Prodígio da ginástica, Rebeca evolui no solo com trilha sonora de Beyoncé
Aposta
de medalha da CBG para as Olimpíadas de 2016, ginasta de 15 anos coloca
trechos de música da cantora de quem é fã na coreografia: "Ela é
espelho para mim"
Por Danielle RochaRio de Janeiro
Aquele tablado tem um quê de sagrado. É ali, a cada passada, que a
infância de tanta dificuldade fica
para trás. Sob os olhares de toda uma
arena, Rebeca Andrade sente-se mais forte. Gosta de competir. E
experimenta, a seu modo, a sensação de estar no palco, como a cantora de
quem é fã. Beyoncé está nos pôsteres, nos desenhos,
no guarda-roupa, no computador e no celular. Está pelos cantos da casa,
nas músicas que cantarola com a anuência dos outros moradores. Não
bastasse isso, faz parte de sua série de solo.
A
busca pela música ideal terminaria após uma conversa entre a
coordenadora da seleção, Georgette Vidor, e a técnica Keli Kitaura. Era
preciso encontrar algo que a motivasse, que a ajudasse a tirar o máximo
de proveito do código de pontuação - o qual passou a exigir muito mais da
parte artística -, e que mexesse com o público.
- Ela canta Beyoncé o
dia todo. É bem jeitosinha dançando e cantando (risos). Pediu que minha
mãe fizesse um colant igual ao dela, para brincar. Sempre teve o sonho
de conhecê-la. Então, a música tinha que ser dela (
Single Ladies). Rebeca sabe dançar
todas as coreografias e usa partes na série. O público também dança no
ginásio e isso conta a favor dela, melhora a nota e ela se apresenta com
mais vontade. A primeira vez que competiu com a trilha nova foi em maio. A
anterior não era muito boa. A nota já aumentou muito com relação à anterior. Antes tirava 13,900 e agora 14,300, o que é muito bom -
disse a treinadora.
Rebeca defenderá o Brasil nos Jogos Olímpicos da Juventude (Foto: Ricardo Bufolin / CBG)
Aos 15 anos, Rebeca é tida como uma pérola
pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG). É vista como uma
ginasta completa. Tem técnica, boa flexibilidade e potência. Aparece
como uma esperança de medalhas nas Olimpíadas do Rio em 2016. O que
poderia significar uma pressão é encarado como motivação. No mês que vem, fará um
teste de fogo
nos Jogos Olímpicos da Juventude, em Nanquim, de 16 a 28 de agosto. Os
treinadores querem saber como se comportará em uma competição de alto
nível e com ambiente similar ao que deverá encontrar daqui a dois anos.
-
Eu acho bom ouvir elogio. Isso vai te dando mais força, você pode fazer
mais. Estou treinando muito, muito, muito e acho que vou me sair bem. Estou correndo atrás do meu
sonho, lutando por ele. A Beyoncé correu atrás dos dela sem passar por
cima de ninguém. É uma pessoa humilde e isso a fez ainda mais especial.
Ela serve de espelho para mim. É uma das seis
pessoas mais admiradas por
todo mundo. Eu adorei poder tê-la na minha série. Queria ter ido ao
show do Rock in Rio, mas estava competindo. No próximo espero estar lá.
Acho que vou ficar paralisada.
Keli Kitaura e Rebeca Andrade Ginástica (Foto: Ricardo Bufolin / CBG)
Rebeca tem jeito de
menina, mas firmeza de
gente grande. Quer um elemento com seu nome no
código de pontuação do salto, assim como fizeram Daiane dos
Santos
(solo), Diego Hypolito (solo), Sergio Sasaki (barras paralelas) e Arthur
Zanetti (argolas). Trabalha nele há algum tempo, mas só poderá
apresentá-lo para ser avaliado num Mundial ou nas Olimpíadas.
Quer uma medalha olímpica. Duas de preferência, no salto e no individual
geral, e já em 2016.
- Acho que meu sonho está pertinho,
sim. Tenho que melhorar algumas coisas, fazer
coisas novas nos
aparelhos. Estou tentando
controlar o peso,
o que é
uma tortura porque gosto de doces. Também procuro aprender com a
experiência da Jade Barbosa, olho muito para a Mckayla Maroney e Gabby
Douglas. Estou procurando fazer tudo o que
o Alexandrov (o russo Alexander Alexandrov, técnico da seleção
brasileira que tem 15 medalhas olímpicas no currículo) fala para mim.
Keli e Chico, meus té
cnicos no
Flamengo, me
falam que ele levou muitas meninas ao pódio nos Jogos. Quero ser uma
dessas também.
Para
isso, Rebeca saiu cedo do convívio da família. Mesmo que tudo parecesse
conspirar contra, insistiu e contou com a generosidade de muita
gente. A mãe não tinha tempo nem
dinheiro sobrando para investir no
sonho. Dona Rosa trabalhava como empregada doméstica para sustentar os
oito filhos. Moravam numa casa muito humilde na periferia de Guarulhos,
com apenas um cômodo onde todos dormiam, e banheiro do lado de fora.
-
Era muito difícil. Minha mãe não tinha dinheiro e eu faltava mais aos
treinos do que ia. Ela ficava cansada de ir a pé e voltar do trabalho
quando me dava o dinheiro para a passagem. Meu irmão então comprou uma
bicicleta e me levava, mas às vezes ela quebrava. Ela pedia dinheiro
emprestado para que não faltasse comida. E como não sobrava, não
podíamos comprar outras coisas. Roupa eu ganhava das pessoas que me
conheciam e doavam - relembrou.
Rebeca Andrade ainda criança com a técnica Keli Kitaura (Foto: Arquivo Pessoal)
O
café da manhã que sobrava no
ginásio da prefeitura tinha endereço certo. Mas a frequência ainda era
muito baixa. Keli Kitaura via naquela menina de 6 anos um potencial bom demais
para ser desperdiçado. Fez então uma proposta para Rosa. Ficaria com
Rebeca em casa nos
fins de semana. Só assim saberia que ela estaria no ginásio
no dia seguinte. Morou um tempo com uma tia, depois com a coordenadora de ginástica.
Foi assim durante três anos. A técnica seguiu para a Curitiba fazendo
uma promessa: voltariam a trabalhar juntas.
- Assim que
consegui uma boa estrutura a levei para lá. As pessoas criticaram a mãe e
a nós por termos tirado uma criança tão cedo de casa (tinha 8 anos na época). Resolvemos
investir no potencial dela, no sonho dela. Tivemos que brigar com Deus e
o mundo. Depois fomos contratados pelo Flamengo e ela veio junto. Hoje
ela e mais nove
meninas da equipe moram comigo e meu marido Francisco
Porath numa casa em Três Rios. Nós ainda não temos filhos, mas sou técnica e "mãe", numa fase complicada de adolescência.
Não só na mudança do comportamento. As
alterações hormonais e no centro de gravidade do corpo viram uma preocupação no caso de
atletas. Ficar de olho vivo na balança passa a ser ainda mais imperativo.
-
Ela teve muito problema de peso ano passado. Agora está estabilizando.
Mudou muito o corpo. Come muito por ter passado dificuldade. Mas
está se controlando melhor, cuidando da alimentação. O peso ainda varia
muito, mas ela passou a fase mais difícil. Rebeca gosta de competir, só
que
não muito de treinar. Quer sempre ganhar. A gente tenta colocar na
cabeça dela que os treinos são mais importantes do que a competição. A
chance de medalha dela é em 2016. Ginástica é precoce. Tem que dar o
máximo agora porque depois são mais quatro anos. Está sendo treinada
para o individual geral, salto e também solo.
Rebeca sonha com elemento com seu nome na prova de salto (Foto: Ricardo Bufolin / CBG)
Rebeca
não reclama. Fala dos dois com carinho e respeito. Mesmo que só
reencontre os parentes uma vez por ano e que amenize a distância com
telefonemas, não pensa duas vezes ao responder que tudo tem valido a
pena. A dedicação já rendeu um contrato com uma empresa de
telecomunicações, salário do Bolsa Atleta, do Flamengo e da seleção. A
família mora agora num local melhor.
- Agora posso ajudar em
casa, e minha mãe não tem mais dívidas. Estou muito feliz. No começo
fiquei com saudade e era muito ruim. Eu não queria ficar longe. Então
minha mãe disse que se eu achasse que não ia dar, me
levava de volta. Só que eu gostei. Tenho agora três irmãos que também
estão fazendo ginástica. Não me arrependo de ter saído tão cedo do
convívio deles. É meu sonho e quero conquistá-lo. Estou lutando por ele.
A vida não é nada fácil.