Arona quer voltar em 2015 e garante que, em seu auge, venceria Jon Jones
Estrela do Pride explica dificuldades que vêm adiando seu
retorno às lutas, diz que sente muita saudade do passado e planeja
enfrentar o maior nome atual
Por Ivan Raupp
Niterói, RJ
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Mesmo fora do circuito há algum tempo, Ricardo Arona virou uma espécie
de mito. Sem lutar desde 2009, o atleta que fez fama no Pride vem
prometendo seu retorno ao MMA não é de hoje, mas seu desejo ainda não se
concretizou. Enquanto isso, seus inúmeros fãs, órfãos de suas
performances há praticamente cinco anos, ainda sonham como o dia da
volta. Nesse cenário de dúvidas, o
Combate.com foi
atrás de Arona em seu "esconderijo", o bairro praiano de Itacoatiara, em
Niterói-RJ, para tentar entender o que de fato está se passando.
Segundo o próprio, faltam dois passos para o esperado retorno. O
primeiro é uma cirurgia no joelho esquerdo para tratar dos ligamentos. E
depois vem a recuperação até que ele se sinta pronto para treinar e
consequentemente lutar de novo. O Tigre Brasileiro, como ficou conhecido
no extinto evento japonês, tem tudo planejado. E, aos 36 anos, pretende
estar de volta no início de 2015.
Ricardo Arona na sala de troféus da sua casa em Niterói-RJ; lutador tem cartel de 14-5 (Foto: Ivan Raupp)
- Na verdade, estou parado em função de lesão, e não por que não quero
mais, perdi a vontade, desinteresse. Nada disso. O motivo é lesão.
Depois de 15 anos de combate, uma hora o corpo... Não tem jeito. Ainda
quero voltar e acho que tenho tempo hábil para isso. Posso também
escolher entre lutar de quimono, lutar MMA, enfim, tenho opções. Uma
coisa é certa: vou voltar - disse ele durante longa entrevista.
Se voltar, Arona encontrará um mercado diferente do que existia em sua
época. Hoje o UFC monopoliza as atenções e contrata os melhores
lutadores. O brasileiro, por sinal, já recebeu oferta de Dana White e
cia. e só não fechou por não estar em ação. Mas ainda sonha com isso. A
ideia de Arona é um dia poder desafiar o até agora soberano campeão dos
meio-pesados (até 93kg), Jon Jones. Ele tem certeza que, em seu auge,
venceria o duelo:
Não tenho dúvida. Ainda acho que o melhor caminho para vencer o Jon Jones é o meu estilo de luta"
sobre se venceria Jon Jones em seu auge
- Não tenho dúvida. Ainda acho que o melhor caminho para vencer o Jon
Jones é o meu estilo de luta, porque sei trocar em pé, sou bom de queda e
faço um chão de pressão por cima com ground and pound, mas também com
risco de finalização. Com certeza o meu jogo é o jogo ruim para ele.
O status de mito se justifica no número de perfis falsos que Arona tem
no Facebook, o que já o levou a ser tema de matéria do Fantástico. Mas
ele avisa que a única rede social em que tem conta é o Instagram. E,
exatamente por ser mito, a saudade é ainda maior. O Tigre conta que
relembra seus tempos de Pride todos os dias, e a vontade de voltar só
aumenta. Assistir aos eventos do UFC à noite? Só na reprise do dia
seguinte. Se ligar a televisão para acompanhar as lutas ao vivo, o risco
de não dormir é grande por causa da tristeza de não estar mais no meio.
Com esse ar de sinceridade, o simpático e pacato Ricardo Arona também
abriu o jogo sobre outros temas e esclareceu todas as dúvidas em torno
dele.
A seguir, veja a entrevista com Ricardo Arona na íntegra:
Combate.com: Você lutou pela última vez em 2009. Desde então
muito se fala na sua volta. Afinal, você ainda pensa realmente em voltar
a lutar? Isso ainda é possível?Ricardo Arona:
Com certeza. Penso que o tempo em que estou parado também foi
importante para mim, porque nunca parei, sempre treinei e competi desde
meus 14 anos. Mas tive uma fatalidade que atrapalhou muito meus planos,
que foi romper o ligamento do joelho direito naquela luta contra o
Marvin Estmann. Aquilo me deixou um ano e meio parado. Quando fiquei bom
do joelho e voltei a treinar, tive outra lesão. Na verdade, estou
parado em função de lesão, e não por que não quero mais, perdi a
vontade, desinteresse. Nada disso. O motivo é lesão. Depois de 15 anos
de combate, uma hora o corpo... Não tem jeito. Ainda quero voltar e acho
que tenho tempo hábil para isso. Posso também escolher entre lutar de
quimono, lutar MMA, enfim, tenho opções. Uma coisa é certa: vou voltar.
Arona venceu Wanderlei Silva na semifinal do GP, em agosto de 2005 (Foto: Marcelo Alonso)
Houve algum contato do UFC com você nos últimos anos?
De cinco anos para cá fui a três edições do UFC. Em duas delas tive a
oportunidade de conversar com o Dana White. Ele me recebeu muito bem,
ficou muito feliz com a minha presença e até me chamou para uma conversa
depois de uma coletiva de imprensa. Na época (2010) ele disse:
"Ricardo, aqui o pessoal pede muito você". Ele viu também que teve uma
movimentação muito grande dos fãs comigo na Fan Expo. "Ricardo, quando
você quiser voltar, tem lugar aqui no UFC. Mas é interessante para a
gente que você faça uma luta antes em algum evento para você ver como
está. A gente tem um contrato para você". Muita gente acha que tive
problema com o Dana White, mas não teve isso. Minha condição física que
me impediu de procurá-lo para fechar um contrato. O problema é comigo.
Com o UFC está resolvido. Só depende de mim mesmo.
Então, a partir do momento em que você estiver bem, vai procurar o Dana White para fechar com o UFC?
Exatamente. Meu primeiro objetivo é ficar 100% recuperado das lesões. O
segundo é voltar a treinar bem. Com certeza o terceiro vai ser a
competição. Aí vamos procurar o Dana White, vamos procurar o melhor
caminho. De repente pode surgir um ADCC (competição de luta agarrada) no
meio do caminho, o que para mim seria ótimo, pois você dá muito treino
de jiu-jítsu e wrestling, e o gás vai lá para cima. Depois faz um
treinamento de boxe e adapta isso para o MMA. Está pronto. Assim foi o
começo e acredito nesse caminho: jiu-jítsu, wrestling, boxe, MMA. É
ficar 100% e voltar a treinar. O espírito competitivo ainda está bem
vivo. A coisa vai se encaminhar naturalmente.
Em 2015 pretendo estar ativo desde o começo do ano, é meu objetivo. Agora está tudo desenhado certinho para isso"
sobre o esperado retorno às lutas
Hoje você está quantos por cento?
Ainda tenho uma lesão para resolver. Meu problema é lesão. É no joelho
esquerdo, no ligamento. Este ano vai ser para curar essa lesão. Vou
passar por mais um processo cirúrgico nesse joelho e vou me recuperar.
Em 2015 pretendo estar ativo desde o começo do ano, é meu objetivo.
Agora está tudo desenhado certinho para isso.
Você está treinando? Consegue treinar, mesmo com essa lesão?
Consigo treinar jiu-jítsu bem, não na intensidade máxima, mas estou
dando os treinos para os meus alunos. Está tudo correndo bem. Pedalo,
malho, mantenho a condição física de outras formas. Gosto de fazer
escalada, de surfar, então é o tempo todo rolando isso. Agora estou
fazendo um fortalecimento da perna para operar o joelho esquerdo. Tudo
isso faz parte do planejamento que fiz. Planejei tudo para ser rápido.
Estou com uma estrutura bem legal.
Você teve até proposta recente do Bellator, certo?
Tive. Eles andaram me ligando, e nós conversamos. Eles não sabiam da
minha condição, e expliquei para eles. Me disseram que eu tinha espaço
lá e que era para eu procurá-los quando quisesse voltar, porque eles têm
interesse em fechar comigo.
Vontade de voltar a representar o Brasil no MMA é grande (Foto: Ivan Raupp)
Mas sua prioridade é o UFC, né?
O UFC é o ponto máximo da carreira do lutador hoje. Conheço a maioria
dos lutadores que estão ali dentro. É onde eu queria experimentar
voltar. Para mim seria ótimo nem ter essa luta antes. Seria ótimo se o
Dana White fechasse comigo e eu já caísse direto dentro do do UFC, da
maneira como ele quiser, contra quem ele quiser. Ainda acredito que isso
pode acontecer. É só mexer na mídia direitinho quando chegar a hora.
Hoje você lutaria na categoria até 93kg? Ou de repente até 84kg?
Eu peso 94kg desde meus 20 e poucos anos de idade. Sou extremamente
contra perder peso e sempre fui. Prefiro lutar com 93kg, 94kg mesmo. Se o
cara estiver mais pesado, acredito na condição física, no giro da luta.
Eu vou estar descansando e comendo bem. Ele vai estar perdendo peso.
Já imaginou Ricardo Arona x Jon Jones?
Ah, isso já imaginei diversas vezes. Não vou dizer com certeza, mas
está no caminho. Se eu entrar no caminho, vou colidir com ele.
Sinto saudade de tudo dessa época. Eu vivo praticamente todos os dias
relembrando aquilo tudo, o que é importante. Acho que tenho que manter
essa memória viva, porque foram os melhores momentos da minha vida.
Tenho que estar lembrando daqueles momentos para querer tê-los de novo"
sobre os tempos de Pride
Você já foi um dos "caras" de uma geração, e o Jones é "o cara" hoje. Um duelo de gerações, uma luta que certamente venderia.
Seria ótimo. Seria bem legal porque gosto desse tipo de desafio, de
você se provar em algo difícil, contra um cara mais novo, que está na
atividade. Ele é "o cara" do momento. Seria interessante, mas acho que
não dá já para mirar no Jon Jones. Ele está ali, mas a gente tem que ir
galgando e voltar devagar.
O Arona do Pride ganharia do Jon Jones de hoje?
Ah, tenho certeza. Não tenho dúvida. Ainda acho que o melhor caminho
para vencer o Jon Jones é o meu estilo de luta, porque sei trocar em pé,
sou bom de queda e faço um chão de pressão por cima com ground and
pound, mas também com risco de finalização. Com certeza o meu jogo é o
jogo ruim para ele.
Você sente muita saudade dos tempos de Pride?
Sim, muita. Sinto saudade de tudo dessa época. Eu vivo praticamente
todos os dias relembrando aquilo tudo, o que é importante. Acho que
tenho que manter essa memória viva, porque foram os melhores momentos da
minha vida. Tenho que estar lembrando daqueles momentos para querer
tê-los de novo. Então, tem um lado bom, mas também um lado de bastante
sofrimento, aquela coisa de ficar ali pensando. O tempo passa muito
rápido. É complicado, uma coisa que vivo diariamente. Mas no fundo no
fundo eu gosto, porque isso me diz se estou vivo ou não dentro da luta.
O seu retorno virou uma espécie de mito. O pessoal fala muito
nas redes sociais e te trata quase como um Deus. O que acha de tudo
isso?
Fiquei muito surpreso porque, como fiquei afastado um tempo, não tinha
mais certeza de qual opinião as pessoas de dentro da luta tinham sobre
mim. Quando começou a surgir isso, mexeu muito comigo. Essas coisas me
fazem dizer que quero voltar. E acho que, pelo fato de eu ter enfrentado
os caras na época do Pride, de não ter corrido de nada, sempre estar
comprando brigas, isso fez o pessoal olhar para mim como uma referência.
Então, olho aquilo e penso: "Tenho que estar dentro daquilo de novo,
pertenço a isso, não tem jeito". Isso vai mexendo com a minha cabeça.
Fico muito grato e acho muito bom as pessoas me verem como um comandante
naquilo. É como eu gosto de ser visto, mas com respeito, pensando no
trabalho, é lógico.
Ricardo Arona x Wanderlei Silva: antes do anúncio do vencedor (Foto: Marcelo Alonso)
Fazendo uma análise da sua carreira, de qual luta você tem mais orgulho?
A primeira luta contra o Wanderlei foi um marco. Não tem como falar de
outra luta, por toda a história que gerou em cima disso. Mas todas as
lutas foram muito marcantes e intensas. Tenho que me referir a essa do
Wanderlei porque foi a principal, e ele foi um cara que estourou muito a
mídia a favor dele. Falava muito contra os adversários, e essa coisa
mexe muito. Poucos fazem da forma como ele fazia. Ele com certeza foi a
luta mais importante. Era muay contra jiu-jítsu no auge.
E qual foi a sua pior derrota?
Eu tive cinco derrotas no cartel, mas realmente só considero duas. A do
Wanderlei (na segunda luta) eu tenho consciência que ganhei, a do Fedor
também tenho consciência plena, e na do Quinton Jackson eu tive azar,
porque apaguei ele no combate, ele voltou e me deu um bate-estaca onde
me deu uma cabeçada na cara. Não me deu um soco ou um chute. A luta foi
toda minha. Dentro de mim, penso que o venci. Foi uma fatalidade. É como
eu penso. Contra o Shogun e o Sokoudjou eu tive problemas que levaram à
derrota.
O evento, à noite, eu não assisto, porque me faz muito mal. Saber que
estou fora daquilo ali... À noite nem pensar, ou então eu não durmo.
Vejo sempre no dia seguinte, de dia, a reprise"
sobre assistir ao UFC hoje em dia
Quais foram esses problemas?
Contra o Sokoudjou foi fogo porque cheguei muito bem ao Japão, treinado
e forte. No primeiro dia lá eu levei uma cabeçada do Minotauro na boca,
e gerou um corte pequeno que não parava de sangrar. Treinamos, fiquei
cansado e fui dormir. No dia seguinte acordei muito cansado e pensei que
era em função do volume de treinos que eu estava trazendo do Rio. Aí
minha boca voltou a sangrar no mesmo lugar. Fui descansar, mas tive
febre de 39 graus. Fui hospitalizado na época, e o médico disse que eu
não poderia fazer mais nada até o dia da luta. Foi identificada uma
gripe, e começaram a me dar remédio para isso. No dia da luta foi uma
superação enorme para mim, porque estava com 39,5 graus de febre no
vestiário. Como eu estava bem treinado, confiei nisso. Dois dias antes
da luta liguei para minha mãe e contei da gripe, e ela me disse que na
verdade eu estava com dengue, porque o menino que tomava conta da minha
casa estava no hospital com dengue. E não pode tratar dengue com remédio
de gripe. Então, o tratamento no Japão só me piorou. Enfim, entrei
muito fraco. Quando peguei a perna do Sokoudjou e fui dar uma queda,
senti que eu estava muito fraco. Comecei a preparar minha cabeça para
uma luta mais longa e mais difícil. Quando saí da perna, ele me acertou
um golpe no queixo, caí seminocauteado, e o juiz interrompeu. Acho que
Deus me protegeu, porque eu estava sem plaqueta. Se eu tivesse tomado
mais golpes no corpo, poderia ter tido uma hemorragia, e ela não pararia
de sangrar, porque eu não tinha plaquetas. Por isso aquele cortezinho
do primeiro dia no Japão não parava de sangrar. Depois da luta voltei ao
Brasil e fiquei 40 dias internado. A dengue se transformou em
pneumonia. Foi uma superação.
A luta do Shogun foi depois da luta contra o Wanderlei. E contra o
Wanderlei tive um afundamento na perna. É como dar uma martelada na
madeira. Minha perna ficou muito inchada, e foi um espaço de duas horas
entre as duas lutas. Estava doendo muito. A intenção era botar essa luta
para dois meses depois, mas aí houve interesses. Tinha toda uma mídia
em cima. O médico me deu opção de tomar cortisona na perna para
anestesiá-la. Aí tomei seis injeções de cortisona, três de cada lado, e
não senti mais nada. Peguei o Shogun, dei a queda e bati de cabeça. Caí
por cima, mas seminocauteado. Quando abri o olho, vi uma letra no chão e
não estava entendendo nada. Aí vi que eu estava no omoplata e comecei a
entender o que estava acontecendo. Voltei para a luta por cima, mas
tudo que aconteceu depois de bater a cabeça eu via três segundos
atrasado. Eu levava três segundos para reagir aos movimentos dele.
Lembro que ele me deu uma queda idiota. Quem me conhece sabe que eu
nunca caí assim. Foi uma coisa muito estranha. Quando acabou a luta, fui
procurar saber o porquê. O que acontece é que a cortisona, em contato
com a adrenalina, dá essa sensação. Essa derrota foi um grande
aprendizado. Tinha muito interesse. Ninguém me preservou, e eu deveria
ter sido preservado. Era como se eu estivesse bêbado.
Qual dessas derrotas você considera ter sido a mais injusta?
Acho que tanto a do Fedor quanto a do Wanderlei. Foram muito roubadas. Dominei as duas lutas inteiras. Foi ridículo.
Na frente de sua casa no bairro de Itacoatiara,
bem perto da praia (Foto: Ivan Raupp)
Como você via a rivalidade entre Brazilian Top Team e Chute Boxe? De vez em quando passava um pouco do limite?
Na época eu não tinha essa visão, mas depois vi que foi importante para
o evento ganhar notoriedade. Todo mundo queria saber o que estava
acontecendo. Foi tudo a partir desse conflito.
O japonês Enson Inoue publicou
um suposto trecho de contrato do Pride que mostrava que anabolizantes
não eram testados pelo evento, que não havia antidoping para isso. É
verdade?
O que sei sobre isso é que nunca me foi mencionada essa cláusula.
Também não vou te dizer que li aquele contrato todo. Acho que eram umas
10 ou 12 páginas, tudo escrito em inglês. Poderia ter uma cláusula lá
que dissesse isso, embora eu não acredite nisso, pelo tanto que eles
eram profissionais. O evento recomendava para a gente não usar
anabolizante. Não podia. No começo do evento não se falava nisso. O
Pride teve uns 10 anos, e nos quatro primeiros isso não era muito
cobrado. Mas depois houve a cobrança. Não podia usar anabolizante, e se
pegasse era multado. Eu, pelo menos, tinha essa recomendação. Isso foi
cobrado a partir do quarto ano do evento.
De uma maneira geral, você acha que o UFC superou o Pride?
O UFC supera o Pride em termos do que é o esporte hoje. A gente não
pode esconder o crescimento, toda a mídia em cima. A visibilidade hoje é
muito maior. Mas nessa parte do respeito da torcida e tal, acho que
nunca vai ser igual ao Pride. Lá você conseguia ouvir a respiração do
seu adversário porque as 80 mil pessoas presentes ficavam em silêncio.
Acho que tanto a do Fedor quanto a do Wanderlei. Foram muito roubadas. Dominei as duas lutas inteiras. Foi ridículo"
sobre derrotas que considera mais "roubadas"
Você e Wanderlei Silva realmente se odiavam no Pride. Chegou a encontrá-lo depois disso?
Tive um encontro com ele em Las Vegas, no primeiro UFC ao qual eu fui, e
foi a primeira vez em que a gente se falou. Dei de cara com ele lá do
outro lado, depois de anos sem vê-lo, e pensei: "O que será que vai
acontecer?". Ele veio andando na minha direção. Aí me deu aquele choque,
não sabia se teria briga, porque toda vez que a gente se via era assim.
Fiquei na adrenalina, aí ele veio, abriu um sorriso e me deu um abraço.
Falou: "Pô, meu irmão. Está faltando você aqui no UFC, cara. Isso aqui é
para a gente". Fiquei sem palavras, não esperava. Aí ele: "Não tem nada
disso, está tudo certo. Você faz falta aqui". O cara estava todo
aberto, vi que estava sendo verdadeiro, e tudo aquilo virou história
realmente a partir dali. A gente teve um contato sincero. Foi muito bom
vê-lo, e ali a gente quebrou essa barreira.
Depois disso fui encontrá-lo aqui em Itacoatiara. Vieram uns garotos
que eu não conhecia na minha casa e disseram: "Aquele cara contra quem
você lutou está lá na praia. O careca". Aí pensei: "Será que estou
ouvindo direito? Não é possível que o Wanderlei esteja aqui na praia".
Quando cheguei lá, era ele mesmo. Subi na pedra e cheguei por trás para
ele não me ver. Falei: "E aí, rapaz! Está perdido aqui?". Ele virou
assim: "Pô, Arona, vim em paz". Aí falei: "Lógico!". Apertei a mão dele,
e conversamos. Ele disse que estava passando uns dias em Itacoatiara e
tinha entendido por que eu não saía daqui. Falei para ele que se
precisasse poderia me procurar em casa. Enfim, está tudo lá arquivado,
mas hoje todo mundo é profissional. Não tenho nada contra ele. Quero que
ele continue representando a gente. Merece respeito.
Você assiste aos eventos do UFC hoje em dia?
Assisto muito pouco, só às lutas principais. O evento, à noite, eu não
assisto, porque me faz muito mal. Saber que estou fora daquilo ali... À
noite nem pensar, ou então eu não durmo. Vejo sempre no dia seguinte, de
dia, a reprise.
Ricardo Arona com um cinturão antigo que conquistou nos EUA (Foto: Ivan Raupp)
Você falava do seu "octorringue". Como está o projeto de academia aqui na sua casa? O que está faltando?
Essa coisa foi uma brincadeira que fiz porque, na época, fiz um
ambiente que era metade ringue e metade octógono. E ficou bem legal,
porque fazia treinamentos específicos nas duas áreas. Na época a gente
estava em transição do Pride para o UFC, então tinha que ter os dois
tipos de treino. Fiz isso e deu certo, mas acabou. O projeto está assim:
tenho uma sala pronta, onde estou fazendo treinos para pouca gente
ainda. Está sendo muito bom. Aqui é minha casa, e eu a transformei num
QG. Falo QG porque não gosto dessa sigla CT, de centro de treinamento.
Acho que isso foi um modismo. Abriram isso em tudo quanto é lugar. Mas
quem é você que montou um CT? Não sei. O cara nunca competiu, nunca
lutou, nunca foi ninguém, mas tem um CT de MMA. Então, já não gostei
dessa nomenclatura e prefiro usar o QG mesmo, que é o quartel general.
Era assim no Carlson (Gracie), na criação, e é como tem que ser. Então,
esse QG está com uma sala pronta de 100m², onde estou dando os treinos.
Tem saco pendurado e octógono. E o projeto é fazer mais duas salas, cada
uma também de 100m², uma com tatame e outra para treinamento funcional.
Tudo isso está para ficar pronto agora. Falta muito pouco.
Também estou com um projeto em Icaraí. Um amigo meu de infância, o
Bosco, me chamou para fazer uma parceria lá. Montamos um tatame no Clube
Rio Cricket, e vai ter o jiu-jítsu com tradição, estilo Carlson Gracie.
Sempre tivemos esse plano, e já já vai ficar pronto.
Resumindo então: ninguém mais do que o próprio Arona quer ver o Arona de volta?
Exatamente. Vejo que tenho tempo ainda para isso, tenho bagagem também.
Mas tem que ter muita calma. Fiquei muito tempo ansioso, querendo
voltar logo, mas não foi assim. Meu pai teve um problema de saúde grave,
e fiquei um ano me dedicando a ele. Isso atrapalhou nas datas. As
pessoas têm que entender que não dá para julgar. O que está acontecendo é
que quero muito lutar, mas quero passar por todas as etapas de
recuperação primeiro.