"Tenho que me tornar melhor, mais completo", admite Junior Cigano
Ex-campeão do UFC aprende com derrotas para Velásquez e
se desprende do boxe. Ele foca em aumentar repertório e evoluir a mente
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Por Ivan Raupp e Diogo Venturelli
São Paulo
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A mentalidade de concentrar o trabalho no que se tem de melhor ficou para trás. Com as duas derrotas dominantes para o campeão
Cain Velásquez, o peso-pesado
Junior Cigano
aprendeu que era preciso ir além, incrementar o jogo, ter a maior
evolução possível também nas demais áreas para, assim, tornar-se um
lutador mais completo. Com esse novo pensamento, ele enfim conseguiu se
desprender um pouco do boxe. Saiu de sua zona de conforto em Salvador e,
ainda contando com o apoio de seu mestre Luiz Dórea, juntou-se à Nova
União, no Rio de Janeiro, onde ganhou uma visão diferente do renomado
Dedé Pederneiras.
- As coisas têm melhorado. Tenho aprendido uma nova forma de encarar as
coisas, um novo método de treinamento e de ensino. Isso vai agregar
muito ao meu estilo de luta. Uma coisa que está muito clara é que tenho
que me tornar melhor, mais completo. Claro que vou priorizar o boxe,
porque é uma coisa que realmente gosto de fazer, e acredito muito nas
minhas mãos. Mas tenho que me tornar um lutador mais completo, preparado
para lutar em qualquer área, tanto no chão, quanto derrubando, usando
as quedas a meu favor e as defendendo também - disse, em entrevista ao
Combate.com no CT de MMA do Corinthians, em São Paulo.
Junior Cigano no CT de MMA do Corinthians (Foto: Ivan Raupp)
O que também estava faltando para Cigano, segundo o próprio, era
melhorar a parte psicológica. Não no sentido de que fosse inconstante
mentalmente, nada disso. O problema é que, segundo o próprio, faltava
seguir uma estratégia de luta traçada de acordo com o adversário em vez
de tentar resolver sempre com um nocaute ou uma finalização.
- Eu com certeza tenho condições de enfrentar qualquer um no mundo, mas
acho que é mais a cabeça, o seu entender, o psicológico, do que o
trabalho físico e a técnica. Sempre treinei wrestling, jiu-jítsu, boxe,
muay thai, mas na hora das lutas eu priorizo o boxe. É uma coisa que
acaba sendo natural. Então, a partir do momento em que eu conseguir
colocar isso na minha cabeça, que eu preciso estar apto a usar qualquer
arte marcial na hora da luta para buscar a vitória... Porque muitas
vezes não é só nocaute e finalização que funcionam. Às vezes você tem
que jogar para pontuar também.
Cigano disse ainda que seu head coach (treinador principal) hoje não é
nem Dedé Pederneiras nem Luiz Dórea, e sim os dois, e que acha
importante fazer mais lutas para botar em prática esse novo método de
combate antes de ter a chance de encarar Velásquez novamente. E ele
acredita no potencial do compatriota
Fabricio Werdum na disputa de cinturão no UFC 180, dia 15 de novembro, exatamente contra Cain.
A seguir, veja a entrevista com Junior Cigano na íntegra:
Combate.com: Você recentemente quebrou o dedo da mão, depois machucou o joelho. Dá para dizer que está numa maré de azar?Junior Cigano:
Não diria maré de azar. Na verdade não cheguei a sofrer a lesão do
joelho. Quando aconteceu a lesão da mão, e tive que desistir da luta
(contra Miocic) para focar na recuperação, do nada o joelho começou a
doer. Eu não estava treinando. Acho que a gente acaba convivendo com a
dor e às vezes não consegue nem entender o que realmente está
acontecendo. Quando parei para recuperar a mão, o joelho começou a doer.
Foi meio estranho. Mas fiz os exames, não tem nada. É só a dor mesmo. O
médico me recomendou muita fisioterapia, que ainda estou fazendo. Estou
buscando a recuperação para ficar 100% novamente.
Tenho que me tornar um lutador mais completo, preparado para lutar em qualquer área, tanto no chão, quanto derrubando"
sobre seu novo estilo de luta
Hoje você está em quantos por cento?
Graças a Deus estou muito bem já. Faltam detalhes só. Estou perto dos 100% fisicamente.
Para quando você planeja seu retorno? Teremos card no Brasil em
outubro, novembro e dezembro. Tem o card do México em novembro.
Enfim...
Quero voltar o mais rápido possível, até porque em outubro vai fazer um
ano que não luto. Isso tem me deixado maluco (risos). Amo fazer o que
faço, e a gente faz isso para viver também, então quero voltar logo, até
para me manter em dia nos treinamentos. Meu normal é treino e
competição, então quero voltar ao normal o mais rápido possível. Estou
vendo como as lesões estão respondendo. Correndo tudo bem, acho que já
posso marcar minha próxima luta. Na melhor das expectativas, novembro
seria uma data boa para mim. Quero muito lutar antes do final do ano.
Novembro seria bem legal, talvez na segunda metade do mês.
A luta que todo mundo estava querendo ver no peso-pesado era
você contra o Stipe Miocic. É essa a luta que você quer para o seu
retorno?
Não escolho adversário, nunca escolhi nem vou escolher. Acho que a
gente tem que lutar contra todos, e quero enfrentar sempre os melhores.
Acho que o Miocic está vindo muito bem, vindo de grande vitórias, e acho
que seria, sim, uma luta bem interessante para o público e para o
próprio UFC. E para mim também. Ele é um cara que vem do wrestling, tem
quedas boas, também prioriza o boxe. Eu já estava estudando o jogo dele.
Seria uma luta muito boa, mas a gente tem outros atletas no UFC e, seja
quem for, vou estar me preparando da melhor maneira possível.
O que mudou no Cigano desde que ele foi para a Nova União?
Depois que comecei a ter a ajuda do professor Dedé Pederneiras e do
time da Nova União, acho que acabei agregando valores bem significativos
à minha carreira. As coisas têm melhorado. Tenho aprendido uma nova
forma de encarar as coisas, um novo método de treinamento e de ensino.
Isso vai agregar muito ao meu estilo de luta. Uma coisa que está muito
clara é que tenho que me tornar melhor, mais completo. Claro que vou
priorizar o boxe, porque é uma coisa que realmente gosto de fazer, e
acredito muito nas minhas mãos. Mas tenho que me tornar um lutador mais
completo, preparado para lutar em qualquer área, tanto no chão, quanto
derrubando, usando as quedas a meu favor e as defendendo também.
Cain Velásquez e Junior Cigano têm a maior rivalidade do peso-pesado hoje (Foto: Getty Images)
E é nisso que o Dedé tem te ajudado bastante?
O Dedé tem me ajudado bastante. Ele é um cara muito inteligente, não é à
toa que concorre sempre nas eleições de melhor treinador do ano. O
jeito de ele enxergar a luta é um jeito bem experiente e diferente. É
difícil você alcançar isso. Acho que ele, junto do professor Dórea, vão
fazer um trabalho bem legal e vão me deixar muito bem preparado para as
minhas lutas.
Quem é seu head coach: Dedé, Dórea, ou os dois têm o mesmo peso?
Os dois ocupam a mesma função. Como tenho ficado mais no Rio de
Janeiro, o Dedé tem assumido a maior parte de tudo, mas sempre numa
comunicação boa com todos. O pessoal da Nova União é muito junto, unido.
O Dedé tem passado tudo para eles também, e tudo tem funcionado de uma
maneira legal. Eu tenho gostado.
Você enfrentou o Cain Velásquez três vezes. O que ele te
acrescentou como lutador? Qual a importância que ele teve e ainda tem na
sua carreira?
Uma importância enorme. Foi o atleta mais importante que já enfrentei
até hoje. Eu o tomei como experiência e aprendizado. Na minha opinião,
ele demonstrou muita inteligência nas lutas. O time dele estava muito
empenhado. A gente pôde perceber que o treinador dele estava muito
preocupado para ele não me dar distância, não me deixar usar o boxe de
jeito nenhum, ficar colado o tempo todo. Isso me impossibilitou de estar
usando meu boxe, que é minha arma mais forte. Ele acabou frustrando
meus ataques. Não me senti mais confortável para atacá-lo. Acho que eles
estudaram bastante meu jogo, o que eu poderia trazer de desafio para
ele. Na primeira luta eu o nocauteei, e depois ele veio muito mais
preparado e focado. Eu o admiro como atleta, é um cara que tem de ser
respeitado. Ainda estou aprendendo muito. O meu objetivo hoje é
superá-lo. Quero superar o campeão. Na atualidade ele é o campeão, então
quero superá-lo. E mesmo não sendo pelo título, seja qual for o motivo
pelo qual vai acontecer essa luta, quero, sim, estar lutando contra ele
novamente. Com essa experiência que tenho ganhado, acho que vou me
tornar um lutador melhor, mais experiente e, com tudo isso, mais forte.
Mesmo não sendo pelo título,
seja qual for o motivo pelo qual
vai acontecer essa luta, quero,
sim, estar lutando contra ele novamente"
sobre Cain Velásquez
Você já se considera pronto para enfrentár o Velásquez de novo? Ou isso ainda vai acontecer?
Eu com certeza tenho condições de enfrentar qualquer um no mundo, mas
acho que é mais a cabeça, o seu entender, o psicológico, do que o
trabalho físico e a técnica. Sempre treinei wrestling, jiu-jítsu, boxe,
muay thai, mas na hora das lutas eu priorizo o boxe. É uma coisa que
acaba sendo natural. Então, a partir do momento em que eu conseguir
colocar isso na minha cabeça, que eu preciso estar apto a usar qualquer
arte marcial na hora da luta para buscar a vitória... Porque muitas
vezes não é só nocaute e finalização que funcionam. Às vezes você tem
que jogar para pontuar também. Um dos maiores exemplos disso é o Georges
St-Pierre. Normalmente as lutas dele seguiam todos os rounds, e ele é
um cara muito inteligente. Ele fazia o que o outro não queria fazer. Se o
cara queria boxear, ele queria o chão. Se o cara queria o chão, ele
queria boxear, ficar em pé. Ou seja, é uma parte da estratégia bastante
inteligente. Hoje o maior diferencial dos campeões está sendo isso, a
inteligência na hora de lutar, a estratégia que estão trazendo para o
octógono. Isso é uma colaboração muito grande do time também, pois ele
acaba estudando muito o adversário e formulando uma estratégia que seja
eficiente contra aquele determinado adversário. Você não tem que lutar
igual contra todos.
Você acha importante fazer outras lutas antes de enfrentar o Velásquez de novo?
Com certeza. Não só para ganhar mais experiência, mas para ganhar na
prática esse novo método que estou tentando adicionar ao meu repertório.
E também para eu poder estar me qualificando novamente. Graças a Deus,
pelos resultados que tive, acabei continuando como número 1 do ranking
(de candidatos ao título) mesmo perdendo para o Velásquez. Hoje o Werdum
passou à minha frente, mas sem muito sentido. Foi mais porque ele vai
lutar pelo cinturão mesmo. Acho que tenho muito a agradecer a Deus por
tudo que tem acontecido na minha vida. Espero estar aprendendo e
evoluindo a cada dia que passa. Sei que, se o Velásquez ganhar, vou ter
que fazer mais uma ou duas lutas para poder me qualificar a lutar com
ele novamente. Mas não tenho medo de desafio. Estou aqui para enfrentar
quem quer que seja até conseguir enfrentá-lo de novo.
Aproveitando que você falou dos campeões, quem você considera hoje o melhor lutador do mundo?
Quem eu considero hoje o melhor do mundo... Acho que o Velásquez e o
Jon Jones brigam pela primeira posição. O Jon Jones é impressionante, é
um fenômeno realmente. O Velásquez também, principalmente pelo
condicionamento físico, que é incrível. O que ele consegue fazer como
peso-pesado... Se apanhar cansa, bater cansa muito mais, e nas duas
últimas lutas que a gente teve ele ficou cinco rounds batendo ali em
cima, sem demonstrar cansaço. Isso é realmente extraordinário.
Quando ainda era campeão do UFC (Foto: Getty Images)
Um cara que você gostaria de enfrentar é o Overeem, certo? O
Jon Jones se machucou recentemente num treino com ele, e não foi o
primeiro, porque o holandês também já tinha machucado o Guto Inocente. O
que você acha do Overeem?
Primeiro, te corrigindo na questão de enfrentar o Overeem, eu
sinceramente não tenho vontade nenhuma de enfrentá-lo. Claro que, se o
UFC disser que tenho de enfrentá-lo, ele vai ser o cara que quero
enfrentar. Ele é um falastrão, gosta de polemizar as coisas, falar muita
coisa e às vezes não fazer. Já marcaram duas vezes nossa luta, numa ele
caiu no teste antidoping, na outra ele se machucou e não pôde aceitar. É
um cara estranho. Ele é difícil, um bom lutador, não é à toa que
conseguiu grandes vitórias na vida dele. Mas é um cara bastante polêmico
e talvez até meio perdido na cabeça dele. Mas com certeza lesões
acontecem no treinamento, e a gente não pode levar isso como maldade.
Não sei exatamente o que aconteceu. Machucados acabam acontecendo, não à
toa que machuquei num treino, onde os caras estavam me ajudando. Acho
que pode ter acontecido a mesma coisa com o Jon Jones agora. De novo,
não tenho realmente uma vontade de lutar contra o Overeem. Ele está sem
nenhuma expressão agora, então não seria uma boa luta.
E teremos Velásquez contra Werdum em novembro. Quem você acha que vence e como vai ser a luta?
Acredito que será uma luta boa. Na minha opinião, o que o Werdum fez na
última luta ele nunca tinha feito. Ele lutou muito bem. Lutou como
nunca tinha lutado. E contra um cara dificílimo, que é o Travis Browne.
(Browne) É um cara que impõe o jogo, bate forte, tem poder de nocaute e
um ritmo bom de luta. Então, o que o Werdum fez naquela luta realmente
me impressionou e me fez acreditar mais nele, acreditar que ele consegue
ser campeão em cima do Velásquez. Claro que o Velásquez é favorito. Na
minha opinião é bem favorito em qualquer luta, enfrentando qualquer
peso-pesado de hoje em dia. Mas o Werdum tem, sim, chances de impor um
jogo que possa dificultar. Tenho certeza que eles estão estudando
bastante o Velásquez. No chão o Werdum é muito superior a ele, então não
acho que o Velásquez vá derrubá-lo. O Velásquez vai tentar fazer mais
ou menos o que fez comigo, manter na grade. Se for para o chão, o
Velásquez não vai querer ficar ali trocando posição com o Werdum. Vai
mandar levantar para de novo pressioná-lo contra a grade. Acredito que
será uma luta muito boa. E lógico que vou torcer pelo Werdum. Como
brasileiro, espero que esse cinturão volte para o Brasil.