Atual número 1 do mundo no jiu-jítsu planeja estrear no MMA em agosto
Gabi Garcia revela três convites para lutar. Ela diz que
fãs imploram por luta contra Ronda Rousey: 'Em todo lugar que vou, só
querem falar sobre isso'
Por Klima Pessanha
Rio de Janeiro
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Gabi Garcia em momento raro fora dos treinos
de jiu-jítsu ou MMA (Foto: Arquivo Pessoal)
Os fãs já se acostumaram a ver brasileiros campeões mundiais de
jiu-jítsu em ação no MMA, como Ronaldo Jacaré, Demian Maia, Roger
Gracie, entre outros. Com as mulheres, entretanto, essa transição é
praticamente inexistente. Principal expoente da arte suave feminina no
momento, Gabi Garcia quer mudar essa história. Oito vezes campeã do
mundo - quatro na categoria acima de 74kg e quatro no absoluto -, ela
agora traçou novos desafios para si mesma e já sonha em lutar no UFC.
Ir para o MMA não era um dos objetivos da atleta de 1,87m e que já
chegou a pesar mais de 100kg. Justamente pelo porte físico, seria
difícil conseguir lutas nas artes marciais mistas. Mas aos poucos Gabi
percebeu que seria possível. Mudou radicalmente os hábitos alimentares e
hoje apresenta um corpo mais atlético. O sucesso assombroso no
jiu-jítsu, além de duas conquistas no ADDC, começou a render convites
para o MMA. E a atleta que representa a Alliance e o Corinthians decidiu
assumir esse desafio. Para deixá-la na ponta dos cascos, uma equipe de
mestres formada por Fabio Gurgel (jiu-jítsu), Washington Silva (boxe),
Fernando Maestro (muay thai) e Edson Gonçalves (MMA em geral).
Em entrevista ao Combate.com, Gabi Garcia contou um pouco sobre a
grande mudança que aconteceu na sua vida e a dificuldade e os conflitos
diários da perda de peso. Ela também fez uma análise sobre o nível
técnico do jogo de solo no MMA feminino atualmente e disse que Ronda
Rousey não teria colecionado tantas chaves de braço para o currículo
caso as principais brasileiras do jiu-jítsu já estivessem no UFC.
Confira o bate-papo:
Combate.com: Você tem postado fotos mostrando que já está
treinando a parte de trocação. É um indício de que você vai mudar para o
MMA em breve ou ainda é só uma fase de experimentação?Gabi Garcia:
Ano passado eu ganhei o meu oitavo título mundial, o quarto no
absoluto, e eu vinha ganhando tudo, vivendo uma fase boa desde a última
derrota. Eu amo jiu-jítsu, treino jiu-jítsu todos os dias, mas eu queria
uma nova experiência, um novo desafio na minha vida. Na verdade eu
sempre fui grande e tal e acha que seria difícil entrar no MMA por causa
da categoria e tudo mais. Então, eu fui para a China lutar o ADCC, fui e
voltei com ele no mesmo voo... Eu sempre fui uma pessoa que não cuidava
da alimentação, fazia (dieta) muito radical, depois subia e baixava... E
decidi que vou levar uma vida mais saudável, manter a dieta, mesmo
sendo uma peso-pesado. Eu também queria aprender coisas novas, tanto no
jiu-jítsu quanto em outras artes. Aprender boxe, muay thai... Queria
tirar 2014 para aprender. Só que isso foi se tornando algo maior, pelo
nome que tenho até. Eu não tinha pretensão de lutar (MMA), mas agora já
surgiram lutas para mim. Então, não estou apenas treinando, virou para
mim um desafio. Vou lutar mesmo este ano.
Gabi Garcia vem treinando chutes para elevar técnica no MMA (Foto: Arquivo Pessoal)
E já tem alguma previsão para essa estreia?
A data vai depender de mim, pois quero entrar para lutar bem treinada,
quero entrar confiante porque... Todo mundo me pergunta: "Gabi, de onde
vêm suas vitórias?" É da minha confiança. Quando piso no tatame, tenho
confiança de que ninguém treinou mais do que eu. E quero ter isso no
MMA. E por isso eu achava que era fácil, pois sou a "Gabi casca grossa",
como dizem, porque gosto de treinar, gosto de lutar. Mas quando comecei
a treinar MMA, boxe e muay thai, é muito difícil. Eu digo que essas
pessoas que estão no MMA são muito guerreiras, pois tomar soco na cara
não é para qualquer um. Então, não é só na hora da luta, o treinamento é
muito difícil. Estou tendo muita dificuldade de aprendizado na parte de
andar do boxe. Eu achava que os movimentos de chute seriam ruins para
mim, por eu ter a perna pesada, mas é algo que estou descobrindo que
está muito legal. Alguns organizadores de evento vieram conversar
comigo, com meus técnicos, e falaram que têm a luta. Só que eu quero
estar pronta. Não adianta dizer que vou lutar em abril, em junho e não
estar pronta. Mas provavelmente será em agosto, é uma data que está nos
nossos planos, nos planos dos organizadores. Vou fazer esse desafio na
minha carreira. Pode ser que eu engrene no MMA, mas pode ser também que
não seja isso, mas está valendo a pena esse novo aprendizado.
Gabi Garcia já chegou a pesar 125kg e agora
mostra o corpo sarado (Foto: Arquivo Pessoal)
Você machucou o joelho esquerdo na semana passada. Essa lesão vai atrasar os seus planos para estrear no MMA?
Isso é até legal de falar porque o atleta se cobra muito. Eu venho em
uma fase da minha vida em que estou de dieta constantemente e não estou
fazendo nada de absurdo para ficar com o corpo que estou. E antigamente
eu fazia várias loucuras para ficar com o corpo legal, já que a
tendência da família é engordar. Se eu parar agora... Eu sou muito
ansiosa, eu começo a comer, e isso é muito ruim. Minha preocupação,
quando me machuquei na sexta, era parar de treinar. E as pessoas falar:
"Ah, Gabi, mas você treina demais, isso foi overtraining". E na verdade o
treino para mim é um escape de todos os problemas que tenho, da minha
ansiedade. Então eu tenho que lutar contra a balança. Quando me
machuquei, fui para o hospital e o médico veio me dar o remédio, o soro,
eu perguntei se me faria inchar. Na verdade, foi um descuido no treino
que acontece. Eu nunca tinha me machucado gravemente nesses 21 anos de
carreira, nunca passei por uma cirurgia séria. No primeiro exame tinha
dado que era no menisco, e no exame que fiz segunda-feira deu que era
uma lesão no ligamento colateral do posterior, mas não é tão grave e
posso continuar treinando, com fisioterapia três vezes por semana.
Quando saiu o laudo eu já estava treinando escondida, treinando a parte
superior. Meu medo era parar de treinar. Isso só me mostrou que a gente
tem que ter a cabeça boa e que não estou com a cabeça tão boa neste
momento. Me bateu um desespero, pois a gente depende muito do corpo, e
quando veio o resultado do laudo eu fiquei mais tranquila e sabendo que
posso treinar.
Então pode-se dizer que a data de estreia não mudou?
A previsão era agosto mesmo. Não tem como ser antes, eu não vou estar
pronta tecnicamente para lutar. Vou lutar em abril o Abu Dhabi Pro,
evento de jiu-jítsu que sou a dona do cinturão, isso era uma coisa que
me preocupava também, mas vou lutar (MMA) em agostou ou setembro, não
atrasou a minha estreia.
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o que a gente quer é que abra a categoria no UFC e em eventos grandes.
Então, vou tentar baixar o máximo que eu conseguir, estou nessa luta
diária. Está sendo muito difícil, mas acho que vai valer a pena"
Gabi Garcia, número 1 do mundo no jiu-jítsu
Os convites são para lutar no Brasil ou no exterior?
Um evento do Brasil, um que vai acontecer no Japão e um nos Estados
Unidos. Mas quero primeiro fazer umas lutas no Brasil antes de ir lá
para fora.
Hoje temos poucas lutas de MMA feminino nos principais eventos
acima do peso-leve (até 70,8kg). Com 1,87m e muita força física, até que
categoria você conseguiria chegar?
Lá fora tem bastante luta entre meninas mais pesadas, isso a gente já
estava correndo atrás. Eu sempre fui grande. Eu brinco que nunca fui
pequena, e sim que eu era criança (risos). Se eu ficar muito magra,
muito seca, vou ficar com uns 90 quilos. No máximo uns 85 ou 86kg é o
que consigo chegar fisiologicamente. Estou tentando baixar o máximo que
eu conseguir. Tem meninas pesadas lá fora, tem eventos com meninas
pesadas. Mas o que a gente quer é que abra a categoria no UFC e em
eventos grandes. Então, vou tentar baixar o máximo que eu conseguir,
estou nessa luta diária. Está sendo muito difícil, mas acho que vai
valer a pena.
Você citou que poderia chegar a 85kg. O limite do peso-médio é 84,4kg. Nessa categoria daria para lutar?
Hum... Eu vou tentar, eu vou tentar. Há um tempo já que estou em uma
dieta muito rígida e estou sentindo um pouco essa dieta, mas quero
começar a treinar perto do peso que eu vá lutar. Porque não adianta eu
treinar de um jeito agora e na luta chegar com outro peso, me sentir
fraca. Foi até o que aconteceu com o Roger Gracie e com outros atletas
que baixam de categoria. E não é isso que eu quero. Quero me adaptar a
um peso e ficar nesse peso. No jiu-jítsu já mudou muito, estou muito
mais rápida, com muito mais agilidade, estou me sentindo muito. Para o
muay thai também. Mas eu tenho que chegar no meu mínimo de peso e vai
ser difícil. se eu não chegar no peso-médio, tem a categoria de cima
(meio-pesado), onde até a Amanda Lucas, a filha do George Lucas
(cineasta americano), é dona de um cinturão. A última menina que me
ganhou já tem 16 lutas no MMA e é peso-pesado. Tem bastantes meninas lá
fora, e o que a gente quer mostrar é que tem atletas para lutar.
Treino duro para Gabi Garcia chegar ao nível físico que deseja (Foto: Arquivo Pessoal)
No MMA masculino há muitos brasileiros faixas-pretas campeões mundiais e isso não aconteceu ainda com as mulheres. Por quê?
Para a mulher é tudo mais difícil, né? Eu gosto muito de lutar, de me
desafiar. Não tenho medo de perder, isso eu aprendi muito na vida. Acho
que essa transição... E tem o medo. Eu também tenho medo. Hoje eu posso
me dar ao luxo de lutar MMA porque eu tenho os títulos que eu queria
ter. Então, posso tirar este ano para me dedicar ao MMA. E nos próximos
anos, se não der certo, eu posso voltar e continuar minha carreira no
jiu-jítsu. Mas acho que essa transição (das lutadoras de jiu-jítsu) vai
acontecer porque está explodindo agora o MMA feminino. Mais para frente
as meninas vão para o MMA, conheço várias que já estão treinando. A
Talita Treta... A Michelle Nicolini vai lutar. Muitas meninas estão
indo, e isso vai ser uma consequência.
Você tem conversado com colegas de academia? Há outras meninas interessadas em ir para o MMA?
Ando conversando, sim, com bastante gente, até tentando convencer
algumas (risos). Mas muitas não querem e preferem seguir só o caminho do
jiu-jítsu. O que dá certo, pois eu consigo viver do jiu-jítsu. Mas para
mim é um desafio pessoal. Não pelo dinheiro, embora eu saiba que paga
mais, mas eu consolidei o meu nome dentro do jiu-jítsu e poderia
continuar, fazer minha carreira. No entanto, é um desafio para eu lá
frente sentir aquela vontade de vencer um Mundial de novo, lutar de novo
jiu-jítsu, ou vou me dar bem no MMA e lutar no UFC. Porque hoje em dia o
que está na minha cabeça é ganhar um cinturão do UFC e nada tira isso
da minha mente. É do sonho de cada um. Eu vejo lá na academia as meninas
falando de MMA e parece que está aflorando em todas essa vontade. Eu já
comecei a treinar. Na hora que tiver a oportunidade, vou lutar.
Gabi Garcia entre o ex-presidente do Timão Andres
Sanches e Anderson Silva (Foto: Arquivo Pessoal)
O que você acha do jiu-jítsu aplicado no MMA feminino? O nível técnico está bom?
Olha, eu não estou achando (risos). Não estou achando. Não sei se são
as lutas que são casadas para isso, mas tem muita menina boa de
jiu-jítsu que, se treinasse trocação, daria muito mais trabalho. Acho
que estão faltando meninas boas, graduadas, que venham do jiu-jítsu para
fazer frente. Na minha opinião, se a Ronda lutasse contra uma Luana
(Alzuguir), a Michelle Nicolini, a Kyra Gracie, que são mais ou menos do
peso dela, ou até contra a Cris (Cyborg), seria outra luta. Estou
achando muito ruim o nível técnico nas lutas de MMA do UFC. A Ronda vem
do judô e aplica a chave de braço, que também tem no judô, mas estão
faltando meninas aí... Acho que daqui a pouco a gente vai acabar
migrando e vai ser o diferencial.
Falando na Ronda, ela é atualmente a atual estrela do MMA
feminino e é conhecida uma chave de braço até hoje indefensável. Você já
parou para analisar esse golpe dela? Qual é o antídoto?
Vou te falar que toda luta que vejo da Ronda, ela comete muitas falhas.
Mas ela nunca pegou uma menina muito boa de jiu-jítsu. Ela dá muito as
costas quando vai quedar. A Ronda tem uma queda muito boa, mas dá muito
as costas. Aquela chave de braço é um golpe que ela realmente executa
muito bem, mas se ela pegar uma menina do jiu-jítsu... Todo mundo me
cobra para lutar com ela, mas não vai existir essa possibilidade (por
causa da diferença de peso). Em todo lugar que eu vou, é só sobre isso
que as pessoas querem falar. Não vai ser possível, mas existem outras
meninas que acho que, se conseguirem treinar, vão lutar bem com ela. No
momento, não vai ter uma menina que lute e ganhe da Ronda pela
experiência e por tudo que ela está fazendo. E nem tirar os méritos
dela. Eu, como fã de MMA feminino, gostaria muito de ver Ronda contra
Cris Cyborg. Acho que essa chave de braço nem ia acontecer (risos). Só
(luto contra a Ronda) se ela quiser. Se ela quiser uma luta casada em um
peso que eu consiga bater, aí eu luto com ela. Se ela quiser lutar um
dia comigo, estou totalmente à disposição.
Acredita que ela se daria bem no ADCC?
Olha... Não (risos). Ela poderia fazer frente com algumas meninas, mas
se pegar uma Luana Alzuguir, uma Michelle Nicolini, uma Beatriz
Mesquita, ela não se sairia tão bem assim, não.