Os causos de Lolô: jogador mudou escudo do Atlético por causa do Fla
Campeão em 45 redesenhou símbolo porque o achava parecido com o do Flamengo. Rebeldia rubro-negra o livrou da prisão três vezes, e ele projetou estádio para o rival
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Ex-jogador de futebol e basquete, ex-corredor, ex-pintor, ex-brigão, engenheiro e arquiteto de renome, Lolô é uma daquelas personagens raras, que sempre embute um “mas” em suas histórias para deixá-las mais inusitadas. E que agora vê, pela televisão, seu primeiro time decidir com seu segundo time o título da Copa do Brasil – enquanto volta no tempo e se imagina ali, disputando um jogo desse tamanho. Afinal:
- Eu fazia de tudo em campo. Não deixava ninguém vencer. E daria tudo para ter aquele tempo de volta, para começar tudo de novo.
É um tempo distante, que remete aos anos 40. Foi lá que Ayrton Cornelsen se formou como homem e atleta multifacetado. Foi lá que conheceu Cleuza, a mulher com quem divide suas peripécias há quase 70 anos. E foi lá que decidiu abandonar o Coritiba e virar Atlético-PR, contrariando a tradição da família, em uma história de socos e risadas – mais uma contraposição tão típica dele.
A surra no major Couto Pereira
Havia três irmãos: Alcyr, Aryon e Ayrton, o Lolô, todos atletas do Coritiba. O trio jogava, e chamava a atenção, no time aspirante coxa-branca. Mas houve um desentendimento, e dois deles saíram – Aryon, que mais tarde presidiria o clube alviverde, e Lolô. Eles foram para o Juventus, outro clube forte nos anos 40, e depois Lolô rumou para o Atlético-PR.
Era noite de baile no Coritiba no início da década. O clube inaugurava uma nova sede, e o evento mexeu com a cidade. A noiva de Aryon estava lá, e ele, claro, quis encontrá-la. Lolô, estudando, preferiu ficar em casa. Ao chegar ao clube, porém, o ex-atleta do Coxa foi impedido de entrar. Na porta, estava o major Couto Pereira, presidente do clube repetidas vezes e homem cujo nome viraria estádio anos depois.
- Jogador do Juventus não entra aqui – disse Couto Pereira.
posteriormente (Foto: Arquivo)
- Dei uma surra nele. Enchi de porrada. Fiquei louco. E acabei preso – conta Lolô, cujo apelido inicial era "Loloco", graças a suas loucuras.
O ex-jogador passou uma noite atrás das grades. Só não ficou mais porque o delegado era atleticano.
- O delegado era o Pinheiro Júnior, um atleticano roxo. Telefonaram e disseram que eu estava preso, daí ele foi lá me tirar. Mas passei a noite lá. Por causa disso, não quis mais saber do Coritiba.
A briga consolidou a distância de Lolô com o Coritiba e sua proximidade com o Atlético. E isso faria com que o escudo do Furacão (que na época sequer tinha esse apelido) nunca mais fosse o mesmo.
O novo símbolo
Lolô Cornelsen foi tricampeão com o Atlético-PR – amador em 43 e 44 e com o time principal em 45. Era lateral-esquerdo do tipo combativo. E brigão. Era comum abandonar gramados, desafiar adversários, se meter em confusões. Chegou a ser suspenso por um mês. Mas ganhou a posteridade mais por seu talento manual do que por seus feitos com chuteiras – apesar do grande título de 45.
É que Lolô já tinha traços da habilidade que marcaria sua vida de engenheiro e arquiteto de renome mundial. Ele olhava desconfiado para o escudo que enfeitava a camisa que vestia no Atlético-PR. Achava que era muito careta. E pior: parecidíssimo com o do Flamengo. Resolveu mexer nele. Em vez de triangular, com listras horizontais e um CAP (de Clube Atlético Paranaense) no lado superior, desenhou letras mais estilizadas, mais grossas, e manteve o entrelaçar delas. Gostou. Todos gostaram. Nascia ali a base do escudo que é usado até hoje. Mas tem um detalhe nessa história.
Naqueles tempos, Lolô já tinha simpatia também pelo Flamengo – carinho que aumentaria na década seguinte, quando foi morar no Rio de Janeiro. Aí ele deixou uma pequena homenagem ao clube carioca. A forma como as letras se abraçam remete justamente ao escudo do Fla. E ele fez questão de manter isso.
Inicialmente, o símbolo era cru, apenas com o CAP estilizado, sem o círculo, o contorno, as listras e os dizeres que tem hoje – foi sendo modificado ao longo do tempo. Era o próprio Lolô quem bordava o distintivo nas camisas. Em fotos de equipes da primeira metade dos anos 40, é possível ver os jogadores de linha com o símbolo novo, mas o goleiro com o antigo, em um registro da passagem de um escudo para outro. O curioso é que a imprensa da época costumava mostrar as letras com um desenho diferente, mais quadrado, porque a tipografia daqueles tempos não permitia a cópia do estilo barroco do CAP bordado nas camisas.
Salvo pelo Atlético, mas estádio para o Coritiba
O futebol não era a vida de Lolô quando jovem. Ele era um atleta múltiplo, e sua preferência era pelo basquete. Mas também jogava vôlei e praticava atletismo – 110m com barreiras, principalmente. Em casa, tem uma coleção de medalhas daquela época, boa parte delas conquistada pelo Atlético. Eram outros tempos. O futebol não era exatamente uma carreira. E os atletas acabavam migrando para profissões mais tradicionais.
Foi o caso de Lolô, que mergulhou na engenharia. Para se graduar, porém, houve um empecilho. Um empecilho coxa-branca. E nova briga. E nova escapada por ser rubro-negro.
- Era o quinto ano de Engenharia. Na última prova, de organização de indústrias, que não tem nada a ver com o curso, o diretor da escola, que era coxa-branca e não me suportava por eu ser do Atlético, aplicou um exame oral. Ele me perguntou um troço de partículas dobradas. Eu me enrolei todo e pedi pra ele mudar. Aí ele fez outra pergunta com a mesma coisa. E disse: “Você não está em condições de ser engenheiro”. E me deu zero. Peguei e dei uma surra nele na aula mesmo. Para não ser expulso, o reitor me mandou ir embora de lá o quanto antes para eu não ser preso. Ele era atleticano...
Não tinha como Lolô voltar para o curso em Curitiba. Acabou dando no pé. Foi para o Rio de Janeiro, onde se formou em engenharia e aproveitou para, com mais algumas disciplinas, também conquistar o diploma de arquiteto. Virou uma referência internacional na área. E ganhou fama especialmente com projetos ligados ao esporte: estádios e autódromos. Incluindo a casa do Coritiba, que depois seria batizada de... Couto Pereira, o sujeito em quem ele batera anos antes.
Explica-se: aquele irmão de Lolô proibido de entrar na festa por Couto Pereira, Aryon Cornelsen, virou presidente do Coritiba. E resolveu reformar o estádio Belfort Duarte – que só mudaria de nome em 1977. Para isso, chamou Lolô. O arquiteto e engenheiro elaborou um plano revolucionário: um estádio que tivesse acoplado um shopping e cuja distribuição de arquibancadas e cobertura acompanhasse a presença habitual do público: maior na parte central e diminuindo até chegar ao fim do campo, como a torcida costuma se posicionar nos jogos. Isso foi em 1956. A ideia de centros comerciais em estádios é vista hoje como algo a ser explorado. Mas aquele projeto praticamente não foi usado. Mudou a diretoria, e o novo estádio ficou a cargo dos irmãos Mauad.
- Meu irmão não chegou a terminar o estádio, e aí engataram aquele troço. Ficou horroroso. Cabe menos gente, e não fizeram o shopping – critica Lolô.
Ele acabou participando dos projetos de outros estádios, entre eles o Pinheirão, em Curitiba, e o de Paranavaí. Internacionalmente, ficou famoso pela construção do autódromo de Estoril, em Portugal, e de Luanda, em Angola – onde inventou, involuntariamente, a caixa de brita, já que o governo o pressionou a liberar a pista às pressas, e ele precisou criar um recurso que desse segurança aos pilotos. Fez também o autódromo de Curitiba. Elaborou dezenas de hotéis. Boa parte de sua trajetória foi em Portugal e na África.
E porque ele não podia ficar no Brasil. Era comunista. Quando explodiu o golpe militar, em 1964, teve que deixar o país. Foi avisado por um coronel de que os ditadores estavam de olho nele. O coronel simpatizava com ele. Era atleticano...
Atlético-PR: contribuição, carinho e mágoa
A proposta feita ao Coritiba era uma parceria que, em tese, seria boa para os dois lados. Os 50 mil primeiros títulos patrimoniais seriam da família (de Aryon, na prática), e em troca o Coxa ganharia o terreno, a estrutura e os sócios. Não houve acerto. E o plano, graças à presença e à pressão de Lolô, foi repassado ao Atlético-PR. Aí ocorreu o acerto. Mas a área ficou subaproveitada durante anos.
Até que Mário Celso Petraglia, em 1996, conseguiu um acordo com o governo do Estado. E aí fez dinheiro – muito usado para construir a base que o clube tem hoje, a Arena da Baixada e o CT do Caju. Os resultados mais expressivos em campo aconteceram depois de toda essa movimentação.
- O clube pegou aquele patrimônio, com 5 mil sócios, e virou tudo que o Atlético tem hoje, porque vendeu aquilo pro estado. Com o dinheiro, fez o CT do Caju – diz Lolô.
Seria natural que o braço rubro-negro da família Cornelsen, até por ter um conhecimento mundialmente raro no assunto, fosse chamado para participar do projeto de construção da Arena. Não aconteceu. E essa é uma mágoa que Lolô carrega até hoje.
- Nem me convidaram para analisar o projeto. Eu fui jogador, sei tudo sobre um estádio, o que é bom e o que não é...
Mas isso não abafa o carinho que ele tem pelo Atlético. Na última quarta-feira, assistiu com familiares, pela televisão, à final da Copa do Brasil. Guarda com carinho as faixas das conquistas pelo clube. E tem três cadeiras na Arena da Baixada. Os números delas: 43, 44 e 45 – os anos em que foi campeão com a camisa rubro-negra.
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