No STJD, Lusa perde pontos de jogo,
leva multa, mas é mantida na Série B
Portuguesa
corria risco de ser excluída do torneio por conta do abandono de campo
contra o Joinville. Dirigentes são multados, e o treinador é suspenso;
cabe recurso
Por Edgard Maciel de Sá e Martín FernandezRio de Janeiro
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Advogado da Lusa (à dir, de costas) pediu computador
emprestado de relator para exibir como prova um vídeo
do YouTube (Foto: Edgard Maciel de Sá)
O abandono de campo no jogo contra o Joinville, em Santa Catarina, dia 18 de abril, pela
primeira rodada
da Série B do Campeonato Brasileiro, custou muito aos cofres da
Portuguesa e de seus dirigentes, mas não resultou na exclusão do clube
da competição. Em julgamento que durou mais de quatro horas, na tarde
desta quarta-feira, no Rio de Janeiro, a 5ª comissão disciplinar do
Superior
Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) determinou que os três pontos fossem dados ao Joinville (contabilizando vitória por 3 a 0).
Fora
a punição nas quatro linhas, o STJD determinou multa de R$ 50 mil para a
Lusa, suspensão
de quatro jogos para o técnico Argel e gancho de 240 dias para o
presidente Ilídio Lico e seu filho, Marcos Rogério, responsável por
tirar o time de campo – eles ainda foram multados em R$ 100 mil e R$ 80
mil, respectivamente. Todos os valores precisam ser pagos até sete dias.
Mas a decisão nesta quarta-feira foi em primeira instância e cabe
recurso. O advogado da Lusa, José Luiz Ferreira, já disse que vai
recorrer da suspensão a Argel e que ainda vai analisar as demais.
– Tínhamos
como certo de que não cairíamos para a Série C. Não infringimos nenhuma
regra para cair de divisão. Agora vamos avaliar os recursos, mas um é
certo: o do Argel, pois a suspensão dele foi incabível – disse José Luiz
Ferreira, após a decisão.
A Lusa abandonou o campo do jogo
contra o Joinville, aos 16 minutos do primeiro tempo, baseada numa
liminar obtida por um torcedor (cassada dias depois pela CBF), que
determinava que a entidade devolvesse ao clube os quatro
pontos perdidos no STJD por conta da escalação irregular do meia Héverton, na última rodada da Série A do
ano passado.
Em
depoimento, Ilídio Lico, e o filho dele, Marcos Rogério, disseram estar
arrependidos da atitude. A declaração mais impactante, porém, foi do
técnico Argel,
que disse ter
"certeza de que o que estava fazendo era ilegal". Ele era contra a
decisão de tirar o time de campo e contradisse Ilídio Lico – o
presidente afirmou que Argel não sabia da liminar, mas o técnico admitiu
ter conhecimento dela.
Eu já sabia que tinha uma liminar. E tinha recebido uma ordem prévia de
que o jogo deveria parar se a liminar chegasse. Mesmo não concordando,
eu fiz. Era melhor não ter entrado em campo do que entrar e sair no
meio
Argel, técnico da Portuguesa
– Eu já sabia que tinha uma liminar. E tinha recebido uma ordem prévia de
que o jogo deveria parar se a liminar chegasse. Mesmo não concordando,
eu fiz. Era melhor não ter entrado em campo do que entrar e sair no
meio – disse Argel.
A Lusa foi denunciada em dois artigos do
Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD): 205 (impedir o
prosseguimento de partida que estiver disputando, por insuficiência
numérica intencional de seus atletas ou por qualquer outra forma) e 231
(pleitear, antes de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva,
matéria referente à disciplina e competições perante o Poder
Judiciário, ou beneficiar-se de medidas obtidas pelos mesmos meios por
terceiro). Ambos os artigos preveem perda de pontos para o adversário,
exclusão do campeonato e multa de até R$ 100 mil em cada artigo.
Além disso, o clube foi enquadrado no artigo 69-2 do Código Disciplinar
da Fifa (por ter se beneficiado por medidas obtidas na Justiça comum), o
que também abria a possibilidade exclusão do torneio.
Três pessoas também foram denunciadas:Argel, Ilídio Lico e o
filho do presidente, Marcos Lico, que tirou o time de campo. Os
dois primeiros foram citados no artigo 243-A (atuar de forma contrária à
ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado). O treinador
foi suspenso por quatro jogos. Os ganchos para o presidente e seu filho
foram de 240 dias, e eles ainda foram
multados em R$ 100 mil e R$ 80 mil, respectivamente.
O técnico Argel, o presidente Ilídio e o filho, Marcos Lico, no tribunal (Foto: Edgard Maciel de Sá)
José Luiz Ferreira, advogado da Lusa, iniciou a defesa pedindo
um computador para poder exibir um vídeo no YouTube. Um dos relatores disponibilizou seu laptop. Mas ele travou...
–
Volta no início e deixa carregando, é melhor – disse um dos relatores,
enquanto todos os envolvidos permaneciam em frente ao computador para
acompanhar
a exibição. Houve também um problema no
som do vídeo.
Ferreira lamentou.
– As imagens mostram um fato, mas a complementação está no som. No YouTube é possível analisar isso.
Já
Roberto Pugliesi Jr, advogado do Joinville, apareceu com um DVD com a
transmissão da partida, mostrando o exato momento em que o time da Lusa
deixa o gramado, aos 16 minutos do primeiro tempo. As imagens são do
SporTV, mostrando detalhes ocorridos depois da
paralisação da partida com entrevistas dos envolvidos ainda na Arena
Joinville. Após a exibição das provas do Joinville, o advogado da Lusa
abriu mão de
sua prova de vídeo do YouTube por entender que eram as mesmas imagens.
Na
sequência, o mandatário da Lusa, Ilídio Lico, foi chamado a depor. O
presidente da 5ª Comissão Disciplinar, José Perdiz, esclareceu que Lico
não era obrigado a depor, porque não precisava produzir provas
contra si mesmo. O dirigente foi parte da ação e não uma testemunha.
Idilio Lico depõe no julgamento da Portuguesa no STJD (Foto: Edgard Maciel de Sá)
Lico
admitiu que sabia da existência da liminar obtida pelo torcedor Renato
de Britto Azevedo e que mandou o time a Joinville imaginando que ela
seria cassada antes do jogo. A liminar havia sido obtida na 3ª Vara
Cível do Foro Regional da Penha, em
São Paulo. Mas apenas a
2ª vara civil da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, poderia emitir uma
decisão contrária à do STJD.
Segui as orientações de um
conselheiro que é da Justiça, Fernando Guimarães, que fez um terror em
mim. Peço que, se alguém tiver de ser penalizado, que seja eu
Ilídio Lico, presidente da Lusa
Mesmo
ciente da liminar, o presidente da Lusa relatou que chegou a dar
entrevistas garantindo que a equipe jogaria normalmente. Mas, depois da
entrevista, passou a receber ligações que o
aterrorizaram:
– Falavam que eu seria preso, que deveria tirar o time
de campo, que estava descumprindo uma ordem judicial. Meu filho Ricardo
começou a tremer, minha mulher passou mal. Segui as orientações de um
conselheiro que é da Justiça, Fernando Guimarães, que fez um terror em
mim. Peço que, se alguém tiver de ser penalizado, que seja eu – disse Lico.
O dirigente disse que a pressão no clube era para tirar o time de campo. Ele chegou a fazer um apelo aos relatores:
– Todos sabem o que a Portuguesa está passando desde o ano passado.
Tenho 90 dias no cargo, não tem
problema se tiver que sair da presidência. Mas não penalizem o clube ainda mais, por favor.
O presidente tentou absolver Argel de qualquer culpa, dizendo que o técnico não sabia da
liminar. Um dos relatores, porém, lembrou que a
informação da liminar estava no site oficial da Lusa.
Eu tinha a convicção de que o que eu estava fazendo era ilegal
Argel, técnico da Lusa
Na
sequência foi a vez de Marcos Rogério Lico, filho de Ilídio, dar sua
versão dos fatos. Foi ele quem chefiou a delegação da Lusa em Joinville e
apareceu com a liminar do torcedor em mãos, mandando o time sair de
campo. Ele disse que se sentia "respaldado por uma decisão judicial" e,
assim como o pai, negou que o técnico Argel soubesse de algo. Marcos
Rogério contou ainda que levou a liminar para o delegado da
partida, Laudir Zermiani, a quem responsabilizou pela interrupção do
jogo.
O
depoimento do técnico Argel foi na mesma linha – responsabilizando
Zermiani pela interrupção da partida e chamando o delegado de
"despreparado". O treinador afirmou que era contra a paralisação do jogo
e, de forma surpreendente, contradisse Ilídio Lico, garantindo que
sabia da liminar.
– Eu tinha a convicção de que aquilo que
estava fazendo era ilegal. Eu queria voltar, chegamos a aquecer. Eu já
sabia que tinha uma liminar. E tinha recebido uma ordem prévia de
que o jogo deveria parar se a liminar chegasse. Mesmo não concordando,
eu fiz. Era melhor não ter entrado em campo do que entrar e sair no
meio – disse Argel, justificando que apenas "cumpria ordens".
Argel contradisse Ilídio Lico e admitiu que sabia
da liminar (Foto: Edgard Maciel de Sa)
O
técnico foi sabatinado pelos auditores e se mostrou incomodado. Por
várias vezes, defendeu-se, dizendo ter "uma história séria no futebol".
Dentre as muitas perguntas, uma chamou a atenção. Ao ser questionado se o
elenco da Lusa era de Série A ou de Série B, Argel disse:
– De Série B.
Terminado
o depoimento do treinador, o presidente da 5ª comissão disciplinar,
José Perdiz, pediu uma pausa de cinco minutos. Na volta, após 13
minutos, Alessandro Kishino, representando a Procuradoria, pediu o
acolhimento integral da denúncia:
– Todos puderam perceber pelas provas
trazidas que a ordem judicial não tinha eficácia jurídica. O STJ já
tinha determinado que qualquer pendência deveria ser apreciada pela 2ª
vara do Rio de Janeiro. Vir ao plenário e dizer que desconhecia essa
decisão é uma afirmação leviana. A ordem foi obtida por um torcedor,
não pela Portuguesa. Não era necessário o cumprimento.
Na sequência, os advogados de Lusa e Joinville voltaram a se pronunciar.
– A defesa nega veementemente todas
as imputações sacadas contra si, os diretores e o técnico da
Portuguesa. Não houve simulação, não houve fraude. O que aconteceu foi o
desrespeito do cumprimento de uma liminar por conta da CBF – afirmou José Luiz Ferreira, advogado da Lusa.
Enquanto o advogado da Portuguesa falava,
dois dos relatores mexiam em seus celulares, parecendo dar pouca
importância ao que ele argumentava
Ele disse ainda que o Flu também se aproveitou de liminares em
2013:
– O Fluminense também deveria ser penalizado ou denunciado naquela
época porque também foi beneficiado por liminares envolvendo terceiros.
Enquanto
o advogado da Portuguesa falava, dois dos relatores mexiam em seus
celulares, parecendo dar pouca importância ao que ele argumentava.
Na
sequência, Roberto Pugliesi Jr, advogado do Joinville, criticou a
atitude da Lusa, pediu os pontos do jogo, os ressarcimento dos prejuízos
daquela partida e a exclusão da Portuguesa do torneio:
– O Joinville está aqui como vítima, mas a principal é o futebol
brasileiro. É ridículo. Senti tristeza quando vi a situação. É
inexplicável um time sair de campo num Campeonato Brasileiro, com
transmissão ao vivo, estádio cheio. Acontece em campeonato amador. Houve
violação ao espírito esportivo. A Portuguesa fez a pior escolha que poderia fazer. Entrou em campo e
depois abandonou o jogo. É pior do que não ir a campo. Faltou respeito.
O
auditor-relator José Nascimento derrubou as teses elaboradas pela
Portuguesa e lembrou que o filho do presidente, Marcos Rogério Lico, não
tinha poder para paralisar o jogo com a "cópia de uma liminar".
Nascimento disse também que a decisão da diretoria "desrespeitou os
torcedores" e que "a história da Portuguesa foi arranhada". Ele votou
por multar o clube em R$ 50 mil e dar os três pontos do jogo ao
Joinville, com vitória por 3 a 0. Sobre Argel, o auditor-relator pediu
suspensão de quatro partidas. Ele pediu ainda suspensão por 240 dias
para o presidente Ilídio Lico e para o
filho dele, Marcos Rogério Lico, além de multa no valor máximo para o
pai, de
R$ 100 mil, e R$ 80 mil para o filho.
– O comportamento da Lusa tem mais relação a amadorismo do que a vontade de manipular o resultado – disse Nascimento.
Um
dos auditores chegou a citar o Tribunal de Nuremberg, responsável pelos
julgamentos dos crimes cometidos pelos nazistas durante a II Guerra
Mundial
Na sequência, o auditor Marcio Amaral citou o Tribunal de
Nuremberg, responsável pelos julgamentos dos crimes cometidos pelos nazistas durante a II Guerra Mundial:
– Desde aquela época as maiores atrocidades do mundo
já eram justificadas com a frase "me mandaram fazer". Isso não existe – disse Amaral.
O
auditor, porém, também não pediu a exclusão da Lusa da competição. Ele
acompanhou o voto do auditor-relator, com três pontos para o Joinville,
multa de R$ 50 mil para a Lusa, suspensão
de quatro jogos para Argel e suspensão de 240 dias para os dois
dirigentes, com multas de R$ 100 mil a Ilídio e R$ 80 mil a seu filho.
–
A Portuguesa ganhou sua vaga em campo e, infelizmente, a perdeu nos
tribunais por um erro. Mas não peço o rebaixamento para a Série C. O
STJD não tem que ter destaque. Tem que resolver as questões e ficar
atrás do holofote – disse Amaral.
A Portuguesa é vítima de equívocos e erros. A sequência deles se mostrou
na denúncia e, para a minha surpresa, foram confirmados hoje quando
deveriam ser combatidos
Matheus Gregorini, auditor do STJD
O terceiro a votar foi o auditor Matheus Gregorini, e ele também acompanhou o voto do auditor-relator.
– A Portuguesa é vítima de equívocos e erros. A sequência deles se mostrou
na denúncia e, para a minha surpresa, foi confirmada hoje quando
deveria ser combatida – disse.
Na sequência, foi a vez de o
auditor Otávio Noronha acompanhar o voto do relator. Por último, o
presidente da 5ª Comissão Disciplinar, José Perdiz, proferiu o seu voto,
também acompanhando o relator:
– Esse julgamento não tem nada
a ver com o caso de 2013, que culminou com o rebaixamento da
Portuguesa. Todas as liminares, seja a favor de qualquer clube, estão
valendo. O que ocorre é a questão da eficácia, hierarquia. Acho estranho
o delegado (Laudir Zermiani) da partida não ter sido denunciado.
Osvaldo
Sestário Filho, advogado que representou a Portuguesa no julgamento do
meia Héverton, antes da última rodada do Campeonato Brasileiro do ano
passado, também esteve no STJD nesta quarta-feira. Ele,
que costuma defender vários clubes no tribunal,
trabalhou em quatro outros casos, um na sequência do outro – defendendo
América-MG, Luverdense, Cuiabá e Atlético-GO (todos foram apenas
advertidos por atraso na entrada de campo).
Osvaldo Sestário (de pé) defende o América-MG, observado por representantes da Lusa (Foto: Edgard Maciel de Sá)
No
fim do ano passado, em meio à polêmica sobre a decisão do STJD de tirar
quatro pontos da Lusa por conta da escalação irregular de
Héverton, Sestário chegou a ser acusado pelo então diretor jurídico da
Portuguesa, Valdir Rocha da Silva, de omitir a informação sobre o
resultado do julgamento de meia – daí o fato de o jogador ter sido
escalado na última rodada, diante do Grêmio, no Canindé. Na época
acusado também de ter ligação com Fluminense e CBF,
o advogado negou. Para tentar provar que havia, sim, comunicado o dirigente da Lusa sobre a suspensão de Héverton, o
Sestário chegou a abrir seu sigilo telefônico.