Brasil Afora: a outra final em Curitiba, com organizada, pressão e até tiro
Três dias depois da decisão da Copa do Brasil, várzea da capital paranaense ferve com outra final, em jogo com ex-atleta famoso, Rogério Ceni genérico e rivalidade
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Da Copa do Brasil? Que nada: do Campeonato Suburbano.
Talibans
no Trieste Stadium
gol, de pé (Foto: Alexandre Alliatti)
Parte delas, visitantes. Minutos antes de o jogo começar, dado o pouco número de torcedores do Santa Quitéria, um adepto do Trieste, nariz colado ao alambrado, falou ao amigo:
- Daqui a pouco chegam os talibans.
É o nome da torcida organizada do Santa Quitéria, outro gigante da várzea, fundado em 1974 como fusão de outros dois clubes amadores, o Vila Inah e o Ipê. De pé, atrás do gol, os torcedores visitantes espicharam uma faixa, xingaram o goleiro adversário e passaram a cantar músicas que torcidas de clubes profissionais brasileiros também cantam nos principais estádios do país: uma versão de “Anna Júlia”, do Los Hermanos, como faz a do Vasco; outra de “Meu sangue ferve por você”, de Sidney Magal, como faz a do Botafogo; além de ritmos oriundos de torcidas do Grêmio e do Atlético-PR.
E Jonas, o Rogério Ceni da várzea. O goleiro do Santa Quitéria jamais foi profissional. Firmou nome no amador. E começou a se destacar por bater faltas. Só no Campeonato Suburbano, já marcou oito vezes – além de várias outras em competições paralelas. Na final deste sábado, teve duas chances. Ambas quase entraram.
O
jogo
Antes de a partida começar, com os times ainda aquecendo, o locutor do estádio, de microfone em punho, destaca a presença do padre do bairro no estádio. E cita alguns restaurantes que apoiam o grande evento da tarde fria de sábado em Santa Felicidade. Os dois times ficam perfilados para o hino estadual. Os jogadores do Trieste seguram a bandeira do clube, com as mesmas cores da Itália. Jornalistas circulam pelo gramado. Rádios transmitem a partida ao vivo, e uma equipe de TV prepara reportagens. Há jornais específicos sobre o futebol da várzea.
O gramado não é bom, mas já houve piores mesmo na Série A do Brasileirão. A torcida do Trieste se concentra na parte central, a maioria sentada. Os visitantes ficam de pé atrás do gol. E comemoram primeiro. Djonatan faz 1 a 0 logo no começo da partida. O Trieste parece perdido. Demora a se encontrar em campo. Mas vai melhorando com o tempo e empata ainda na etapa inicial, com Danilo, um meia clássico, de passada lenta e lançamentos em profundidade.
Vem o segundo tempo, e aí o jogo esquenta. Cristiano, do Santa Quitéria, diz que levou uma cotovelada de Muriel, zagueiro do Trieste. A arbitragem nada marca. Os jogadores partem para cima do juiz, Lucas Torezin. Cristiano prefere pressionar o bandeira.
- Foi na tua frente! Ele botou a mão na minha cara! – reclama.
A dois metros dali, um torcedor de uns 60 anos, claramente de ascendência italiana (logo, torcedor do Trieste), resolve participar da conversa:
- Cala tua boca, ô, careca. Tá pensando o quê?
O careca, no caso, é Cristiano.
Segue o jogo, e o Trieste cresce. Pequi logo faz o segundo gol. E Marquinhos marca o terceiro, uma pancada em diagonal que explode no travessão e entra. A festa é dos mandantes. A irritação é dos visitantes.
- Eu não quero uma arbitragem que nos beneficie. Quero uma que seja igual para os dois lados. Teve aquela cotovelada. Ele não expulsou por quê? Só porque é do Trieste? – reclamou o técnico Luisinho, do Santa Quitéria, que minutos depois deixaria o estádio caminhando com o quadro-negro que usa nas preleções embaixo do braço.
Rivalidade,
confusão e até tiro
Fernando Miguel encerrou a carreira em dezembro, aos 34 anos. Na várzea, encontrou uma forma de amenizar as dores que o fim de um ciclo causa. O mesmo fizeram outros jogadores conhecidos no Paraná – caso do lateral-direito Luisinho Neto, do zagueiro Rogério Corrêa e até do meia Adriano Gabiru, autor do gol do título mundial do Inter, sete anos atrás, contra o Barcelona, que já passou pelo Combate Barreirinha e agora está no Nova Esperança.
É um momento de passagem que costuma apresentar uma nova realidade aos atletas. Fernando Miguel sentiu isso na pele. Tem dificuldades para dar continuidade às jogadas – as movimentações organizadas não fluem como nos profissionais. E tenta se acostumar a um novo clima, às vezes mais bélico. Justamente em jogo contra o Santa Quitéria, ele viu o ônibus do Trieste ser cercado e atingido com rojões.
- O término da carreira é um momento muito difícil. Eu procurei dar uma continuidade para manter um contato e ainda estou tentando me adaptar. Mas é uma experiência bastante diferente. Aqui é bem mais pegado. O pessoal chega junto. Sem contar a arbitragem. Se no profissional é complicado, imagina no amador. Fora de campo, tivemos uma experiência bastante desagradável. Estávamos chegando no estádio, e a torcida deles soltou rojões dentro do nosso ônibus. Nosso goleiro deu uma bobeada e foi derrubado no chão. Deram umas bicudas nele. Foi uma situação bem desagradável. É uma experiência nova – diz o volante.
O primeiro jogo da final ocorreu sem maiores problemas até o apito final. Depois, porém, houve confusão entre torcedores do Santa Quitéria e a polícia. Uma mulher foi atingida na perna por um tiro de borracha. Acabou levada ao hospital, de onde os policiais pretendiam encaminhá-la para a delegacia, acusada de desacato.
O Santa Quitéria não poderá mandar em seu estádio, o Maurício Fruet, o segundo jogo da final do Campeonato Suburbano. O clube foi punido com a perda de um mando de campo por causa do arremesso de uma lata no gramado. O jogo está marcado para o estádio do Novo Mundo, mas a diretoria tenta mudar a decisão do TJD paranaense.
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