Há 24 anos, Brasil superava vaias e consagrava dupla Bebeto e Romário
Copa América de 89 foi último grande torneio da Seleção em casa. Relembre jejum encerrado e como começou uma das maiores parcerias brasileiras
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A história tem um final feliz, mas é recheada de percalços e obstáculos pelo caminho, como vaias, resultados ruins e até ovada em Renato Gaúcho. O título foi marcante, mas, certamente, o maior legado foi outro: ali, tinha início o entrosamento da dupla que, cinco anos mais tarde, daria o tetra à Seleção na Copa de 1994. Antes rivais que pouco se falavam, Bebeto e Romário encontraram em 1989 com a amarelinha um entrosamento dentro e fora de campo, que rendeu muitos frutos ao futebol brasileiro.
Como em 2013, o Brasil se preparava para receber uma competição entre seleções em 1989. Aliás, aquela Copa América foi o último torneio importante que a Seleção disputou em casa. Naquele ano, a CBF passava por mudanças. Ricardo Teixeira, então genro do presidente da Fifa, João Havelange, assumia o controle da entidade. Como primeira medida, anunciou Sebastião Lazaroni como novo técnico.
Lazaroni não era um medalhão, mas parecia uma boa aposta. Tricampeão carioca com Flamengo e Vasco entre 1986 e 1988, o treinador dava pinta de que seria o sopro de renovação que o futebol brasileiro buscava após seguidos insucessos em Mundiais.
Antes da disputa da Copa América, Lazaroni teria a chance de armar a equipe em uma excursão pela Europa. Seriam quatro jogos no Velho Continente para o treinador achar a equipe e ganhar moral. O tiro, porém, saiu pela culatra. O desempenho da Seleção foi desastroso: três derrotas para Suécia, Dinamarca e Suíça, e um empate sem gol com o Milan. A atuação na partida contra os dinamarqueses, em Copenhague, foi lamentável, e o Brasil foi goleado por 4 a 0. Nos quatro jogos, o time marcou apenas um gol.
- Aquela excursão foi desnecessária, um desastre. Ela não foi bem planejada, e não pude contar com todos os jogadores. A consequência foram os resultados em campo – recorda Sebastião Lazaroni.
Vaias e ovada na Bahia
O time voltou para o Brasil desacreditado e foi direto para Salvador disputar os três primeiros jogos da primeira fase da Copa América. Após a excursão, alguns atletas foram cortados. Entre eles, o atacante Charles Baiano, ídolo do Bahia. Foi o estopim para explodir a crise entre Seleção e torcida baiana.
- Na Bahia, teve todo aquele problema, foi uma confusão. Tem que estar todo mundo unido. É o Brasil. Independente de jogador, clube, tem que pensar na Seleção. Infelizmente, às vezes acontece o clubismo, como foi em 1989. Uma pena. Tendo a torcida do nosso lado, ninguém segura o Brasil. Lá fora, é difícil o pessoal vaiar. Temos de mudar nossa cultura. É um lance cultural. Só aplaudir na hora da vitória é fácil. Tem que aplaudir também nos momentos difíceis. Os caras tremem contra a amarelinha, ainda mais a torcida ao nosso lado – cobra Bebeto.
Sebastião Lazaroni tem outra visão para as vaias na Bahia.
- Isso tudo era político. Não quero entrar em detalhes, mas quem viveu aquela época sabe bem do que acontecia em torno da Seleção. Eram políticos, radialistas, todos jogando contra o Brasil – lembra o treinador.
- A Bahia é terra de índio não aculturado - reclamou Renato após a partida.
Bebeto e Romário se unem, e nasce uma dupla avassaladora
- Cada público tem o futebol que merece – disse Lazaroni após o jogo, cutucando a torcida baiana.
A reconciliação com a torcida, no entanto, não foi a única novidade na Seleção. Novamente titulares, Bebeto e Romário se destacaram e encantaram. Não foi a primeira vez que os dois jogaram juntos. A parceria começou nas Olimpíadas de 1988, em Seul. No entanto, o entrosamento dentro e, principalmente, fora de campo, estava longe do ideal. Bebeto era ídolo do Flamengo, enquanto Romário havia defendido o Vasco até 1988, antes de ser negociado com o PSV, da Holanda. A rivalidade era grande, e os dois praticamente não se falavam.
- Havia essa rivalidade, esses atritos, picuinhas. Os dois não se falavam no início. O clima não era legal. Aos poucos, deixaram isso de lado e formaram um belo ataque – recorda Lazaroni.
Tanto Bebeto quanto Romário confirmam a rivalidade, mas negam que tenham brigado fora de campo.
- Tínhamos uma rivalidade no âmbito profissional, no futebol. Foi a partir daquela Copa América que a gente começou a jogar mais junto. Começamos a nos conhecer melhor e o entrosamento partiu dali – revela o Baixinho.
Bebeto também admite a rivalidade e revela que foi Romário quem levantou a bandeira branca.
- Criaram isso, mas nunca briguei com o Romário. Nunca discutimos. Claro que a gente jogava contra. Os dois querendo ser o melhor. A rivalidade era natural. Nunca tivemos uma discussão. Durante a Copa América, ele me abraçou, brincou comigo e disse: “Temos que acabar com isso” - conta Bebeto.
A vitória por 2 a 0 não traduziu a superioridade brasileira. Bebeto iniciou o caminho para vitória, com aquele que ele considera o gol mais bonito de sua carreira. No início do segundo tempo, Silas cruzou da direita, Romário ajeitou, e o camisa 7 acertou um lindo voleio.
- Acho que foi o gol mais bonito da minha carreira. Aquele gol de voleio virou minha marca registrada. Fiz história naquele dia. Após o jogo troquei camisas com o Maradona, e ele me disse que nunca tinha visto um gol tão bonito – recorda orgulhosamente Bebeto.
Romário também deu seu show à parte. Foi dele o segundo gol, aproveitando bobeira da defesa e driblando o goleiro Pumpido. O Baixinho ainda protagonizou lances brilhantes contra a Argentina. Em um deles, aplicou dois chapéus na entrada da área, mas não conseguiu a finalização. Maradona também foi vítima e tomou uma caneta do camisa 11, que quase levou o Maracanã abaixo, tamanha a vibração da torcida carioca.
Para não dizer que Maradona só teve momentos ruins na Copa América de 1989, o argentino foi protagonista de um dos lances mais geniais do torneio. Contra o Uruguai, no Maracanã, ele arriscou um lindo chute do meio de campo. A bola encobriu o goleiro uruguaio e carimbou, caprichosamente, o travessão.
Brasil encerra jejum de 40 anos
Em 16 de julho de 1989, Brasil e Uruguai decidiram a Copa América no Maracanã. 132.743 torcedores acompanharam a decisão e viram o Brasil encerrar o jejum de 40 anos sem títulos da Copa América. Desta vez, coube a Romário decidir o jogo. Aos quatro minutos da etapa final, ele aproveitou cruzamento de Mazinho, se antecipou ao goleiro Zeoli e, de cabeça, fez o gol do título. Foi o terceiro gol do Baixinho no torneio. Bebeto foi o artilheiro, com seis bolas nas redes.
- Foi o único torneio que joguei com o apoio da torcida brasileira. Fui eleito o melhor jogador e artilheiro. Não tive a oportunidade que os jogadores de hoje terão, de jogar uma Copa do Mundo no meu país. Mas posso dizer que joguei a Copa América. E é impressionante a motivação. É um negocio muito forte – disse Bebeto.
* Fabrício Marques colaborou com a reportagem
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