De vilão a herói belga: Lukaku, o poliglota que desafiou Mourinho
Pai
Roger Lukaku, que atuou pela seleção de Zaire, já foi até preso, mas
continua a ser ídolo e talismã do craque que decidiu a classificação da
Bélgica para as quartas
Por Claudia GarciaBruxelas, Bélgica
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Acostumado a driblar as dificuldades
e as críticas que vem sofrendo ao longo da carreira, Romelu Lukaku engoliu seco
a opção de Marc Wilmots de começar o jogo contra os Estados Unidos no banco de
reservas, entrou no início da prorrogação e mudou a partida. Com um gol e uma assistência, ele deu a
vitória aos Diabos Vermelhos por 2 a 1 e a qualificação para as quartas de
final da Copa do Mundo. De vilão da primeira fase da Copa - muito
criticado pela imprensa de seu país - passou a ser um herói nacional.
O belga, de origem congolesa,
demorou até aparecer, mas no mata-mata mostrou que as suas qualidades
distribuídas por 1,95m de altura e misturadas com velocidade, força física e
drible podem levar longe a sua seleção. “Agora a Bélgica pode sonhar”; “Ele está
de volta", escreveram alguns dos cotidianos nacionais um dia após o jogo
contra os americanos. A Argentina de Lionel Messi é o próximo adversário, mas
até sábado, Lukaku pode saborear a sua vingança pessoal.
- Não sou uma pessoa rancorosa: o
futebol é mesmo assim. Por vezes, as coisas não saem bem, outras vezes dá tudo
certo. Eu só queria que o time continuasse na competição, porque com a
qualidade da nossa equipe, era uma pena se ficássemos por aqui. Estou muito
emocionado, fazer uma exibição destas numa Copa do Mundo com toda a Bélgica e
os meus pais assistindo ao jogo, posso dizer que é o momento mais feliz da
minha carreira - afirmou Lukaku à imprensa belga no fim do jogo em
Salvador.
Ao marcar o gol contra os EUA, Lukaku procurou a câmera e mandou o recado para o pai: "Papa, jet'aime" (Foto: Gettyimages)
Sem querer
falar em vingança, o belga não escondeu a alegria por ter reencontrado o bom
futebol e silenciado os críticos. Mas a reviravolta de Lukaku nesta Copa tem um
grande responsável: o pai Roger. E foi para ele a homenagem do craque ao marcar
o gol contra os EUA. Depois de ser substituído nos dois primeiros jogos por
Divock Origi, Lukaku nem saiu do banco no terceiro encontro contra a
Coreia do Sul e viu seu substituto lhe roubar a posição de titular contra os
norte-americanos.
Mas a história do jogo ainda não estava escrita e, desta vez,
os papéis se inverteram: o camisa 9 entrou no lugar do jovem de 19 anos e matou
o jogo. “Papa je t’aime”, gritou Lukaku depois do gol, numa homenagem ao pai
Roger Lukaku, que estava no Brasil, mas teve de regressar à Bélgica devido a um
problema nas costas.
- Sempre
dedico os gols à minha mãe, mas dessa vez pensei imediatamente no meu pai, ele
tem conversado muito comigo e me tem ajudado muito a superar esse momento
difícil que vivi no início da Copa. Foi o primeiro treinador e é o meu maior
torcedor desde que eu tenho cinco anos -revelou o camisa 9 da Bélgica.
senhor roger, o talismã de lukaku
A Bélgica
inteira saiu às ruas para celebrar a classificação para as quartas de final,
mas ninguém estava mais feliz do que o senhor Roger Lukaku, pai de Romelu e Jordan,
irmão caçula do craque que foi emprestado pelo Anderlecht ao Oostende. Roger
confessou ao jornal “7SUR7” que chorou e sentiu arrepios ao ver o filho marcar
um gol numa Copa do Mundo. Era a vitória da Bélgica e a vitória de um pai que
se impôs a muitos treinadores e dirigentes de futebol para garantir o melhor
para educação do filho.
Está
fora de questão o Lukaku jogar pelo Congo. Eu já passei por isso (defender uma
seleção africana) e sei bem o que é: passagens de avião e prêmios que nunca são
pagos
Roger Lukaku, pai do atacante belga, quando o filho foi convocado
O grande sonho do senhor Roger, ex-jogador de futebol
do campeonato belga e internacional pelo Zaire, era ver um dos seus filhos
disputar uma Copa do Mundo, mas primeiro estiveram sempre os estudos. Nas
férias, ele sentava os dois garotos em frente da TV e colocava gravações das
Copas do passado. O Mundial 1998 na França é a primeira lembrança de Lukaku,
que pegou o vício de assistir a partidas de forma compulsiva e hoje vê todos os
jogos da Premier League. Passa horas estudando os adversários para melhorar
aspectos de seu jogo. Mas na hora de seguir o sonho de disputar a Copa do Mundo
do Brasil, Lukaku tinha de optar entre a Bélgica ou a República do Congo. As
duas seleções pretendiam o garoto, de apenas 16 anos, em 2010. Roger indicou ao
filho o caminho a seguir e explicou sem problemas os motivos da decisão.
- Está
fora de questão o Lukaku jogar pelo Congo. Eu já passei por isso (defender uma
seleção africana) e sei bem o que é: passagens de avião e prêmios que nunca são
pagos, sem contar com as ofensas que sofremos dos torcedores por estarmos fora
do país, sermos expatriados. Eu vivi tudo isso nos anos 90 e não quero que o
meu filho passe pelo mesmo - comunicou o pai do craque, que já representava as
seleções de base da Bélgica e foi convocado ao time principal com apenas 16
anos.
prisão do pai não atrapalha carreira
Pai dedicado de forma indiscutível, Roger Lukaku tem um passado sombrio
que já o levou a passar 11 dias numa cadeia em Bruxelas por violência
doméstica. Os dois tapas que deu na cara da namorada em 2011 e, depois, em 2012
quase lhe valeram um ano e meio de prisão, mas a defesa conseguiu aliviar a
pena para 120 horas de trabalhos comunitários. O episódio, no entanto, não
abalou a imagem de Lukaku no país nem a carreira do jovem que continuou
defendendo o seu pai com unhas e dentes. Roger sempre fez o mesmo com os
filhos. E o atacante reconhece a dedicação do pai.
Quando
tinha apenas 14 anos, o camisa 9 da Bélgica despertou o interesse do Lille, da
França. A família foi convidada a conhecer as instalações do clube, onde o jovem
fez alguns testes. Os franceses indicavam que Lukaku tinha 17
anos quando na verdade ele só tinha 14. O Lille desconfiou da idade de Romelu e
o senhor Roger ficou furioso, trouxe o filho de volta para Bruxelas e nunca
mais quis ouvir falar do Lille.
- Quando
ele tinha 13 anos, jogava com os que tinham 15, quando tinha 16 já jogava no
time principal do Anderlecht com os mais velhos. Ele foi sempre
assim, estava sempre um ou dois anos na frente do que os garotos da sua idade e
muita gente pensava que os documentos eram falsos. Era inútil dizer que ele
tinha nascido na Bélgica, as pessoas não acreditavam. O meu pai ficou muito chateado
com o Lille nessa época e decidiu que o melhor para o meu irmão era continuar
no Anderlecht - revelou o irmão mais novo Jordan à revista Sport Foot
Magazzine.
Aos 13 anos, Lukaku foi para os times de base no Anderlecht e continuou
os seus estudos em Bruxelas, a cerca de 50 quilômetros de sua cidade natal,
Antuérpia. O jovem já era popular na Bélgica pelas suas habilidades e não
demorou muito até chegar ao time principal. Com apenas 16 anos e 11 dias,
fez sua estreia no campeonato belga e sem perder tempo se tornou
no jogador com melhor média de gols na temporada seguinte: 12 gols em 18 jogos,
em que nem sempre era titular.
A explosão no campeonato belga e nas
competições europeias com o Anderlecht voltou a despertar o interesse de muitos
clubes europeus. José Mourinho era um dos maiores admiradores do garoto,
apelidado de novo Drogba, mas o senhor Roger voltou a se intrometer e recusou
ofertas do Chelsea, Tottenham e Real Madrid na temporada de 2010. Numa coletiva
do Real Madrid, Mourinho admitiu o interesse dos blancos e elogiou o
comportamento da família do jogador.
- Lukaku tem pais inteligentes. O seu pai disse
que ele ia ficar no Anderlecht até terminar os seus estudos e eu acho isso
fantástico. Onde é que você acha esses pais agora? As famílias dos jogadores hoje
em dia só pensam no dinheiro, todos estes jovens deveriam ter pais como os de
Lukaku - comentou o “Special One”, que viria a reencontrar Lukaku no Chelsea
três anos mais tarde.
chelsea: sonho ou pesadelo?
Faltava um ano e meio para que Lukaku terminasse a escolaridade
obrigatória na Europa, que é o liceu, até aos 18. Enquanto jogava no
Anderlecht, o craque estudava Relações Públicas, a sua grande paixão depois do
futebol. O jovem gosta de ler e fala fluentemente cinco línguas. Além do
francês e holandês - oficiais na Bélgica - também domina o inglês, espanhol e
alemão. Quando concluiu os estudos, o atacante assinou finalmente com o Chelsea,
o seu clube preferido na Inglaterra, e chegou a Stamford Brigde com o rótulo de
novo Drogba.
Tudo parecia perfeito para Lukaku brilhar em Londres, mas em sua
primeira temporada, nada deu certo. Teve poucas oportunidades do treinador
André Villas-Boas e não marcou um gol sequer.
- Ele não se adaptou bem? Isso não é verdade. Ele fala perfeitamente o
inglês, se integrou bem com todos os companheiros e não teve dificuldades na
Inglaterra. Quem tem de explicar o que correu mal na primeira temporada de
Lukaku é o Villas-Boas - afirmou o empresário do jogador, Christophe Henrotay, ao GloboEsporte.com,
insinuando que a culpa era do técnico português.
Lukaku
é consolado por David Luiz e Essien após errar cobrança de pênalti
contra o Bayern de Munique, na decisão da Supercopa Europeia: belga
nunca se firmou no Chelsea (Foto: Getty Images)
Na segunda temporada, Lukaku foi emprestado ao West Bromwich Albion,
balançou 17 vezes as redes e voltou novamente a Stamdford Brigde. Agora o
técnico era José Mourinho, o seu grande admirador, e tudo parecia se compor,
mas não deu certo mais uma vez. O jovem completou a pré-temporada no Chelsea,
mas falhou no pênalti decisivo na decisão da Supercopa Europeia do ano passado
entregando o título de bandeja ao Bayern de Munique de Josep Guardiola, grande
rival de José Mourinho, que ficou furioso por perder mais um duelo para o
catalão.
Mas com poucos atacantes no elenco (Eto'o, Torres e Demba Ba), a
imprensa esperava que Lukaku permanecesse no Chelsea e foi pega de surpresa
quando o clube anunciou novo empréstimo do belga, desta vez ao Everton. Longe
de Stamford Brigde, o jogador voltou a brilhar e assinalou 15 gols no campeonato.
Em dezembro, o centroavante chegou a dizer que estava feliz e pensava em
permanecer no clube de Liverpool mais uma temporada. A imprensa inglesa
criticou Mourinho por tê-lo deixado sair, e o luso replicou.
O Lukaku é um jovem que gosta muito de falar, mas a única coisa que
ele não diz é porque ele não está no Chelsea e está jogando no Everton
José Mourinho, técnico do Chelsea
- O Lukaku é um jovem que gosta muito de falar, mas a única coisa que
ele não diz é por que ele não está no Chelsea e está jogando no Everton.
Talvez exista uma nova regra no futebol em que cada jogador emprestado a um
clube pode decidir o seu futuro no final da temporada, mas eu não conheço essa
regra - ironizou Mou, dando a entender que o belga quis deixar os Blues por
vontade própria.
A relação
entre os dois já passou por vários episódios e alfinetadas públicas. A imprensa
belga vai mais longe e escreve nestes dias que não existe empatia entre os dois
e que Lukaku quer deixar o Chelsea definitivamente após a Copa do Mundo.
Juventus e Atlético de Madrid são alguns dos muitos clubes interessados, mas o
empresário do jogador nega a saída.
- Ele
ainda tem dois anos de contrato com o Chelsea e após a Copa do Mundo vai
se apresentar normalmente ao clube. Depois, se os planos do Chelsea forem
outros, vamos ver e decidir, mas para já não há novidades. Lukaku está focado
em chegar às semifinais da Copa do Mundo - afirmou Christophe.
Mourinho garante que é ele mesmo quem vai decidir o futuro do atacante,
mas se as performances do jovem na Copa continuarem em ascensão, provavelmente
o jogador de 21 anos e o seu pai Roger poderão se dar ao luxo de escolher um
entre os vários clubes candidatos a contratá-lo. E Mou pouco
poderá fazer. Lukaku informou ao Chelsea que quer jogar regularmente, mas o
clube já escolheu o seu centroavante para a próxima temporada: Diego Costa. Com
o brasileiro naturalizado espanhol como líder do ataque e a explosão do belga na Copa do Mundo, é
improvável que os dois atuem juntos em Stamford Brigde na próxima temporada.