Bola na cal, olho só no goleiro: Fred readapta pênalti e mantém excelência
Atacante encontra lógica semelhante à da paradinha e tem 100% de aproveitamento neste ano. 'Teria que testá-lo em laboratório', diz físico
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No entanto, além de um atalho rumo à artilharia, os pênaltis são uma amostra da obstinação de Fred pelo gol. A sua rotina de treinos antes de um jogo chama menos a atenção do que a maneira que ele vem aprimorando nos chutes da marca da cal: sem olhar para a bola, fitando apenas o goleiro, esperando uma tentativa do adversário de se antecipar e escolher um canto.
São sete pênaltis cobrados em 2012, sendo três no Brasileiro. Todos terminaram com a bola na rede. Fred precisou se renovar depois que a Fifa, em 2010, proibiu a "paradona", em que o batedor fingia um chute para que o goleiro desabasse para um dos lados. O tricolor encontrou uma lógica semelhante: ao ignorar a bola, consegue esperar até o último momento por um movimento do adversário para escolher o canto (veja no vídeo acima).
Ele conseguiu praticamente manter o aproveitamento que tinha com o auxílio da paradinha, passando de 83% para 81%. E vem se aprimorando. Se perdeu duas das cinco primeiras cobranças no novo estilo, uma delas pela Seleção na Copa América, nas 11 seguintes só desperdiçou uma vez.
- Nós, cobradores, fomos muito prejudicados (com o fim da paradinha). Mas me adaptei rápido, e futebol é isso também: a cada dia tem coisas novas. Sempre bati olhando para o goleiro, tenho aperfeiçoado isso desde o ano passado, de só olhar para ele. Nem para a bola olho mais. Está dando certo: se o goleiro fizer um movimento, vejo onde jogar a bola. Para onde ele mexer, eu viro o pé (para o outro lado). Às vezes complica quando é um goleiro rápido e fica parado, casos de Jefferson (Botafogo) e Fábio (Cruzeiro). Mas nunca mudo minha forma de bater - afirmou o camisa 9 das Laranjeiras.
A estratégia utilizada por Fred não é recomendada pelo Laboratório de Fisiologia do Comportamento do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (Universidade de São Paulo), que trabalha com a neurociência (estudo científico do sistema nervoso) em relação ao controle do movimento e à resposta às condições de estresse. À frente do projeto, o físico italiano Ronald Ranvaud analisa pênaltis desde 1994, inspirado pela cobrança para fora de Baggio que deu o título para o Brasil na final da Copa do Mundo. Segundo ele, o jogador precisa tomar uma decisão antes de bater na bola, caso contrário "a programação motora vai ser feita com pressa, o chute não vai ter precisão, e a chance de errar é grande".
- Todo movimento tem que ser programado, pois o cérebro decide quando cada grupo muscular será ativado e com qual força. No esporte, a complexidade do movimento é muito alta. No pênalti, há um momento antes de chegar à bola em que o cobrador não tem como mudar o que vai fazer. A isso chamamos de ponto de não retorno, que é, de forma aproximada, quando o pé de chute do jogador passa pelo pé de apoio durante a última passada. O tempo desse momento é cerca de 250 milissegundos (antes do chute), mas pode variar se a aproximação for muito rápida ou muito lenta - explicou o professor.
- O cara é um craque. Apesar dessa estratégia equivocada, ele é tão bom que conseguiu fazer 81% de 16 cobranças, o que já é um número respeitável. É um rapaz inteligente, corajoso, pensou no assunto e desenvolveu uma tática. Não precisa olhar para a bola na hora do chute, o que é muito importante nos últimos ajustes e é algo raro. Teria que testá-lo em laboratório. Pode ser um cara de ponto de não retorno particularmente curto, que não precisa de tanto tempo para programar os movimentos finais - afirmou o físico, acrescentando que os extremos do ponto de não retorno que já mediu em jogadores foi de 215 e de 340 milissegundos.
Enquanto o camisa 9 não vira objeto de estudo científico, alguns dos segredos de seus pênaltis permanecem em sigilo com os goleiros e companheiros de treino. Uma das táticas é não se mexer até o momento do chute, de acordo com Vanderlei, único que conseguiu defender uma cobrança de Fred nesse estilo. O goleiro disse que estudou as penalidades de Fred antes da derrota do Coritiba por 3 a 1, no Engenhão, em outubro do ano passado.
- Pelo que a gente sabe, o Fred sempre bateu olhando para o goleiro, desde a paradinha. Se cair antes, ele vira o pé e só rola a bola. Na época, consegui esperar o máximo, e deu certo, não é (risos)? É mais difícil defender (esse tipo de pênalti), porque você tem que esperar o máximo possível. A maioria dos goleiros já procura partir quando o cobrador abaixa a cabeça (para olhar a bola no momento do chute). Se ficar esperando, a chance de defender é maior. Se o cara acertar bem no cantinho, aí é mérito dele. Se for muito no canto, dificilmente dá para chegar - contou.
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