Flavio Canto troca os tatames pela TV e brinca: ‘Chego como faixa branca’
Nervoso pela estreia na televisão aberta com o 'Corujão', medalhista olímpico fala sobre aposentadoria, momento do judô brasileiro, Reação, MMA, Fiorella...
Semana corrida. Difícil encontrar um horário na agenda de Flavio Canto. Treino, reunião, gravação, aniversário da Fiorella... A entrevista ficou para a manhã de sexta-feira. Mas não uma sexta qualquer. Teria pela frente a primeira gravação do "Corujão do Esporte" para ir ao ar na madrugada de sábado. Além disso, era o dia de comemorar os 24 anos de sua mulher.
Flavio 'pendura a faixa' após 22 anos de judô e vai ser apresentador (Foto: André Durão/Globoesporte.com)Toda essa correria porque, no domingo passado, ele anunciou, no "Esporte Espetacular", que estava se aposentando, após 22 anos de judô, 17 deles dedicados à seleção brasileira. O novo desafio na carreira seria longe dos tatames, perto das câmeras e holofotes, como apresentador. Mas aposentado aos 36 anos? Ele mesmo reconhece que ainda não se acostumou com a ideia.
- Soa estranho pra caramba - brincou.
Medalhista de bronze nos Jogos de Atenas-2004, Flavio abriu a porta de sua casa na Gávea, Zona Sul do Rio, se desculpando. Ele havia pedido que a equipe esperasse só um pouquinho. Estava preparando uma cesta de café da manhã surpresa para cantar parabéns para a companheira, a atriz e modelo Fiorella Mattheis.
Aniversariante, Fiorella também participa do bate-
papo (Foto: André Durão/Globoesporte.com)O gato do casal, Madox, acompanhou o bate-papo desde o início, sem dar trégua. De certa forma, o felino parecia ajudar a diminuir o nervosismo do mais novo apresentador naquele dia tão importante. Depois de acomodar os convidados e tomar um banho a jato, Flavio sentou para a entrevista e começou a falar. Quase duas horas de conversa e pose para fotos, só interrompida com a chegada de Fiorella, que recebeu os parabéns e decretou o futuro do namorado na TV:
- Tenho certeza que ele vai dar certo.
O "Corujão" não será a primeira experiência de Flavio na mídia. Em 2005 ele teve a oportunidade de atuar como comentarista de TV na transmissão do Mundial de Judô. Depois foi convidado para apresentar o programa "Sensei", no SporTV. Agora, um novo desafio: o comando de uma atração na TV aberta. Apesar de faixa preta, ele não se ilude e sabe que enfrentará outro adversário: as críticas.
- Tenho total consciência de que chego como faixa branca na televisão. Mas já estou me preparando para aprender com as críticas que virão - disse.
Flavio falou sobre tudo: carreira, lesões, conquistas, felicidades, tristezas, MMA, legado, momento do judô brasileiro, chances do Brasil em Londres-2012, amigo Tande, projetos e do seu xodó, o Instituto Reação, seu projeto social que atende mais de 1.200 crianças e jovens carentes no Rio de Janeiro.
Na estreia do 'Corujão do Esporte', nervoso, Flavio Canto recebe Hortência (Foto: TV Globo)GLOBOESPORTE.COM: Com quantos anos você descobriu o judô?
FLAVIO CANTO: Eu comecei o judô com 14, seis meses depois de o Aurélio Miguel ser campeão olímpico (1988). Até então eu fazia natação e era um atleta mediano da equipe do Flamengo. Eu era, dos piores, o melhor. Sempre gostei da ideia de ser atleta. Mais novo eu queria ser super-herói, quando eu vi que não podia ser resolvi ser um herói de carne e osso. Quando fiz a primeira aula de judô, me apaixonei. Como comecei tarde, sempre treinei o dobro de todo mundo. Fiz isso durante anos e anos e nunca vi ninguém treinar mais do que eu, até porque nunca me considerei um cara talentoso. Depois cheguei na seleção muito rápido, com 19 já estava na principal e ainda era júnior.
Além da natação, tentou outros esportes?
Surfe. Surfar tento até hoje. Ando sempre com a prancha no banco de trás do carro na expectativa de um dia ter tempo e onda para poder surfar. Surfo legal, mas não para competir.
Qual foi o melhor momento da sua carreira?
Meus melhores anos em termos de resultado foram 2006 e 2007. O ranking naquela época ainda era extraoficial, mas fiquei praticamente esses dois anos como primeiro do mundo. Em 2006, ganhei quase tudo, até o prêmio do COB. Já 2007 foi um ano que começou muito bem, mas terminou muito mal. Foi quando tive a lesão nos Jogos Pan-Americanos. Para mim foi muito triste, tinha o Mundial do Rio e eu ia disputar com o Tiago (Camilo). Acabei não indo para o Mundial, ele foi e ganhou todo mundo de ippon.
Mas e o bronze olímpico em 2004?
As Olimpíadas de 2004 são minha melhor recordação. Foi o momento que mais me marcou no judô e até na minha vida, porque meu pai teve um enfarte dois meses antes das Olimpíadas e quase morreu. Foi uma experiência muito forte, eu só pensava nos Jogos e de repente quase perdi o cara mais importante da minha vida. Isso acabou me ajudando de certa forma, eu estava muito leve. E o meu pai acabou se recuperando e indo para Atenas me ver lutar.
O gato Madox observa cada detalhe da entrevista
(Foto: André Durão/Globoesporte.com)Você é considerado o melhor de todos os tempos na luta no chão, mas recebeu críticas por misturar o jiu-jítsu com o judô. Hoje acha que contribuiu para a evolução do judô brasileiro?
Acho que sim. Meu estilo sempre foi muito particular, como o do João Derly, por exemplo. E o Brasil tem muita influência do judô japonês, tradicional, como o do Tiago Camilo, Leandro Guilheiro... Eu segui uma linha um pouco mais alternativa, e o que é diferente às vezes as pessoas não respeitam tanto. Já vi gente falando que o João não é tão técnico, isso quando ele era bicampeão mundial. Estilo bom é o que derruba e ganha luta. Acho que isso foi mudando aos poucos, e nesse sentido eu contribuí para abrir mais a cabeça do judô brasileiro. Na parte de chão, acho que tenho muito a contribuir ainda.
Apesar da tristeza de ter ficado fora de Sydney em 2000, ali começou a nascer uma nova paixão: o Instituto Reação.
Acho que o Reação nasceu com a minha história. Nasci na Inglaterra, morei nos EUA, viajei o mundo com o judô e sempre tive vida de nômade. Isso me deu um olhar da cidade diferente dos meus amigos. Desde os 19 comecei a me envolver em ações pontuais, mas eu precisava de alguma coisa de mais impacto. Em 2010 descobri que o mundo não acabaria se eu ficasse fora das Olimpíadas. Foi uma perda muita grande, mas eu sobreviveria. Fui para ser reserva, e quando voltei ao Brasil fui dar aula de judô na Rocinha e vi que aquilo, de alguma maneira, transformava a garotada. O projeto terminou, e acabei ficando sozinho. Então juntei uns amigos e formamos o Reação, o nome que significava um espaço onde as pessoas pudessem reagir, transformar o mundo.
Como está o projeto hoje?
Estamos com 1.200 alunos em cinco polos (Rocinha, Pequena Cruzada, Tubiacanga e Cidade de Deus I e II). O projeto foi crescendo de uns anos para cá e não é só judô, tem o programa de educação. Trabalhamos no judô uma escola de valores, e, dentro da educação, uma escola de competências. O objetivo é desenvolver a garotada para descobrir seu potencial.
Como se sente vendo a Rafaela Silva, fruto do Reação, sendo campeã mundial júnior e vice-campeã mundial adulta?
Ela representa muito bem essa virtude de acreditar no improvável, seguir um sonho e conquistar. Sou muito chato com a Rafaela, cobro muito e sou exigente demais. Tenho uma preocupação muito grande com o pós-carreira, a importância da formação acadêmica. O atleta acaba tendo uma visão infinita da sua carreira. A gente só percebe que o esporte um dia acaba quando vai ficando velho. Ela e a irmã, a Raquel, foram os primeiros exemplos de sucesso no esporte depois de mim. E essas referências internas funcionam bem melhor.
Rafaela Silva, a principal revelação do Instituto Reação (Foto: Alexandre Durão / GLOBOESPORTE.COM)Vamos começar a falar da aposentadoria. Você deixa o tatame com a certeza de que sua categoria está bem representada?
O Leandro (Guilheiro) está em uma fase exuberante e tem tudo para conseguir a terceira medalha olímpica da carreira dele e possivelmente a medalha de ouro. Ele vai como um dos grandes favoritos. O Leandro tem um estilo de judô muito seguro, dificilmente perde. Ele está mais maduro, a decisão de mudar de categoria foi muito boa, defende bem, movimenta e muda de pegada como poucos. O Brasil na minha categoria está muito bem representado.
E o judô brasileiro em geral?
O Brasil está em sua melhor fase disparado, nunca tivemos uma equipe tão forte. O grande trunfo é o judô feminino, com um crescimento incrível, quem sabe até mais forte que a masculina na perspectiva de medalhas. E uma vantagem das meninas é que elas são muito jovens: a Rafaela está com 19 anos, a Mayra com 20... O masculino tem uma equipe homogênea e forte.
Quais são as suas apostas para as Olimpíadas de Londres?
É sempre difícil prever isso. Mas dentro do retrospecto do time brasileiro, temos alguns atletas que dificilmente não vão ganhar medalha, como a Mayra e o Leandro. Outros também têm grandes chances, como a Sarah (Menezes, -48kg), a Rafaela (Silva, -57kg), o Rafaelzão (Rafael Silva, +100kg), quem for do peso médio entre o Hugo (Pessanha, -90kg) e o Tiago (Camilo, -90kg). Vamos ter de quatro a cinco medalhas no judô em Londres.
O que acha da explosão do MMA? Lutaria?
Já me chamaram, tinha uma possibilidade de fazer algumas lutas no Pride em 2004 ou 2005. Eu agradeci e disse que não tinha muita coisa a ver comigo, minha praia é o judô. Como boa parte dos brasileiros, todo mundo está conhecendo e aprendendo a respeitar o esporte, muito por conta do UFC, que mudou um pouco os paradigmas da luta. A nova geração assiste, e a antiga ainda tem um certo preconceito do velho vale-tudo. Hoje a gente vê que mudou muita coisa, existem regras, tem uma comissão atlética. É um esporte que veio para ficar, para substituir o boxe. Ainda acho que pode mudar uma regra ou outra para ficar menos violento. Não gosto da cotovelada, por exemplo. Mas tenho vários amigos e torço para os brasileiros. Cada um tem uma história de vida muito bacana.

Vídeo: assista à estreia de Flavio Canto no 'Corujão' entrevistando o craque do Fluminense Thiago Neves
Como amadureceu a ideia da aposentadoria? A palavra não soa estranha?
Soa estranha pra caramba. Mas foi todo um processo. Eu me perguntava se eu já tinha aprendido tudo o que poderia aprender com o judô. Vi que na parte competitiva não tinha mais tanto o que vivenciar. Já vivi grandes alegrias, tristezas, lesões... E 2010 foi um ano que eu curti bastante, acho que foi minha verdadeira despedida. Aí teve a lesão, o Reação cresceu muito, e comecei a sentir falta de não estar no dia a dia. Era hora de mudar de emoção.
Mas não vai largar o judô totalmente...
Continuo no judô, primeiro com o Reação, que é uma fábrica de transformação. Vou ser muito mais útil para o judô assim, produzindo e revelando atletas, como a Rafaela. E estou estudando com a Confederação (CBJ) treinamentos em que eu participe como professor na parte de solo. Acho que a gente ainda treina pouco chão e posso contribuir com isso. Quero ajudar o pessoal a ter mais eficiência no chão.
Agora você é apresentador. Como se sente na frente das câmeras?
Minha história na TV começou em 2005 comentando a medalha de ouro do Joãozinho (João Derly) no Mundial. Gostei muito e comecei a ser chamado. Convidaram-me para fazer o "Sensei SporTV" e fui me empolgando com televisão. De junho para cá, me perguntaram se eu tinha interesse em fazer um piloto para o "Corujão do Esporte", já que o Tande estava com muita dificuldade de conciliar o "Esporte Espetacular" com o "Corujão". Aí começou o namoro. Em dezembro, eles me chamaram dizendo que começaria em fevereiro e perguntaram: "Você topa?". Conversei com toda a minha família e achei que era o momento certo. Mas ainda fico um pouco nervoso, sim.
Flavio ao lado de Tande e Fernanda Gentil no último
Esporte Espetacular (Foto: Christiane Mussi)Como é substituir o Tande, que também é um ex-atleta?
O Tande foi um cara fundamental nesse processo. Ele passou por tudo que estou passando. É minha grande referência, como atleta e agora na televisão. O Tande conversou muito comigo, desde o início, e é um cara muito especial.
Está preparado para receber críticas?
Tenho total consciência que chego como faixa branca na televisão. Assim como duvidaram de mim na primeira seletiva para a seleção, em 95, precisei de um tempo para as pessoas me respeitarem. Mas acho que o atleta é sempre muito respeitado, e agora na TV é um meio termo de artista e atleta.
Fiorella, você apresentou o "Vídeo Show" por dois anos. Deu alguma dica para ele?
Na verdade, o Flavio é muito crítico com ele mesmo. Ele fica o tempo todo pedindo para eu assistir e ficar criticando. Mas ele é muito inteligente. Estuda, pega as coisas muito rápido, é carismático, passa uma energia muito boa, e a televisão passa isso para quem está assistindo. Não tenho dúvida de que vai dar certo.
Flavio, para finalizar, com a Fiorella do seu lado. Qual foi sua maior conquista: a medalha olímpica, o Reação ou a Fiorella?
O Reação. Sem o instituto eu não conheceria a Fiorella (risos). Mas o Reação é uma das coisas mais bonitas, me sinto especial, um ser humano no seu sentido pleno.
Flavio recebe um carinho de Fiorella durante a entrevista (Foto: André Durão/Globoesporte.com)
- Soa estranho pra caramba - brincou.
Medalhista de bronze nos Jogos de Atenas-2004, Flavio abriu a porta de sua casa na Gávea, Zona Sul do Rio, se desculpando. Ele havia pedido que a equipe esperasse só um pouquinho. Estava preparando uma cesta de café da manhã surpresa para cantar parabéns para a companheira, a atriz e modelo Fiorella Mattheis.
papo (Foto: André Durão/Globoesporte.com)
- Tenho certeza que ele vai dar certo.
O "Corujão" não será a primeira experiência de Flavio na mídia. Em 2005 ele teve a oportunidade de atuar como comentarista de TV na transmissão do Mundial de Judô. Depois foi convidado para apresentar o programa "Sensei", no SporTV. Agora, um novo desafio: o comando de uma atração na TV aberta. Apesar de faixa preta, ele não se ilude e sabe que enfrentará outro adversário: as críticas.
- Tenho total consciência de que chego como faixa branca na televisão. Mas já estou me preparando para aprender com as críticas que virão - disse.
Flavio falou sobre tudo: carreira, lesões, conquistas, felicidades, tristezas, MMA, legado, momento do judô brasileiro, chances do Brasil em Londres-2012, amigo Tande, projetos e do seu xodó, o Instituto Reação, seu projeto social que atende mais de 1.200 crianças e jovens carentes no Rio de Janeiro.
FLAVIO CANTO: Eu comecei o judô com 14, seis meses depois de o Aurélio Miguel ser campeão olímpico (1988). Até então eu fazia natação e era um atleta mediano da equipe do Flamengo. Eu era, dos piores, o melhor. Sempre gostei da ideia de ser atleta. Mais novo eu queria ser super-herói, quando eu vi que não podia ser resolvi ser um herói de carne e osso. Quando fiz a primeira aula de judô, me apaixonei. Como comecei tarde, sempre treinei o dobro de todo mundo. Fiz isso durante anos e anos e nunca vi ninguém treinar mais do que eu, até porque nunca me considerei um cara talentoso. Depois cheguei na seleção muito rápido, com 19 já estava na principal e ainda era júnior.
Além da natação, tentou outros esportes?
Surfe. Surfar tento até hoje. Ando sempre com a prancha no banco de trás do carro na expectativa de um dia ter tempo e onda para poder surfar. Surfo legal, mas não para competir.
Qual foi o melhor momento da sua carreira?
Meus melhores anos em termos de resultado foram 2006 e 2007. O ranking naquela época ainda era extraoficial, mas fiquei praticamente esses dois anos como primeiro do mundo. Em 2006, ganhei quase tudo, até o prêmio do COB. Já 2007 foi um ano que começou muito bem, mas terminou muito mal. Foi quando tive a lesão nos Jogos Pan-Americanos. Para mim foi muito triste, tinha o Mundial do Rio e eu ia disputar com o Tiago (Camilo). Acabei não indo para o Mundial, ele foi e ganhou todo mundo de ippon.
Mas e o bronze olímpico em 2004?
As Olimpíadas de 2004 são minha melhor recordação. Foi o momento que mais me marcou no judô e até na minha vida, porque meu pai teve um enfarte dois meses antes das Olimpíadas e quase morreu. Foi uma experiência muito forte, eu só pensava nos Jogos e de repente quase perdi o cara mais importante da minha vida. Isso acabou me ajudando de certa forma, eu estava muito leve. E o meu pai acabou se recuperando e indo para Atenas me ver lutar.
(Foto: André Durão/Globoesporte.com)
Acho que sim. Meu estilo sempre foi muito particular, como o do João Derly, por exemplo. E o Brasil tem muita influência do judô japonês, tradicional, como o do Tiago Camilo, Leandro Guilheiro... Eu segui uma linha um pouco mais alternativa, e o que é diferente às vezes as pessoas não respeitam tanto. Já vi gente falando que o João não é tão técnico, isso quando ele era bicampeão mundial. Estilo bom é o que derruba e ganha luta. Acho que isso foi mudando aos poucos, e nesse sentido eu contribuí para abrir mais a cabeça do judô brasileiro. Na parte de chão, acho que tenho muito a contribuir ainda.
Apesar da tristeza de ter ficado fora de Sydney em 2000, ali começou a nascer uma nova paixão: o Instituto Reação.
Acho que o Reação nasceu com a minha história. Nasci na Inglaterra, morei nos EUA, viajei o mundo com o judô e sempre tive vida de nômade. Isso me deu um olhar da cidade diferente dos meus amigos. Desde os 19 comecei a me envolver em ações pontuais, mas eu precisava de alguma coisa de mais impacto. Em 2010 descobri que o mundo não acabaria se eu ficasse fora das Olimpíadas. Foi uma perda muita grande, mas eu sobreviveria. Fui para ser reserva, e quando voltei ao Brasil fui dar aula de judô na Rocinha e vi que aquilo, de alguma maneira, transformava a garotada. O projeto terminou, e acabei ficando sozinho. Então juntei uns amigos e formamos o Reação, o nome que significava um espaço onde as pessoas pudessem reagir, transformar o mundo.
Como está o projeto hoje?
Estamos com 1.200 alunos em cinco polos (Rocinha, Pequena Cruzada, Tubiacanga e Cidade de Deus I e II). O projeto foi crescendo de uns anos para cá e não é só judô, tem o programa de educação. Trabalhamos no judô uma escola de valores, e, dentro da educação, uma escola de competências. O objetivo é desenvolver a garotada para descobrir seu potencial.
Como se sente vendo a Rafaela Silva, fruto do Reação, sendo campeã mundial júnior e vice-campeã mundial adulta?
Ela representa muito bem essa virtude de acreditar no improvável, seguir um sonho e conquistar. Sou muito chato com a Rafaela, cobro muito e sou exigente demais. Tenho uma preocupação muito grande com o pós-carreira, a importância da formação acadêmica. O atleta acaba tendo uma visão infinita da sua carreira. A gente só percebe que o esporte um dia acaba quando vai ficando velho. Ela e a irmã, a Raquel, foram os primeiros exemplos de sucesso no esporte depois de mim. E essas referências internas funcionam bem melhor.
O Leandro (Guilheiro) está em uma fase exuberante e tem tudo para conseguir a terceira medalha olímpica da carreira dele e possivelmente a medalha de ouro. Ele vai como um dos grandes favoritos. O Leandro tem um estilo de judô muito seguro, dificilmente perde. Ele está mais maduro, a decisão de mudar de categoria foi muito boa, defende bem, movimenta e muda de pegada como poucos. O Brasil na minha categoria está muito bem representado.
E o judô brasileiro em geral?
O Brasil está em sua melhor fase disparado, nunca tivemos uma equipe tão forte. O grande trunfo é o judô feminino, com um crescimento incrível, quem sabe até mais forte que a masculina na perspectiva de medalhas. E uma vantagem das meninas é que elas são muito jovens: a Rafaela está com 19 anos, a Mayra com 20... O masculino tem uma equipe homogênea e forte.
Quais são as suas apostas para as Olimpíadas de Londres?
É sempre difícil prever isso. Mas dentro do retrospecto do time brasileiro, temos alguns atletas que dificilmente não vão ganhar medalha, como a Mayra e o Leandro. Outros também têm grandes chances, como a Sarah (Menezes, -48kg), a Rafaela (Silva, -57kg), o Rafaelzão (Rafael Silva, +100kg), quem for do peso médio entre o Hugo (Pessanha, -90kg) e o Tiago (Camilo, -90kg). Vamos ter de quatro a cinco medalhas no judô em Londres.
O que acha da explosão do MMA? Lutaria?
Já me chamaram, tinha uma possibilidade de fazer algumas lutas no Pride em 2004 ou 2005. Eu agradeci e disse que não tinha muita coisa a ver comigo, minha praia é o judô. Como boa parte dos brasileiros, todo mundo está conhecendo e aprendendo a respeitar o esporte, muito por conta do UFC, que mudou um pouco os paradigmas da luta. A nova geração assiste, e a antiga ainda tem um certo preconceito do velho vale-tudo. Hoje a gente vê que mudou muita coisa, existem regras, tem uma comissão atlética. É um esporte que veio para ficar, para substituir o boxe. Ainda acho que pode mudar uma regra ou outra para ficar menos violento. Não gosto da cotovelada, por exemplo. Mas tenho vários amigos e torço para os brasileiros. Cada um tem uma história de vida muito bacana.
Vídeo: assista à estreia de Flavio Canto no 'Corujão' entrevistando o craque do Fluminense Thiago Neves
Como amadureceu a ideia da aposentadoria? A palavra não soa estranha?
Soa estranha pra caramba. Mas foi todo um processo. Eu me perguntava se eu já tinha aprendido tudo o que poderia aprender com o judô. Vi que na parte competitiva não tinha mais tanto o que vivenciar. Já vivi grandes alegrias, tristezas, lesões... E 2010 foi um ano que eu curti bastante, acho que foi minha verdadeira despedida. Aí teve a lesão, o Reação cresceu muito, e comecei a sentir falta de não estar no dia a dia. Era hora de mudar de emoção.
Mas não vai largar o judô totalmente...
Continuo no judô, primeiro com o Reação, que é uma fábrica de transformação. Vou ser muito mais útil para o judô assim, produzindo e revelando atletas, como a Rafaela. E estou estudando com a Confederação (CBJ) treinamentos em que eu participe como professor na parte de solo. Acho que a gente ainda treina pouco chão e posso contribuir com isso. Quero ajudar o pessoal a ter mais eficiência no chão.
Agora você é apresentador. Como se sente na frente das câmeras?
Minha história na TV começou em 2005 comentando a medalha de ouro do Joãozinho (João Derly) no Mundial. Gostei muito e comecei a ser chamado. Convidaram-me para fazer o "Sensei SporTV" e fui me empolgando com televisão. De junho para cá, me perguntaram se eu tinha interesse em fazer um piloto para o "Corujão do Esporte", já que o Tande estava com muita dificuldade de conciliar o "Esporte Espetacular" com o "Corujão". Aí começou o namoro. Em dezembro, eles me chamaram dizendo que começaria em fevereiro e perguntaram: "Você topa?". Conversei com toda a minha família e achei que era o momento certo. Mas ainda fico um pouco nervoso, sim.
Esporte Espetacular (Foto: Christiane Mussi)
O Tande foi um cara fundamental nesse processo. Ele passou por tudo que estou passando. É minha grande referência, como atleta e agora na televisão. O Tande conversou muito comigo, desde o início, e é um cara muito especial.
Está preparado para receber críticas?
Tenho total consciência que chego como faixa branca na televisão. Assim como duvidaram de mim na primeira seletiva para a seleção, em 95, precisei de um tempo para as pessoas me respeitarem. Mas acho que o atleta é sempre muito respeitado, e agora na TV é um meio termo de artista e atleta.
Fiorella, você apresentou o "Vídeo Show" por dois anos. Deu alguma dica para ele?
Na verdade, o Flavio é muito crítico com ele mesmo. Ele fica o tempo todo pedindo para eu assistir e ficar criticando. Mas ele é muito inteligente. Estuda, pega as coisas muito rápido, é carismático, passa uma energia muito boa, e a televisão passa isso para quem está assistindo. Não tenho dúvida de que vai dar certo.
Flavio, para finalizar, com a Fiorella do seu lado. Qual foi sua maior conquista: a medalha olímpica, o Reação ou a Fiorella?
O Reação. Sem o instituto eu não conheceria a Fiorella (risos). Mas o Reação é uma das coisas mais bonitas, me sinto especial, um ser humano no seu sentido pleno.
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