Ícone de geração multicampeã, Giba se aposenta do vôlei: "Bem resolvido"
Aos 37 anos, ponteiro encerra ciclo como atleta e só joga de brincadeira na praia
Por Danielle RochaRio de Janeiro
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Os
passos até a
quadra são feitos lentamente.
Giba não carrega na
bolsa mais o
velho
material, mas sim as três medalhas olímpicas. Não tem ciúme. Permite
que quem se interessa por elas possam segurá-las. Diz que não são dele,
"são nossas". No lugar do uniforme, calça, camisa social e sapatos. O
ponteiro de tantos títulos, que marcou uma geração vitoriosa do vôlei
brasileiro, estava pronto para ser chamado de ex-jogador. Nesta
sexta-feira,
Giba colocou um
ponto final em sua carreira de atleta. Aos 37 anos, quer começar uma
nova história. E mesmo que as palavras dissessem que estava tranquilo,
os olhos teimavam em mostrar que aquele momento era difícil. Durante a
entrevista, se emocionou várias vezes.
O primeiro ensaio de aposentadoria foi no
ano passado. Não espontâneo,
mas forçado. Depois de se despedir da seleção nas Olimpíadas de Londres,
Giba fez as malas e foi defender o Bolívar, da Argentina. A ideia era
jogar mais uma temporada e parar de vez. Mas a passagem por lá não saiu
da maneira que imaginava. Sem receber salários durante sete meses e
passando pelo
processo de divórcio, não disputou as semifinais da Liga e
voltou ao Brasil. Acreditava que se recolocaria rapidamente no mercado.
Poucas propostas boas apareceram. Até que o Taubaté entrou em cena e o
fez recuperar o fôlego. Queria se divertir e dar uma resposta: mostrar
que continuava sendo o Giba. A permanência foi breve. O convite para
atuar 12 meses como jogador e mais cinco anos como consultor do Al Nasr
de Dubai, nos Emirados Árabes, o levou a rescindir o contrato com a
equipe paulista. Após três meses de experiência, o contrato foi rompido.
Giba quer iniciar uma nova fase tão vitoriosa quanto a que teve nas quadras (Foto: Danielle Rocha)
- Acabei supertranquilo. Ali (em Taubaté) já tinha
resolvido
parar. Aí
veio a proposta de Dubai. Resolvi jogar mais um ano. Condição física eu
tinha, estava saltando bem de novo e com bom aproveitamento no ataque.
Fiz 11 jogos lá, mas a cultura era diferente e
não deu certo. Hoje acho que o que tinha que fazer eu fiz. É melhor
você parar do que pararem você. Não sinto falta de nada. Nada
mesmo. Acabei bem resolvido, feliz com que fiz. Uma hora tem que
acabar... É complicado (se emociona). Não tem como descrever o que está
passando
dentro de mim. Só quero agradecer às pessoas que me ajudaram, que
estiveram ou estão ao meu lado. E que me desculpem alguma coisa que eu
tenha
errado. A sensação é
de dever cumprido. De saber que dei o meu máximo em todos os momentos.
Fui um jogador bom, não me considero o melhor. Um jogador que fez parte
de uma geração
maravilhosa. Vai ser difícil um outro time bater o que a gente fez em 12
anos. O conjunto fez o melhor time. Eu fui uma peça dentro da
engrenagem - disse o campeão olímpico em 2004 e mundial em 2002, 2006 e
2010.
Giba se emocionou várias vezes durante o anúncio da despedida (Foto: Danielle Rocha)
Giba garante que faria tudo igual. De erros a acertos. Aprendeu com todos e pôde corrigir rumos. Um deles foi voltar a
falar com
o levantador Ricardinho, com quem dividiu quarto por 11 anos nos tempos
de seleção. Foram cinco anos afastados até a reaproximação. Juntos
novamente, conquistaram a
medalha de prata nos Jogos de Londres 2012. Desde então, aprendeu a acompanhar a equipe nacional apenas como espectador.
Vez
ou outra, volta a dar suas cortadas numa rede na Praia do Pepê. Joga
com anônimos e se diverte com suas reações ao vê-lo ali, dividindo a
quadra com eles.
- Agora
jogo
só na "rataria", sem regras. Outro dia fui com meu sogro à praia, e ele
foi lá na rede perguntar se podia jogar. E aí o chamaram, e ele disse
que tinha mais um. Levantei e fui até lá. O pessoal olhou e falou: "Você
está de sacanagem, né?" É engraçado ver essa
resposta do público
de diferentes idades. Teve uma vez que um senhor me abordou, e eu fui
me levantar para falar com ele. Eu disse que era um prazer conhecê-lo, e
ele me falou que eu já era íntimo dele: "Sabe quantas vezes você entrou
na minha casa de madrugada?" (risos) Eu me sinto lisonjeado por ter
recebido isso da vida.
Confira abaixo o restante da entrevista:
Giba com seus companheiros de seleção no pódio de Atenas 2004 (Foto: Agência O globo)
Do que você vai sentir saudade?Das
pessoas, dos amigos que fiz, das línguas que aprendi, dos lugares que
conheci. Não é qualquer um que vai 16 vezes ao Japão. Nós criamos uma
família na seleção. Peguei as filhas do Ricardinho no colo e agora a
mais velha já tem 16 anos. Ricardo, desculpa se ficou alguma mágoa.
Espero que a gente continue essa amizade. Eu e Serginho íamos parar com a
seleção depois de Pequim. Mas o Bernardo pediu para que fizéssemos um
esforço para poder ajudar a preparar a nova geração. Aceitamos o desafio
e ficamos até
Londres. Mas agora eu preciso estudar, pensar no que fazer. Estou
próximo dos 40. É uma nova fase.
Giba e suas três medalhas olímpicas
(Foto: Danielle Rocha)
Trabalhar com gestão esportiva segue nos seus planos? Acho
interessante. Tenho experiência dentro de quadra, mas posso fazer a
quadra melhor agora do lado de fora. Estou voltando a estudar, fazendo
os cursos do Comitê Olímpico Brasileiro. Tenho projetos, dou palestras.
Não pensa em ser técnico? Não
quero. Mas nunca diga nunca... Acho que aí estaria voltando a fazer o
que sempre fiz. Vai acabar sendo a mesma coisa. E eu quero
novas experiências.
Se você não estimula o cérebro, fica burro. E quando a gente é atleta
não pensa em nada. As pessoas te falam a hora de acordar, de dormir, que
roupa vestir. A geração da gente foi muito legal. Nalbert, Gustavo,
André Heller... A gente levava livros para as viagens e trocava. Queria
conhecer coisas novas.
Você continua sendo uma
referência muito forte na atual seleção. Sempre acaba sendo citado por
um ex-companheiro ou pelo Bernardinho. Esperava por isso?Nunca
conquistei prêmios individuais porque queria ganhar. O importante
sempre foi a medalha. Sei que influenciei, que fui um espelho para muita
gente. Não só no vôlei. Conheci um menino em Recife e entreguei uma
bola para ele. Aí ele perguntou o meu nome. Eu disse que era Giba. Ele
perguntou de novo o nome de verdade. Eu falei que era Gilberto. Ele me
falou assim: "Eu também sou Gilberto, tenho o mesmo problema que você
teve (leucemia), vou me curar e te achar para contar. Dois anos depois,
ele fez 2.000km para falar comigo em Brasília. Quando o vi descendo a
escada com a mãe não consegui treinar. Lembro que ele falou: "Não disse
que ia me curar?" Teve também uma menina que me abraçou num aeroporto e
disse que a avó e a mãe tinham morrido e que ela se apegou a mim para
não se matar. Sei que ajudei muita gente a se superar, como eu também
fiz na minha vida.
Giba e Bruninho no pódio das Olimpíadas de Londres (Foto: Agência Reuters)
Bruninho diz que a final olímpica de Londres segue viva na lembrança dele até hoje. Você também relembra aquele momento? A
única vez que chorei no pódio foi lá. Mas não era porque tínhamos
perdido a medalha de ouro, e sim pelos 20 anos que tinha passado
defendendo a seleção e ver que aquilo tinha acabado ali. Claro que
perder do jeito que perdemos também foi ruim. Mas para mim foi aquela
sensação: " E agora?" Acabou tudo". Ele (Bruninho) não. Ele tem mais
três Olimpíadas e tempo para chorar só que pela conquista de novos
ouros.
Você acredita que o Brasil tem chances de conquistar o tetracampeonato mundial na Polônia? Quando
estavam disputando a Liga Mundial, e as coisas não estavam saindo do
jeito esperado e todo mundo estava criticando eu falei: "Esperem porque
eles vão chegar de novo". E foram para a fase final e ficaram com a
prata. Estou confiante e acho que vão chegar ao Mundial com muitas
chances. A Rússia perdeu o líbero e o oposto. Acho também que nos Jogos
eles vão bem. A renovação é natural, e o Bernardo teve essa capacidade
de vislumbrar o futuro, levando Sidão, Bruninho, Eder e Murilo para ir
treinar com a gente e ganhar experiência. Estamos há quatro ciclos
olímpicos no pódio. Confio muito nesse grupo.
Seus filhos jogam vôlei? Não
(risos). Ela faz atletismo, ele gosta de judô. Para Nicoll, o vôlei foi
o que tirou o pai dela de casa. Diz que não quer por isso. Ela tem 10
anos e é ciumenta. Vai ao shopping e fala que hoje o pai é dela, que
ninguém vai parar para tirar foto comigo. Patrick é moleque. Está com 6
anos e gosta de futebol e judô. Os dois praticam muito esporte.
Giba durante as Olimpíadas de Londres (Foto: Getty Images)
O que foi mais sofrido durante toda a carreira? Nicoll
e Patrick são os meus tesouros. Quando eles nasceram foi bem difícil.
Eu viajava muito. Lembro que estava na Coreia, e ela não queria falar
comigo pelo computador porque eu estava há 25 dias fora de casa. Ela
então olhou para tela e disse: "Oi, papai. Não me obrigue mais a falar
com você pelo computador porque eu sinto saudade." (chora) Doeu não ver
essa parte do crescimento dela. Patrick também é maravilhoso e
reclamava, pedia que eu não viajasse de novo. Ela nasceu quando eu
estava nas Olimpíadas de Atenas. E ele, depois das de Pequim. Nicoll
sempre brinca: A minha medalha é de ouro, a sua é de prata".
Giba durante ensaio para o quadro Dança dos Famosos (Foto: Instagram)
O espírito competitivo do ex-atleta vai estar na Dança dos Famosos?Não
gosto de perder nem em par ou ímpar (risos). Os outros participantes
são fortes, mas estou me esforçando. Não sabia dançar, não. Estamos
ensaiando duas horas por dia e chego em casa cheio de dores. Vamos ver a
partir de domingo como vai ser (risos). Acho que fui bem. Camila, a
bailarina que é minha professora, é muito boa e já deu para aprender
bastante.
principais títulos da carreira
3 medalhas olímpicas (ouro em Atenas 2004, prata em Pequim 2008 e Londres 2012)
3 ouros em Mundiais
3 Copas dos Campeões
2 Copas do Mundo
1 Pan-Americano
8
Sul-Americanos
Integrante do Hall da Fama do Vôlei