Goulart em cinco atos: histórias que ajudaram o Cruzeiro a ser bicampeão
Gol decisivo na infância, bronca no Santo André, susto e pressão no Inter e parceria com “baixinho” Everton Ribeiro são ilustrativas para explicar trajetória do jogador
O caminho percorrido por Ricardo Goulart para se tornar um dos astros do bicampeonato do Cruzeiro não foi dos mais acidentados. Ele não chega a ser aquele estereótipo do boleiro sofrido: não saiu cedo de casa, não penou em clubes de esquina, não comeu o pão que o diabo amassou em busca de um espaço no futebol. Mesmo assim, passou por momentos que, talvez imperceptíveis à época, ajudaram a colocá-lo hoje como protagonista cruzeirense - autor de quatro gols nos últimos quatro jogos, incluindo o primeiro da vitória de 2 a 1 sobre o Goiás nesse domingo (veja no vídeo acima). São situações que, não por acaso, estão na memória dele – para o bem e para o mal. E que formam um pequeno pedaço do título da Raposa.
Da infância em São José dos Campos, do começo no Santo André, das subidas e quedas no Inter, do reencontro com Enderson Moreira no Goiás, de tudo isso sai um pouco da formação de um jogador tão importante para o Cruzeiro. Em cinco atos, descritos abaixo, é possível conhecer e entender um pouco da trajetória do atleta - certamente um dos candidatos a craque do campeonato.
Ato 1: “A bola quicou, veio pra mim e ‘tum’! No ângulo!”
- Se eu tivesse dúvidas sobre minha capacidade, não estaria no futebol. Sempre confiei. Sempre fiz meus golzinhos. Nessa escolinha, numa taça da cidade, categoria 89, 90 e 91, fiz gol no primeiro título. Meu irmão bateu uma falta, e eu fiquei no segundo pau. Foi aquela bola alçada na marca do pênalti, e todo mundo deixou passar. Foi bem batida. Isso eu era novinho. A bola quicou, veio pra mim e "tum"! No ângulo! Eu tinha uns 12, 13 anos. Era bem novo. Ganhei até um cobertor na época – diverte-se Goulart.
Ato 2: “Entra na área, Goulart!”
O São Paulo foi buscar talentos na escolinha onde Goulart jogava. Mas não quis o próprio Goulart. Ficou com o irmão dele e com Casemiro. O meia do Cruzeiro passou tempos difíceis, contrariado, mais distante do futebol. Mas seguiu em frente. E foi parar no Santo André, onde se profissionalizou. E onde aprendeu uma lição absolutamente fundamental para o modo de jogar no Cruzeiro de hoje: entrar na área para concluir as jogadas (veja, no vídeo acima, gol dele contra o Grêmio em 2009). Sem essa capacidade, Goulart não seria o mesmo. É assim que sai boa parte de seus gols.
- Tive que levar um puxão de orelhas para entrar na área. Quando comecei no Santo André, com o Sergio Soares, no Campeonato Paulista, ele falava: “Entra na área, Goulart!”. Mas eu olhava a área tão longe, meu! Falava: “Nossa, é muito longe”. O lateral cruzava no treino, e tinha que entrar na área. Chegou o jogo, e dito e feito. Ele cruzou, e eu fiquei esperando. Se eu estivesse naquele lugar, faria o gol. Hoje, o Marcelo pede a todos os jogadores de frente essa penetração na área.
Ato 3: “Imagina o frio na barriga. Mas o primeiro nome foi o meu”
- Perdemos em casa, fomos desclassificados, e aí acabou o Inter B. O Celso Roth (técnico do elenco principal) fez uma lista, e um dirigente disse: “Os nomes que eu citar vão subir para treinar nos profissionais. Quem eu não falar o nome, pode dizer para o empresário procurar alguma coisa”. Imagina o frio na barriga. Mas o primeiro nome foi o meu. Foi tenso...
Ato 4: “Tinha Cavenaghi e Sobis no banco, Beira-Rio lotado, e o Falcão me escolheu”
Ricardo Goulart entrou na lista de Celso Roth dos jogadores do extinto time B que seriam aproveitados no elenco principal em 2011. Mas o treinador durou pouco. Logo foi demitido e substituído por Paulo Roberto Falcão, que botou os olhos no jovem meia e não tirou mais. Viu nele todo o potencial para vestir a camisa titular do Inter. Mas o processo acabou atropelado. Nas oitavas de final da Libertadores, em momento de desespero contra o Peñarol, no Beira-Rio, o Rei de Roma olhou para o banco e chamou Goulart em vez de apostar em atletas mais experientes. A torcida não entendeu nada. A imprensa criticou a escolha. E Goulart não foi bem. Personagem central da eliminação para os uruguaios, ele viveu dias de pressão e aprendizado.
- Um momento em que eu amadureci mesmo foi aquela vez contra o Peñarol. Tinha Cavenaghi e Sobis no banco, Beira-Rio lotado, e o Falcão me escolheu. Aí tentaram achar um culpado. E veio em quem? Mas dei a volta por cima. O caminho segue, o jogador segue a vida, e o clube fica. Mas ali foi tenso. Uma semana tensa. E eu era tão novo... O Inter, com a tradição que tem, toda aquela torcida, você fica chateado também.
Ato 5: “Ó, baixinho, vou tocar de primeira e vamos sair na cara do gol”
Goulart acabou queimado no jogo contra o Peñarol. E talvez isso tenha sido decisivo para o sucesso dele. Pouco aproveitado no Inter (ainda fez um gol no Brasileirão, que pode ser visto no vídeo acima), o jogador acabou transferido para o Goiás em 2012. O técnico era justamente Enderson Moreira, o mesmo que o treinara no time B colorado. E aí existe um fator importante, outra dessas questões quase invisíveis que ajudam o Cruzeiro a ser campeão: com Enderson, Goulart jogou no Inter B e no Goiás no mesmo esquema em que joga atualmente na Raposa, o 4-5-1. Isso favoreceu a adaptação dele à sistemática de jogo cruzeirense. E otimizou uma parceria fundamental para o sucesso celeste. A sintonia entre Goulart e seu amigo Everton Ribeiro, o “baixinho”, é a cara do Cruzeiro bicampeão brasileiro (foram deles os dois gols contra o Goiás, por exemplo). Não por acaso, eles foram parar juntos na Seleção.
- Temos um entrosamento muito grande. É meu amigo fora de campo, como todos são, mas tenho mais afinidade com ele. Ele mora aqui no mesmo condomínio. A esposa dele se dá muito bem com a minha. É um grande jogador. Tem uma afinidade impressionante. Eu falo pra ele, “ó, baixinho, o cara vai vir aqui, fica atrás que vou tocar de primeira e vamos sair na cara do gol”, ou “ó, o cara tá meio cansado, vou pra cima dele”, ou “baixinho, vou penetrar na área, toca de primeira, porque o volante vai estar moscando, e eu entro na área”. Nessas combinações, acaba acontecendo. A gente dá risada no fim. Já dei passe pra ele fazer, e ele também já me deixou muito na cara do gol. É legal essa troca.
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