'Não pise na escada': novos estádios criam modalidade de cartão amarelo
Construídos para casos de emergências, degraus estão servindo para levar jogadores à torcida nas comemorações de gol
Por Thiago de Lima
Rio de Janeiro
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"Não pise na escada". Não há placas com a mensagem no caminho que
separa os jogadores da torcida na comemoração de um gol nas novas arenas
do Brasil. Mas a proibição ao elo entre arquibancada e campo está num
papel longe dos seis estádios reformados para a Copa do Mundo e das
Confederações no país. A regra consta no ofício circular de número 17 da
Comissão de Arbitragem da CBF, enviado em maio a todos os clubes dos
campeonatos organizados pela entidade. A orientação passou a valer no
início do mês, e a sua violação criou uma outra modalidade de punição
para as competições nacionais: cartão amarelo para quem subir os
degraus.
Desde que a norma passou a vigorar, ela já foi infringida por três
jogadores: o rubro-negro Elias, no Flamengo 1 x 1 Botafogo, o alvirrubro
Derley, em Náutico 3 x 0 Internacional, e o cruzeirense Vinícius Araújo
por Cruzeiro 3 x 0 Náutico
(veja no vídeo acima). O
jogador celeste foi o único que escapou da punição do árbitro na
ocasião, pela 7ª rodada do Brasileirão. Na última segunda-feira, o
volante flamenguista reclamou publicamente do cartão que recebeu ao cair
nos braços do povo após marcar no último minuto o gol de empate do
clássico no Maracanã. Ele criticou o futebol nacional ao dizer que
"está ficando chato"
e usou como exemplo os campeonatos europeus, onde comemoração de
atletas com os torcedores é habitual nos estádios, especialmente na
Inglaterra. Mas na visão da comissão de arbitragem brasileira, o uso das
escadas é visto como uma ameaça à segurança.
- É uma questão de risco para o jogador e o torcedor. Pode desencadear
algum dano físico, algum acidente, é como se subisse num alambrado.
Claro que tem a parte emotiva, de conseguir um êxito maior, mas é
questão de precaução e prevenção e está na regra do jogo - explicou
Antônio Pereira da Silva, presidente da Comissão de Arbitragem da CBF.
Elias some no meio de jogadores e torcida durante a comemoração (Foto: Cezar Loureiro / Agência o Globo)
As escadas foram uma orientação da Fifa para servirem como rota de fuga
do público em caso de emergência. O seu uso para comemorações ganhou um
parágrafo dentro do item de número 12 do ofício de 17 páginas da CBF. O
documento classifica o acesso ao público como "conduta antidesportiva" e
compara a situação aos alambrados, que acumulam um histórico de
acidentes nos estádios do país
(relembre no vídeo ao lado a
queda do alambrado durante Palmeiras 1 x 1 Corinthians, em Presidente
Prudente, pelo Campeonato Paulista de 2009). Além disso, a
confederação brasileira responsabiliza os clubes por orientar os
jogadores a evitar ato de subir os degraus. Leonardo Gaciba, ex-árbitro
da Fifa e comentarista de arbitragem da TV Globo, acredita que os
consórcios que administram as novas arenas poderiam ajudar no isolamento
do local e diz que, pela regra, não só o autor do gol deve ser punido.
- Não é só para ele (autor do gol). Pela lei, era para punir todo mundo
que subisse. O raciocínio é o mesmo, subir dez toma dez cartões. Mas
dar dez cartões ninguém dá (risos). Na hora da emoção é difícil ficar
pensando, mas a lei é bem clara nisso. É uma providência que poderia ser
tomada pelos estádios, usar cordinhas, um segurança contendo...
Veto às escadas consta no item 12 do ofício da CA-CBF, na página quatro do documento (Foto: Reprodução)
Pelas Séries A e B do Brasileiro, os seis estádios já foram utilizados
em 16 jogos ao todo, e nesta rodada mais seis times voltam a campo nos
reformados palcos: Fluminense x Cruzeiro e Botafogo x Vitória no
Maracanã, além de Bahia x Flamengo na Fonte Nova. Apesar dos recentes
casos de infração à norma, o presidente da comissão de arbitragem não
teme que a comemoração junto à torcida vira um hábito nas novas arenas.
Mas pediu um esforço para conscientização dos jogadores ao invés de
tentar proteger as escadas com seguranças.
- Essas novas arenas têm esse aspecto, mas foram poucas (comemoração
com a torcida). Três, né? É preciso controlar e educar, ter uma
consciência coletiva. Não tem como mensurar que um agente vai ter o
alcance para evitar essa questão - observou.
Maracanã, a exceção à regra
Todos os seis estádios já prontos para a Copa do Mundo têm as escadas
que dão acesso ao campo. Mas o Maracanã tem um diferencial dos demais
que o fez virar uma exceção à regra da CBF. Enquanto nas outras arenas
as laterais dos gramados têm fossos ou arquibancadas mais altas, nas
laterais do palco carioca a torcida fica no mesmo nível dos jogadores.
Ali, degraus não são necessários e há apenas pequenos portões. Ou seja,
não é preciso subir para chegar ao público, e foi o que Fred e muitos
outros da Seleção fizeram na comemoração do primeiro gol da vitória por 3
a 0 sobre a Espanha, na final da Copa das Confederações
(reveja no vídeo ao lado).
Se na prática não tem diferença, na teoria há. Questionado sobre o
assunto, o presidente da comissão de arbitragem reconheceu que Fred não
poderia ser punido com cartão amarelo pela comemoração. O ofício enviado
aos clubes não previu essa possibilidade. Se não está escrito, os
juízes ficarão reféns quando os jogadores forem para junto do público
nas laterais do campo do Maracanã.
- Ele ali só se aproximou da mureta, não utilizou as escadas, não houve
questão de subir. São questões a calhar - admitiu Antônio Pereira da
Silva.
Maracanã
(topo) é o único estádio que tem a torcida no mesmo nível do gramado
nas laterais. Arena Pernambuco (esq.) e Mané Garrincha (dir.) contam com
escadas nos lados do campo. Mineirão, Castelão
e Fonte Nova, além dos degraus, possuem um fosso separando o palco da torcida (Foto: Editoria de Arte)
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