quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Lembra Dele? Dono de 12 títulos na Stock Car, Ingo Hoffmann faz 60 anos

Maior vencedor da principal categoria do automobilismo brasileiro, ex-piloto relembra época dos Opalões e fala de sua relação com Interlagos

Por Alexander Grünwald São Paulo
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A história da Stock Car e a carreira vitoriosa de Ingo Hoffmann praticamente se confundem. Não é à toa. Entre 1979, quando a categoria organizou seu primeiro campeonato, e 2008, quando o “alemão” se aposentou das pistas, foram disputadas mais de 300 corridas. Ingo esteve presente em todas, menos na primeira. Nestes 30 anos, venceu 76 vezes e conquistou 12 títulos - trajetória que teve início muitos anos antes, quando ele, ainda garoto, pulava a cerca de Interlagos para assistir às corridas da época. O mesmo Interlagos que marcou sua estreia no automobilismo em um Fusca, aos 19 anos, e que quase o viu marcar um ponto guiando o Fórmula 1 brasileiro da Copersucar apenas cinco anos depois. Neste cenário, onde também se despediu das pistas, Ingo Hoffmann conversou com o GLOBOESPORTE.COM. Uma entrevista na qual o ex-piloto, que nesta quinta-feira completa 60 anos de idade, abriu o coração ao falar do circuito.
- Não tenho noção de quantas vezes eu pisei neste autódromo, mas vindo para cá, no trânsito, comecei a pensar na relação que eu tenho com ele. Eu frequento isso aqui desde os meus dez, 12 anos de idade, tenho paixão por essa pista. Mas isso é só de mim para o autódromo, não o contrário, infelizmente. Cheguei na portaria, não sabiam quem eu era. Não guardam a história, não tem a reciprocidade. Mas eu tenho uma ligação muito grande, emocional até, em razão de ter sido aqui que eu fiz a minha primeira corrida, em 1972, por ter sido aqui que eu me aventurei como “rato de box” pulando a cerca para ver corrida... Conheço isso aqui como a palma da mão – analisa Ingo.
Ingo Hoffmann, 12 vezes campeão da Stock Car, correu na categoria de 1979 a 2008 (Foto: Duda Bairros/ Stock Car)Ingo Hoffmann completa 60 anos: ele é 12 vezes campeão da Stock Car (Foto: Duda Bairros/ Stock Car)
Com uma relação tão intensa, é até covardia pedir ao ex-piloto que eleja, na semana em que completa 60 anos, qual foi o momento mais especial que viveu na pista mais tradicional do país – inaugurada em 1940, ainda sem asfalto e com um traçado de mais de 8km. Apesar da idade avançada, atualmente Interlagos é um dos autódromos mais modernos do mundo, com um asfalto impecável sobre o traçado de 4,3km que foi implantado após a reforma de 1990, quando o GP do Brasil de F-1 voltou à capital paulista. Etapas que Ingo viu bem de perto, quase sempre em alta velocidade.
- Realmente são muitos momentos. Mas, de bate-pronto, um que me vem à cabeça foi em 1973, quando eu ganhei meu primeiro campeonato brasileiro de turismo, na categoria Divisão 3. Foi bem no início da minha carreira, quando eu estava meio que me localizando no esporte, e estava minha família toda aqui, meu pai, minha mãe, meus irmãos... E pegando essa linha, outro momento que lembro foi justamente minha despedida, em 2008. Fiz minha última corrida profissional aqui em Interlagos, na Stock Car, onde eu terminei na terceira colocação. Ou seja, saí da categoria no pódio, o que foi extremamente gratificante – relata o ex-piloto, lembrando também que na véspera de sua última prova lhe foi prestada uma homenagem nos boxes, na qual ganhou de presente um exemplar restaurado de um dos Opalas que guiou na Stock Car na década de 1980.
A estreia de Ingo Hoffmann no automobilismo foi em 1972, correndo com o Fusca 22 em Interlagos (Foto: Acervo pessoal)Estreia de Ingo no automobilismo foi em 1972, com o Fusca 22 em Interlagos (Foto: Acervo pessoal)
O começo
Ingo Hoffmann conquistou seu primeiro título brasileiro em 1973, com um Fusca preparado na categoria Divisão 3, já usando o clássico 17 (Foto: Acervo pessoal)Ingo conquistou seu primeiro título brasileiro em 73,
com um fusca  (Foto: Acervo pessoal)
Não por acaso, a carreira de Ingo Otto Hoffmann começou na mesma pista que provocou nele o desejo de se tornar piloto. E tudo se deu muito rapidamente. Em 1972, estreou nas competições com um Fusca original, passando no ano seguinte para um modelo com motor preparado e pneus slick. Com ele, veio o primeiro título e também a identificação que levou por toda a carreira: o número 17. Em 1974, passou a competir com uma Brasília, com a qual ganhou mais corridas, antes de enveredar pelos monopostos, na Fórmula SuperVê.
Em 1976, veio a grande chance de sua vida até aquele momento: estrear na Fórmula 1, disputando o GP do Brasil – em Interlagos, claro – com o segundo carro da Copersucar, equipe que tinha Emerson Fittipaldi como piloto e proprietário. Ingo chegou em 11º e ganhou nova chance de participar da prova no ano seguinte, quando esteve muito perto de marcar um ponto. Na época, a F-1 premiava apenas os seis primeiros colocados. Era apenas a terceira corrida de Ingo Hoffmann na categoria, diante de um público caloroso.
- Eu estava na sexta colocação, marcando um ponto, quando o pneu traseiro esquerdo teve um microfuro e foi perdendo ar. Então, nas curvas para o lado direito, o carro ficava muito instável e eu tive que diminuir o ritmo. Faltando duas voltas para o final, outro piloto me ultrapassou e chegou em sexto, e eu terminei na sétima colocação. Tudo foi muito rápido para mim. Estreei no automobilismo em 1972, correndo com um Fusquinha 1500 cc standard, e em 1976 eu estava correndo de Fórmula 1 aqui. Nos dias de hoje isso é inviável. Naquela época o Emerson ainda estava ganhando os campeonatos, era aquela febre toda. Quando eu estava parado no grid, vi a torcida, a arquibancada cheia, foi emocionante – relata o veterano.
Ingo Hoffmann correu três GPs de Fórmula 1 pela Copersucar Fittipaldi (Foto: Reprodução)Ingo Hoffmann correu três GPs de F-1 pela Copersucar Fittipaldi, dois em Interlagos (Foto: Reprodução)
Ingo confessa que, ao retornar de sua experiência no automobilismo internacional, no fim de 1978, queria continuar correndo nos monopostos. Mas as tentativas de fechar um esquema competitivo não deram certo, e ele acabou cedendo ao apelo de um amigo publicitário, que o convenceu a participar de uma categoria que estava sendo criada, a Stock Car. Utilizando os potentes e pesados modelos Opala (praticamente sem qualquer adaptação para as duras exigências das pistas), a categoria não contou com o jovem piloto em sua primeira prova, em Tarumã, por não haver tempo hábil de disponibilizar um carro para ele. Uma semana depois, no entanto, lá estava ele em Guaporé, acelerando entre alguns dos melhores pilotos brasileiros da época.
Para Ingo, o ritual de alinhar no grid da Stock se repetiu em todas as provas que a categoria realizou até o fim de 2008. Foram 332 corridas disputadas, nas quais conquistou 76 vitórias. Um desempenho que rendeu ao competidor o recorde de 12 títulos brasileiros, marca que alcançou ao fim de sua 24ª temporada. O primeiro campeonato que faturou foi em 1980. Depois repetiu a dose em 1985, 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1996, 1997, 1998 e 2002. Um retrospecto respeitável para quem não tinha planos de entrar na categoria. E para quem, mesmo depois de tantos recordes, prefere o caminho da modéstia para justificar tamanho domínio.
A temporada 1979 foi a primeira da Stock Car e também marcou a estreia de Ingo Hoffmann na categoria (Foto: Acervo pessoal)A temporada 1979 foi a primeira da Stock e marcou a estreia de Ingo na categoria (Foto: Acervo pessoal)
- Houve épocas em que tive mais de 50% de vitórias em relação a campeonatos realizados. Isso porque sempre tive equipes muito boas me acompanhando, pois um piloto sozinho não faz milagre. E outro fato importante é que, desses 12 títulos que ganhei, alguns foram em épocas em que a categoria era muito fraca. Nestes 30 anos em que participei, ela teve muitos tempos de alta, com preliminares, mais de 50 inscritos, e tempos de baixa, com sete ou oito carros participando. Sem menosprezar ninguém, ganhei alguns campeonatos em épocas em que a categoria não chegava nem perto da competitividade que tem hoje – explica seu maior campeão.
Décadas de histórias e conquistas nas pistas
As muitas mudanças nos carros servem como uma espécie de linha do tempo na galeria de conquistas do ex-piloto. Mas, da mesma forma que elogia a evolução técnica, Ingo Hoffmann não deixa de criticar o aumento excessivo dos custos e a limitação no número de treinos. Uma realidade bem diferente daquela que ele encontrou em 1979, quando aprendeu rapidamente a domar os Opalões, que foram usados até 1993. Depois veio o Ômega, também um modelo de rua adaptado, antes do primeiro chassi tubular, que entrou em vigor em 2000 e correu até ser substituído por uma nova geração, com mais recursos tecnológicos, em 2009. Este é o carro que é usado nos dias de hoje.
Ingo Hoffmann largou na pole na prova que abriu a temporada 2008 da Stock Car, a última dele na categoria (Foto: Stock Car)Ingo largou na pole na prova que abriu a temporada 2008, a última dele na Stock Car (Foto: Stock Car)
- Não dá para comparar nada, são pilotagens totalmente diferentes, mas isso faz parte da evolução. Naquela época, o Opalão tinha freio a tambor na traseira, os amortecedores acabavam depois de três ou quatro voltas, e às vezes a gente tinha que puxar o freio de mão, porque o carro mudava drasticamente o comportamento durante a prova. Hoje, em nível de pilotos, a Stock está excepcionalmente bem representada. Nem vou começar a citar nomes, porque há muitos, muitos pilotos de primeiríssima linha. A categoria está competitiva, mas por outro lado é muito engessada. Não vejo como novos pilotos podem aparecer no nível dos “top drivers” se não podem treinar. E o maior problema é o custo financeiro, que está muito alto. Sempre brinco com meus amigos, dizendo que eu parei na hora certa – frisa Hoffmann.
Perguntado sobre quem é o Ingo Hoffmann de hoje em dia, o veterano da Stock Car não tem dúvidas em apontar um pentacampeão como seu legítimo sucessor. Não apenas pelo estilo de pilotagem, mas também pela língua afiada na hora de emitir suas opiniões.
Na corrida em que conquistou seu primeiro título, em 2006, Cacá Bueno reverenciou o vencedor, Ingo Hoffmann (Foto: Duda Bairros/ Stock Car)Na corrida em que conquistou seu primeiro título, em 2006, Cacá Bueno reverenciou Ingo Hoffmann, que foi o vencedor daquela prova. Juntos, eles detêm metade dos títulos da categoria (Foto: Duda Bairros/ Stock Car)
- O Cacá Bueno, com certeza. Ele é um cara especial, faz uma grande diferença. Já tem cinco títulos e, se bobear, ainda ganha mais alguns e pode me passar.
Mas Cacá não é o único que empolga o multicampeão. Amigo de longa data da família Barrichello, Ingo diz que a chegada de Rubinho é “algo que só tem a agregar para a categoria” e expressa sua felicidade em ver o competidor de 40 anos optar pela Stock Car, trazendo para as pistas brasileiras sua experiência de 19 temporadas e 326 GPs na Fórmula 1. Nas três provas que disputou em 2012, Rubens Barrichello usou o número 17 em seu carro, como forma de homenagem ao ídolo. Em 2008, quando estava na F-1, o piloto competiu no GP do Brasil usando um capacete com a mesma pintura do “casco” de Ingo.
Ingo Hoffmann e Rubens Barrichello em 2008, quando o recordista de GPs na Fórmula 1 usou um capacete igual ao do 12 vezes campeão da Stock Car (Foto: Divulgação)Com Rubens Barrichello em 2008: relação de amizade e admiração (Foto: Carsten Horst/  Divulgação)
Ao contrário dos contemporâneos Chico Serra, Paulão Gomes e Zeca Giaffone, Ingo Hoffmann não tem filhos pilotos. Desde que deixou as pistas, ele cuida de seu instituto, que fica em Campinas e oferece moradia, alimentação, entretenimento e ajuda psicológica a crianças portadoras de câncer, e se dedica a seus familiares. A saudade do acelerador não é problema, já que ele é instrutor de uma montadora e ministra cursos de pilotagem. Há quase cinco anos sem disputar corridas na principal categoria do automobilismo nacional, o “alemão” – apelido que ganhou ainda no início da carreira – não perde a paixão pela velocidade. Desde que seja sem qualquer compromisso com resultados.
- Sou mil por cento realizado, não tenho a mínima vontade de competir. Eu até piloto para uma montadora, participando de testes com novos pilotos, e é isso que me dá prazer: pilotar. Em competição, fiz tudo o que eu tinha que fazer, estou fora. Graças a Deus, sou um sujeito realizado – enfatiza.

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