nome Náuas, que é uma tribo que existe até hoje - explicou o presidente, diretor de futebol, técnico e roupeiro do clube, Zacarias Lopes, que também é funcionário público.
- Nossa pretensão era resgatar o Náuas da segunda divisão com todos os jogadores e comissão técnica da casa. Conhecemos nossa fragilidade e falta de estrutura, por isso não esperávamos voltar este ano. O trabalho que programamos para a segunda é o mesmo que estamos fazendo hoje. Juntando com a sorte e outros fatores, conseguimos uma vaga no G-4. Isso é raro, é sorte. Se tivéssemos estrutura, dava para pensar em título, mas dessa forma não tem como. Por enquanto, vamos curtir esse momento.
As dificuldades se multiplicam quando se fala do setor financeiro. Dos R$ 45 mil que o clube vai receber do convênio com o poder público (única fonte de tenda), 60% do recurso ficará bloqueado pela justiça trabalhista - dívidas com jogadores que defenderam o clube nas temporadas passadas. O time, que representa cinco municípios da região do Vale do Juruá (Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter e Rodrigues Alves, todos localizados na zona oeste do Acre), não recebe apoio de nenhuma prefeitura e nem de empresários locais.
saiba mais
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O faturamento é zero. O futebol profissional é cercado de leis que
geram logísticas grandes. A falta de conhecimento do profissionalismo em
Cruzeiro do Sul fez com que o Náuas cometesse alguns erros. Hoje, por
exemplo, nosso principal patrocinador é o governo e temos pendências com
jogadores que entraram na justiça contra o clube - explicou Lopes.O convênio será repassado em três vezes. A cada R$ 15 mil, o clube fica com R$ 6 mil. Em um acordo com os jogadores, cada um vai receber R$ 3 mil para todo o estadual. O dinheiro, porém, só será pago quando o clube tiver condições. Ou seja, o tempo para o pagamento é indeterminado.
Para disputar o estadual, o time enfrenta uma verdadeira saga. Com a Arena do Juruá, estádio de Cruzeiro do Sul, sem condições para receber jogos (os laudos só foram concluídos este mês), o time precisou jogar todo o primeiro turno na capital. Por sorte, o Náuas conseguiu uma chácara em Rio Branco, cedida por uma juíza criminal que mora na capital, pagou R$ 15 mil (do bolso do presidente) para bancar o transporte na cidade e tem apoio de um empresário da capital para a alimentação dos jogadores.
No alojamento improvisado em Rio Branco, 18 pessoas, incluindo jogadores e comissão, se dividem em três quartos. Com treinos pela manhã, o elenco ganha folga à tarde e a balada à noite é limitada. O toque de recolher é às 22h. Para passar o tempo, os atletas brincam com a bola na piscina, jogam vídeo game, conversam e passeiam pelas praças da região.
"Grupo de guerreiros"
- Limpo, troco bebedouro. Entro 5h e saio de lá 16h. Chego em casa, tomo banho e vou ao treino. Às 19h, vou para a aula (está concluindo o ensino médio) e vou dormir depois de meia-noite. O outro dia é tudo de novo. Vale a pena, se Deus quiser vamos ser recompensados. Trabalho com um grupo de guerreiros.
Joia no gol
- Está sendo uma responsabilidade muito grande. Estou trabalhando forte desde o ano passado com o técnico e espero fazer um bom campeonato. É difícil, pois ainda estou pegando experiência, mas estamos fazendo um bom trabalho. O que eu quero é ser jogador de futebol, mas o estudo também é importante. Vou seguir nos dois.
Apesar da boa fase, os números não são tão favoráveis à jovem promessa do futebol do Juruá. Em seis jogos disputados pelo estadual, ele tem o segundo gol mais vazado da competição. Levou 11.
Pintor artilheiro
- Meu pai ia colocar meu nome de Adriano, mas na hora de registrar esqueceu e colocou Antônio (risos).
De fora da área, de canela, enfim, não importa o jeito. Apesar de jogar no setor que dá suporte à defesa, Adriano é o goleador do time. Entre a tinta e a rede, ele aproveita os dias de fama na região.
- É uma rotina difícil, mas a gente vem buscando fazer um bom trabalho, treinando diariamente e fazendo um bom campeonato. Não é que o ataque não esteja funcionando, mas às vezes vou ao ataque e a bola sobra para eu fazer os gols para ajudar a equipe. Comecei a jogar no futebol adulto em 2010 com a camisa de um time amador da cidade. Todo mundo tem um sonho, se um dia for preciso ir para fora do estado com certeza será o melhor para mim - completou.
Viagem nas águas para treinar
Como servente de construção civil, ganha R$ 750 por mês para ajudar no sustento da família e encara uma viagem diária para chegar aos treinos. Ele mora no bairro da Olivença e sobe o Rio Juruá de barco para chegar à cidade.
- Tenho que pegar um barco para chegar ao trabalho. Todos os dias são 30 minutos para ir e 30 minutos para voltar. Meu sonho era jogar futebol, e agora tenho essa experiência. Aqui só tem craques. Estamos construindo nossos sonhos aos poucos - comentou.
Segredo é a farinha
- O segredo é a farinha de Cruzeiro do Sul, o peixe da nossa região, a tapioca, esses negócios da Amazônia (risos). Acho que o segredo mesmo é a grande quantidade de jogadores talentosos que temos na região no Juruá e no Acre. Nossa região produz muitos talentos, mas falta oportunidade - opinou o técnico.
Para o volante Adriano, artilheiro da equipe, a boa fase do clube se deve ao companheirismo do elenco. A coletividade, segundo ele, está fazendo a diferença a favor do Cacique.
- A união do grupo é o segredo. Cada um vai incentivando o outro - finalizou.
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