Com estilo "antiboleiro", brasileiro bate de frente com ex-rival Neymar no Rayo
Autor de seis gols em nove jogos no Espanhol, santista Léo Baptistão mostra bom humor em papo sobre carreira na Europa e sucesso no Rayo Vallecano, de Madri
No departamento de emergência de um hospital em Madri, o médico é chamado para atender um jogador de futebol que sofreu uma pancada em campo pelo Campeonato Espanhol. Quando se depara com o rapaz na maca, o profissional pensa que errou de quarto, e inicia o diálogo:
- Você é o jogador de futebol? - questiona o médico.
- Sou - respondeu o atleta.
- Joga em qual posição? - pergunta, varrendo o garoto com os olhos.
- Atacante.
- Ué, mas você não tem tatuagem, não tem brinco, não tem nada...
Não só pela diferença de estilo. Os dois estão conectados desde pequenos. Neymar e Baptistão jogaram juntos no futsal da Portuguesa Santista, mas logo se separaram, e a rivalidade entre os times do "Léo" e do "Ney" esquentava as competições infantis e peladas na cidade. Nunca foi problema, os dois sempre se davam bem, mas acabaram perdendo contato pelas circunstâncias da vida. Enquanto Neymar já ganhava altas cifras nas categorias de base do Santos, aos 16 anos, o carismático" anti-herói" vivia fase de incerteza.
Quem acabou com isso foi seu pai, Haroldo, em diálogo com Feijó, ex-jogador do Santos - os dois trabalhavam juntos na Ótica da família Baptistão, localizada na rua Amador Bueno, centro da cidade de Santos. Acostumado a ir para a Espanha, e cheio de contatos, Feijó ouviu de seu amigo um insistente pedido para levar Léo a Europa, e arrumar um teste para o garoto. Depois de um tempo de argumentação, os dois chegaram a um acordo, mas Feijó avisou: "Vou ainda nesta semana".
Ainda aos 15 anos, mas com o mesmo jeitão de hoje, o brasileirinho passou por cima da correria da viagem e foi sucesso no teste das categorias de base do Getafe, de Madri. Só precisou voltar ao Brasil para buscar as roupas de frio. No retorno à Espanha, precisou trocar de clube: o Rayo Vallecano era o único que oferecia alojamento aos jovens atletas. Meio a contragosto na época, Léo foi jogar na quarta força da capital, mas logo se apaixonou. No Estádio de Vallecas fez seus primeiros gols, foi vendido para o Atlético de Madrid, e, nesta temporada, desembarcou mais uma vez, emprestado. Com seis gols em nove jogos neste Espanhol, ele já reencontrou o amigo Neymar algumas vezes em campo. Hoje, na mesma liga, as duas figuras antagonistas mantêm mais contato e brigam pela artilharia da competição, ainda que, desta vez, a rivalidade entre o "time do Ney", Barcelona, e o do Léo, Rayo Vallecano, não possa ser considerada tão justa.
Esse "acabei me tocando" de Léo não aconteceu do dia para a noite. O atacante passou por três lesões na clavícula, chegou a perder meses de jogos por problemas de documentação e pensou seriamente em desistir de tentar a sorte fora do Brasil, principalmente antes de se profissionalizar. Com o apoio do pai por telefone, que pedia ao filho para encarar sua estadia na Espanha como um "vestibular da vida", o brasileiro cresceu. Ao invés de voltar para Santos e trabalhar com o pai na loja da família, ele conseguiu um bom salário para fazer a família "se aposentar" e mudar para Madri. Tudo se desencadeou em um momento perfeito.
- Quando saí do Rayo para o Atlético (vendido por cerca de R$ 22 milhões), esperava ter meu ano e não tive. Não joguei muito e precisava recuperar minha confiança. Queria voltar a me sentir jogador de futebol. Eu me sinto em casa no Rayo, e a sensação de voltar a me sentir algo importante em um grupo é demais, eu tinha perdido no ano passado - lembra Baptistão.
Com o técnico Diego Simeone, em 2013, Léo não teve muitas oportunidades: 11 jogos oficiais, com apenas um gol marcado. Embora esteja realizado em Vallecas, o atacante espera mostrar ao argentino que merece uma vaga entre os colchoneros quando voltar do empréstimo, no fim da próxima temporada. Se conseguir, ele sabe que terá outro grande desafio pela frente:
- O jogo do Atlético hoje não me convém em nada. Não sou um atacante de jogar de costas, para bater com a defesa, saltar, chocar, como fazia o Diego Costa e faz hoje o Mandzukic. Sou de liberdade de movimento, buscar a bola, entrar no espaço. Estou feliz aqui. Mas se puder voltar para lá e fazer o que estou fazendo no Rayo, marcar gols, é mais gostoso fazer em time grande.
A atual meta do brasileiro é voltar e brilhar no Atlético de Madrid, onde possui outro caso de amizade inusitada. Quando criança, o pequeno Baptistão era torcedor do São Paulo, e chegou a entrar no Morumbi como mascote, ao lado do zagueiro Miranda. Quando enfrentou seu ídolo pela primeira vez em um clássico em Madri, pediu a camisa e deu um abraço no zagueiro. Atualmente, tem boa relação, alimentada pela vislumbre de que em breve possam ter sucesso atuando juntos. Pelo ritmo e a boa média de gols, se conseguir se manter assim, Léo Baptistão nem precisará fazer mais para chamar a atenção, nem mudar muito seu estilo, que ele mesmo abraça como" antiboleiro".
- Sou meio molenga, né? - brinca consigo mesmo o atacante. - Sempre fui assim, perna torta, magro, desse tamanho. Foi o que me fez sair do futsal e tentar o campo. Mas eu não tenho estilo nenhum, cara! Vejo vídeo dos meus gols e é meio estranho. Vejo os feras como Neymar, Cristiano, Ronaldinho, dominam a bola com o maior estilão. Comigo, a bola bate no peito, sai estranha. Mas o importante é que no final cai lá dentro do gol, com estilo ou não. Sempre vai entrar - reforçou, demonstrando suas qualidades de segurança e senso de humor.
Com seus passos desengonçados, e cheio de história para contar ainda aos 22 anos de idade, Léo Baptistão busca espaço entre os grandes. Pouco conhecido também no Brasil, o atacante já ponderou ter saído muito cedo de seu país, e que talvez devesse ter ficado mais tempo, como Neymar, mas sempre chega na mesma conclusão: não se arrepende, e nem mudaria nada do que fez até aqui. Estar no Rayo, para Léo, é menor do que ele tem como ambição para sua carreira, e ao mesmo tempo uma grande vitória em sua vida, valorizada pelo jogador: "Em time que está ganhando não se mexe", diz.
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