Quarenta e quatro anos em 90 minutos.
A vitória por 1 a 0 sobre o Manchester United, na última segunda-feira, pela 36ª rodada do Campeonato Inglês,
não garantiu ao Manchester City o título da temporada, mas foi
acompanhado como tal por torcedores que aguardam desde 1968 para verem
seu clube no topo do país inventor do futebol. Se o gol de Kompany, no
minuto final do primeiro tempo, ainda não foi suficiente para encerrar o
tabu, tornou mais vivo do que nunca um sonho que praticamente seria
adiado por mais uma temporada se o dérbi tivesse acabado com qualquer
outro resultado e levou a loucura a metade de Manchester acostumada a
ouvir calada as celebrações do rival.
Enquanto nas arquibancadas do City of Manchester apenas cerca de 47 mil
pessoas puderam acompanhar de perto o clássico mais importante dos
últimos anos, pubs ao redor da cidade separavam quem vestia azul e
vermelho em espetáculo regado a fanatismo, rivalidade e muita cerveja. O
GLOBOESPORTE.COM se dividiu entre as duas partes de Manchester e
acompanhou no meio da torcida uma partida que começou com otimismo
exagerado dos Red Devils e acabou com uma festa pacífica, eufórica e ao
mesmo tempo precavida de incrédulos citizens.
Torcedores do City comemoram vitória sobre o rival United (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
Clima de clássico só a partir do fim da tarde
Nas primeiras horas da segunda-feira, a impressão era de que a baixa
temperatura em Manchester no fim de semana tinha esfriado os ânimos para
o confronto decisivo. Fosse nos arredores do City of Manchester, do Old
Trafford ou até mesmo em Picadilly Gardens, na área central da cidade,
poucas eram as referências ao confronto, e tudo acontecia como se fosse
um dia normal. Impressão causada, provavelmente, por se tratar horário
comercial.
A proximidade da partida, no entanto, mudou o panorama, principalmente
na parte vermelha da cidade. Se na região Leste, casa do City, o forte
patrulhamento e a ansiedade por uma decisão na qual o clube não
participa há décadas deixava o clima tenso, próximo ao Old Trafford o
que se via era celebração e otimismo. Campeão de 12 dos últimos 18
campeonatos, o United entrava em campo na liderança, e ai que de quem
ousasse levar em consideração a possibilidade de um revés.
Fila em busca de ingressos para o clássico (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
No Bishops Blaize, tradicional ponto de encontro dos Red Devils,
torcedores começaram a se aglomerar por volta das 17 horas em reunião
que mais parecia uma celebração protocolar do que corrente positiva para
o clássico. Com fotos de jogadores espalhadas por todos os cantos e
imagens de duelos contra o City em telões que transmitiam o canal
oficial do clube, torcedores comemoravam, entre um gole e outro, o
título que, para eles, era iminente.
Cantos como “Campeones, campeones, ole, ole, ole” e “O City vai morrer,
o City vai morrer, nós vamos matá-lo” eram entoados em alto e bom som,
além de ovações a ídolos como Giggs, Rooney e, principalmente, Paul
Scholes. Nesta lista, a presença de um ex-Red Devil chamou a atenção:
Cristiano Ronaldo. Mesmo no Real Madrid, o atacante era exaltado com
gritos de “Viva Ronaldo”. Atmosfera que em nada transparecia tensão ou
precaução com os 90 minutos que viriam a seguir. Bem oposta ao que se
viu no outro lado da cidade.
Tensão durante a partida (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
Pub próximo ao estádio avisa: "Só torcedor do City"
Faltando exatos três minutos para bola rolar, a movimentação ao redor
do City of Stadium era praticamente nula e se resumia a presença de
insistentes torcedores em busca de ingressos em bilheterias com placas
que informavam: bilhetes esgotados para temporada 2011/2012. Os minutos
se passaram e a apreensão estava no ar. Com o estádio lotado, as ruas
eram tomadas basicamente por policiais e ambulantes, enquanto quem
“sobrou” já tinha ocupado seu devido lugar no pub mais próximo.
A menos de 200 metros entrada principal da casa do City, o mais famoso
deles, o Mary D´S, não cabia mais ninguém. Na entrada, o aviso: “Aqui,
somente torcedores do City”. A mensagem poderia ser complementada: “E
sem problemas de coração”. Afinal, não era necessário passar muito tempo
para ficar evidente o clima de nervosismo e apreensão.
Entrada do estádio somente com policiais.
Torcedores, no pub (Foto: Cahê Mota)
Com monitores espalhados por todo o ambiente, poucos eram os torcedores
que conseguiam acompanhar a partida por inteiro. O entra e sai era
constante, mas não entre fumantes ou novos clientes: era realmente comum
que muitos dos citizens deixassem o local apenas para “tomar um ar”.
Nem mesmo o amplo domínio da equipe em campo acalmou os torcedores, que
encontraram uma maneira de extravasar a tensão: comemorar tudo que
acontecia em campo. Fosse escanteio, desarme ou até mesmo apenas um
lateral, toda jogada a favor do time azul era acompanhada de gritos de
celebração. Até mesmo a presença de Maradona no estádio foi exaltada,
com gritos de “Diego, Diego, Diego”, assim que o argentino apareceu na
TV.
Entre os homenageados, porém, ninguém superou Roberto Mancini. Se
cantos ofensivos ao rival eram os preferidos, ninguém foi mais
ovacionado que o treinador. A todo instante ouvia-se: “Mancini, ôo!
Mancini, ôooo. Ele veio da Itália, para treinar o City, Mancini, ôo”, no
ritmo da música “Volare”. Em campo, porém, a equipe tinha dificuldade
em transformar a superioridade em gols até o minuto final do primeiro
tempo.
Torcedores do City comemoram gol de Kompany (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
Bola na rede, liderança na tabela e tabu na mente
Como vinha sendo costume durante todos os 44 minutos anteriores, os
torcedores comemoraram quando a zaga do United jogou para linha de fundo
cruzamento de Nasri, aos 45. Na cobrança, David Silva encontrou
Kompany, na pequena área, para cabecear, balançar a rede e fazer chover
cerveja no Mary D´S. No auge da empolgação, um torcedor agachou-se,
colocou a mão na cabeça e gritou para um amigo em frente:
- São 44 anos! São 44 anos!
Eu não acredito! Eu não acredito!"
Torcedor do City após a vitória
Nunca, desde 1968, quando levantou o último de seus dois títulos
ingleses, o troféu esteve tão próximo novamente. Em vantagem, muitos
torcedores optaram por não acompanhar o segundo tempo, e apenas
observavam as reações enquanto bebiam do lado de fora do local. Os
remanescentes já não demonstravam tanta apreensão como na primeira etapa
e se dividiam entre gritos de “vamos ser campeões” e ofensas a cada
imagem em close dos rivais na TV. O alvo preferido: indiscutivelmente
Alex Ferguson.
E foi exatamente o embate entre o mais amado e o mais odiado o ponto
alto do segundo tempo. Por volta dos 30 minutos, De Jong fez falta dura
em Welbeck e provocou a ira de Ferguson. Ao reclamar, o treinador
escocês se virou para o italiano do City, que respondeu com as mãos,
como se dissesse: “Você fala muito”. Foi a senha para o pub pegar fogo e
voltarem os gritos de “Mancini, ôo” acompanhados pelo gesto realizado
segundos antes pelo treinador.
A falta de poder ofensivo do United não impediu que os minutos finais
fossem acompanhados com tensão por torcedores com mãos na cabeça e olhar
estático. Nada, porém, foi capaz de evitar a festa: faltam apenas 180
minutos para que a espera de 44 anos tenha fim. Ao apito final, abraços
coletivos tomaram conta do Mary D´S, e o mesmo torcedor que lembrou o
tabu no momento do gol de Kompany resumiu o sentimento azul:
- Eu não acredito! Eu não acredito! - gritava, enquanto abraçava um amigo aos prantos.
Telão exibe lances de vitórias do United sobre o City (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
Sentado em um canto do bar, Bobby McDonald era um dos poucos citizens
em condições “normais” após o apito final. Aos 43 anos, ele nunca viu o
time do coração ser campeão e sintetizou o sentimento dos companheiros
em depoimento otimista.
- Estamos esperando há muito tempo por isso. Há muito tempo. Eu
acompanho o City há 30 anos e nunca vivi um momento como esse. Vai dar
tudo certo. Já não tenho nem mais unhas para roer. Definitivamente,
agora somos os favoritos e não vamos deixar escapar. São dois jogos e o
título será nosso.
A confiança de Bobby só poderá se tornar certeza no próximo dia 13 de
maio. Antes disso, o City encara Newcastle, fora de casa, e QPR, no City
of Stadium, para manter a vantagem no saldo de gols diante do United,
que tem pela frente o Swansea, no Old Trafford, e visita o Sunderland.
Balotelli não jogou, mas torcedor lembrou dele no pub (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)