Mundo Afora: Academia Puskás
vive polêmica com "elefante branco"
Fundado
em homenagem ao grande craque húngaro, clube se envolve em polêmica com
construção de arena cuja capacidade é bem maior que a população de
Félcsut
Por Felipe SchmidtRio de Janeiro
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Maior jogador da história da Hungria, Ferenc Puskás morreu
em 2006. Um ano depois, nascia na cidade de Félcsut a Academia Puskás,
um time de futebol dedicado a formar novos atletas para o futebol local e
prestar homenagem ao grande ídolo. Em 2014, o clube cresceu: está na primeira
divisão nacional e ganhou um estádio luxuoso, também em honra ao falecido
craque, que vem causando polêmica pelos gastos exagerados.
A Pancho Arena, nomeada assim em referência a um dos
apelidos de Puskás, sediou jogos do Campeonato Europeu sub-19, terminado nesta
semana, e chamou a atenção pelo design diferente e uma estrutura bem diferente
dos demais estádios do país. Mas também levantou questões: por que uma cidade
tão pequena como Félcsut, com apenas 1,6 mil habitantes, precisa de um estádio
com capacidade para 4,5 mil pessoas?
A resposta está em Viktor Orbán. Atual primeiro-ministro da
Hungria, ele foi o fundador da Academia Puskás e o idealizador da Pancho Arena.
Criado em Félcsut, ele construiu o estádio próximo à sua casa com a ajuda de
empresas – segundo a imprensa local, as mesmas que conseguiram contratos com o
governo durante o comando de Orbán. Ao todo, a obra custou € 12,4 milhões
(cerca de R$ 37,2 milhões).
- A Pancho Arena é um monumento à corrupção e à megalomania –
criticou Szarvas Koppany Bendeguz, político da oposição húngara, na ocasião da
inauguração do estádio, em abril.
Pancho Arena antes da inauguração: estádio custou R$ 37,2 milhões (Foto: Site Oficial do Puskás)
A escolha do nome do clube também tem a ver com as ambições
de Orbán. Com a criação da academia e a utilização de um nome tão respeitado
como o de Puskás, o político se destacou: afinal, nem mesmo o Honvéd, clube
pelo qual o ex-craque jogou, havia feito uma homenagem como esta.
- Para entender as razões pelas quais demorou tanto tempo
para Puskás ser homenageado, é preciso saber o pano de fundo histórico e
político. Puskás deixou a Hungria depois da revolução de 1956 e seu nome não
existiu na imprensa e no público húngaros por décadas, enquanto ele tinha
sucesso no Real Madrid. O Honvéd batizou seu estádio com Jószef Bozsik, que era
um amigo de infância e companheiro de time de Puskás, mas não lembrou de Puskás –
contou György Szöllõsi, diretor de comunicação da Academia Puskás.
Orbán, ao centro, posa com representantes da Fifa atrás de painel com foto de Puskás (Foto: Site Oficial do Puskás)
Curiosamente, a Academia Puskás nasceu de uma iniciativa
interessante, embora possivelmente vista com interesse político. Quando foi
criado, o clube tinha o objetivo de desenvolver promessas em Félcsut, cidade que não tinha nenhuma relação com Puskás. Aos poucos,
o projeto foi crescendo.
- Depois de diversos desenvolvimentos estruturais, Orbán
pediu a permissão de Puskás, que ainda era vivo, para usar o nome no clube.
Esta permissão foi concedida em 2006. Não queríamos um time na primeira
divisão, estar na segunda divisão era suficiente para os nossos objetivos, mas
os jogadores conquistaram o acesso em 2013 e nós não quisemos atrapalhar o
sonho deles – explicou Szöllõsi.
Pancho Arena tem capacidade para 4,5 mil pessoas (Foto: Site Oficial do Puskás)
A trajetória da Academia Puskas é peculiar desde o início.
Quando iniciou os trabalhos, o clube fez um acordo com o Videoton, um dos
principais times do país, e passou a funcionar, na prática, como uma equipe reserva do parceiro. O acesso à primeira
divisão, porém, também mudou a relação.
- O time pertencia ao Videoton quando estava na segunda
divisão. Hoje não é mais, porque os jogadores do Videoton tiveram que rescindir
o contrato lá para permanecer aqui de vez. Mas há casos de jogadores que não
estavam sendo utilizados na última temporada no Videoton e vieram por
empréstimo. Os jogos da Academia Puskás eram no estádio do Videoton antes que a
Pancho Arena ficasse pronta – explicou o zagueiro Fábio Oliveira Nascimento, brasileiro que defende
a equipe há dois anos.
Fábio, à direita, em ação pela Academia Puskás (Foto: Arquivo Pessoal)
Embora os laços não sejam mais os mesmos, a parceria entre a
Academia Puskás e o Videoton continua. O caminho natural é que os destaques do
time menor sejam encaminhados para a matriz.
- O Videoton tem o direito de coletar os melhores jogadores
da Academia. Nosso time adulto era a equipe reserva do Videoton há alguns anos,
mas nos últimos anos somos um clube independente que dá seus melhores jogadores
ao Videoton há cada metade de temporada e coopera tecnicamente com o parceiro. Mas
em campo é uma verdadeira luta quando as equipes se enfrentam. Mas nosso
principal objetivo é desenvolver jogadores talentosos para o Videoton. Nós
precisamos do Videoton porque é um clube que sempre disputa competições
europeias e é onde nossos jovens podem alcançar condições profissionais –
explicou Szöllõsi.
BOA ESTRUTURA E SIMPATIA DOS RIVAIS
Em sua primeira temporada na elite, a Academia Puskás
precisou lutar contra o rebaixamento, mas, no fim, se salvou. O time ficou em
14º lugar num torneio com 16 equipes, justamente o limite para evitar a degola.
Apesar das dificuldades em campo, a estrutura do clube é
boa. A proximidade com Orbán faz com que o time tenha uma boa organização fora
de campo, principalmente em relação aos padrões do futebol húngaro.
- A Academia Puskás tem uma estrutura muito boa. Ainda não
dá para comparar com os grandes daqui, mas em mais dois anos será com certeza.
Isso leva tempo e organização, mas agora eles estão se organizando na primeira divisão,
fazendo o estádio, etc. Uma coisa boa é que eles não deixam faltar nada para os
jogadores. Fazem de tudo e dão de tudo para trabalhar e ficar bem no país –
disse Fábio.
Torcida exibe bandeira com o símbolo do clube e foto de Puskás (Foto: Site Oficial do Puskás)
O curioso é que, apesar do nome em homenagem ao ídolo, a
Academia Puskás tem pouco a ver com o ex-atacante do Real Madrid. O legado para
o time, até o momento, é a simpatia de outros torcedores. Algo que a polêmica
em torno do novo estádio ameaça diminuir.
- Aqui é praticamente uma escola de futebol, com o objetivo
de formar jogadores. Nossa equipe é muito jovem, com poucos jogadores
experientes. Isso agrada aos torcedores dos times mais tradicionais daqui –
contou Fábio.