Royce Gracie conta que desafios na garagem o prepararam para UFC 1
Vinte anos depois, campeão da primeira edição do evento
conta que teve orelha mordida na final e que não conseguia mais assistir
após se aposentar
Por Adriano Albuquerque e Ivan Raupp
Las Vegas
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Há exatos 20 anos, no dia 12 de novembro de 1993, um rapaz magro e alto
chamado Royce Gracie espantava o mundo ao derrotar, na mesma noite,
três lutadores de diferentes artes marciais para se sagrar o primeiro
campeão do Ultimate Fighting Championship, ou UFC, como mais tarde
ficaria famoso o evento que mistura diferentes estilos de luta dentro de
um octógono. Seu triunfo foi um assombro para pessoas que acreditavam
que o boxe tinha os maiores lutadores do mundo, ou para os que achavam
que músculos eram essenciais para se vencer uma luta. Todavia, para
Royce, o título no torneio que revolucionou as artes marciais era algo
esperado e corriqueiro. Ele já estava acostumado a enfrentar homens
maiores e dos mais diferentes tipos de combate na garagem da casa de seu
irmão mais velho, Rorion, em Los Angeles.
Royce Gracie tem o braço erguido apos vencer o UFC 1, há 20 anos (Foto: Arquivo Pessoal/Jose Fraguas)
- Eu já estava me preparando há anos, bem antes…Quando eu vim para os
Estados Unidos, tinha vários alunos que, no tempo da garagem ainda,
antes da academia, vinham, "Aqui tem um primo meu faixa-preta de caratê,
eu estava falando sobre vocês, ele não acredita…" Não tem importância,
ele não acredita? Traz ele aqui, a gente mostra para ele. Era quase que
um desafio, mas sob controle. Mas com a intenção não de bater - um
desafio seria com a intenção de bater nele. Era mais para conquistar o
cara, para fazer: "Esse aqui vai virar aluno nosso". Na garagem, dando
aula particular, toda hora tinha um aluno novo, pegava, entrava, dava
aula de meia hora, saía, entrava outro. Não parava, o dia inteiro. Na
garagem, já volta e meia, aparecia um querendo testar. Mas a intenção
não era ganhar, era conquistar o aluno. No UFC, já foi diferente: vamos
mostrar ao mundo a eficiência do jiu-jítsu Gracie - conta Royce.
Vinte anos depois de sua histórica conquista - o primeiro de três
títulos em quatro eventos e o início de uma série de 11 vitórias
consecutivas - Royce Gracie recebeu o
Combate.com em um
hotel em Las Vegas para lembrar como ele foi escolhido para representar
sua família no primeiro UFC, como se desenrolou o histórico torneio, e
como ele se sentiu após ser retirado da organização quando Rorion Gracie
vendeu sua parte na companhia, após o quinto campeonato.
- Sempre que passava, eu não conseguia nem assistir. Não conseguia nem assistir, com vontade de estar lá - confessou.
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Confira a entrevista na íntegra abaixo:
Royce Gracie atualmente viaja pelo mundo dando
seminários de jiu-jítsu (Foto: Ivan Raupp)
COMBATE.COM: Quando você soube pela primeira vez que seu irmão
estava criando um torneio para decidir qual era a melhor arte marcial do
mundo, e o quanto você esteve envolvido no desenvolvimento dessa ideia?
Royce Gracie: O Rorion sempre teve a ideia de trazer o
que meu pai criou, o que minha família criou no Brasil, para os Estados
Unidos. Vamos voltar um pouquinho? No Brasil, começou como se fosse uma
busca - meu pai, meus tios, meus primos queriam saber qual era a melhor
arte marcial. Não era para desafiar todo mundo, que a gente era casca
grossa e queria bater nos outros… Era uma busca. Você diz que o seu é
bom, eu digo que o meu é melhor, vamos ver qual é o melhor. Quando o
Rorion veio para os Estados Unidos, cada um dizia que seu estilo era
melhor, então continuamos a busca aqui. "Para. Você diz que o seu é
melhor, eu digo que o meu é melhor!" Com o passar do tempo, o Rorion
resolveu trazer a ideia, botar isso em público, na televisão. Muita
gente foi contra. Muita gente… "Você está maluco, rapaz? Como é que você
vai botar dois caras brigando - que é proibido brigar na rua nos
Estados Unidos - vai colocar dois caras brigando na televisão ao vivo?
Não há condição!" (Risos)
Você assistiu aos vale-tudos da família antes de vir para os
Estados Unidos. Por que você veio para os EUA? Foi por um sonho de ser
lutador?
Sempre assisti aos vale-tudos no Brasil e sempre cresci dentro da
família com aquela vontade. "Quando é que vai ser minha vez? Posso fazer
também?" (Risos) Quando eu vim para os Estados Unidos, eu vim mais para
ajudar o Rorion, não só para ajudar a tomar conta dos filhos dele, que
precisavam de uma ajuda, uma babá (risos), mas para ajudar a dar aula
também, que ele fazia três dias por semana aula na garagem e três dias
ele trabalhava no cinema. Os dias que ele ia para o cinema, eu comecei a
dar aula na garagem também, aula particular. Mas vim para ajudá-lo, não
vim para os Estados Unidos com a intenção de virar lutador. Mas a
intenção sempre existia, desde o Brasil, desde que eu comecei a ver meus
irmãos, meus primos lutando, sempre tive a vontade de fazer também.
Como você ficou sabendo que seria o representante da família no UFC 1?
Quando ele começou a montar o show, que ele conseguiu juntar o pessoal
que ia fazer junto com ele, quando já estava mais ou menos todo o
esquema montado, só faltava começar a produção, foi quando ele me
chamou. Falou, "Aí, vou botar você, o que você acha?" Eu falei, "Era a
hora que eu estava esperando, era a chance que eu queria. Eu quero me
testar também."
Rickson (esq.) era tido como o melhor lutador da
família (Foto: Arquivo Pessoal/Jose Fraguas)
Você se surpreendeu em ter sido escolhido em favor do Rickson, que estava aterrorizando todo mundo no Brasil?
Não fiquei surpreso que ele me escolheu ao invés do Rickson. Todo mundo
na família é bom. O Rickson, na época, era o melhor da família. Mas, eu
também quero a minha chance, eu também consigo, quero mostrar o que eu
tenho! Não é só porque ele é o melhor que eu vou deixar… Deixa eu
mostrar também, deixa eu fazer.
Quanto tempo você teve para se preparar para o UFC 1? Como você se preparou?
Para me preparar para o UFC 1, teve mais ou menos uns quatro ou cinco
meses. Quando ele falou, "Você que vai fazer, está tudo esquematizado,
vamos começar a produção agora, vamos encaixar o quebra-cabeça todo,
você que vai representar e entrar lá". Foram quatro ou cinco meses. Mas
depois disso, a cada três ou quatro meses tinha um UFC de novo, então
ficava… Mas eu já estou me preparando há anos, bem antes…Quando eu vim
para os Estados Unidos, tinha vários alunos que, no tempo da garagem
ainda, antes da academia, vinham, "Aqui tem um primo meu faixa-preta de
caratê, eu estava falando sobre vocês, ele não acredita…" Não tem
importância, ele não acredita? Traz ele aqui, a gente mostra para ele.
Era quase que um desafio, mas sob controle. O seu técnico de judô, de
luta olímpica, não acredita? Acha que isso aqui não vale nada? Manda ele
vir aqui, a gente faz uma brincadeira. Mas com a intenção não de bater -
um desafio seria com a intenção de bater nele. Era mais para conquistar
o cara, para fazer: "Esse aqui vai virar aluno nosso". E aconteceu
várias vezes. Um amigo de um aluno, um parente de um aluno, que vinha,
que trazia para ver a aula, e dizia que treinava caratê, ou kickboxing,
ou kung fu. Mas para conquistar o cara, em vez de quebrar a cara dele,
de jogar ele no cimento, mais para ganhar um aluno.
Então os primeiros UFCs foram dentro da garagem, né? Claro, os primeiros foram ainda no Brasil…
Já no Brasil, o conceito veio dessa busca, a gente queria saber qual
era o melhor estilo de arte marcial. Já começou no Brasil, do Brasil o
Rorion trouxe o conceito para os Estados Unidos. Na garagem, dando aula
particular, toda hora tinha um aluno novo, pegava, entrava, dava aula de
meia hora, saía, entrava outro. Não parava, o dia inteiro. Na garagem,
já volta e meia, aparecia um. Volta e meia vinha um querendo testar. Mas
a intenção não era ganhar, era conquistar o aluno. No UFC, já foi
diferente: vamos mostrar ao mundo a eficiência do jiu-jítsu Gracie.
Qual era sua estratégia para o torneio? Como era sua mentalidade entrando naquele UFC 1?
A estratégia para o UFC 1, não só para o 1, mas até o 4, que era
torneio, é difícil, porque você não sabe com quem você vai lutar. O UFC 1
eram oito lutadores, então eu tenho que me preparar para os outros
sete. Eu não sei com quem eu vou lutar até um dia antes - um dia antes é
o sorteio. O UFC 2 foram 16 lutadores, foram quatro lutas. Então, de
novo, não sei mais, tenho que me preparar para todo mundo. Mas o estilo
de um carateca para um kickboxer para um boxer para um taekwondo é mais
ou menos o mesmo, os caras são briga de soco, em pé. Os caras vão trocar
em pé, ninguém sabia chão nessa época. E o judoca e o luta livre
olímpica sabem o chão, mas não eram tão eficientes na parte em pé. A
estratégia mudava um pouquinho de um para o outro, do cara que fazia a
luta em pé pra quem fazia a luta no chão.
Nessas lutas na garagem, você alguma vez se lesionou?
Nunca (risos). E era bem controlado, até como o UFC 1. Antes de entrar,
meu pai me chamava e dizia, "Meu filho, não bate nos caras". Não bate
nos caras, a ordem era essa. "Ganha limpo, ganha sem arrebentar a cara
de ninguém, pra mostrar a eficiência". Aí a hora que eu voltava, eu
falava, "Poxa, pai, assim não vale! Você bateu em todo mundo que você
lutou, mandou todo mundo para o hospital! Eu não posso bater?" Aí ele
falava, "Meu filho, os lutadores da minha época eram burros! Eram
grandes e burros. Eles caíam por cima de mim, eu batia neles e dizia,
Sai de cima de mim! Sai de cima de mim! E os caras não saíam. Se eles
tivessem me escutado, não precisava apanhar tanto…"(risos)
Antes de entrar, meu pai me chamava e dizia, 'Meu filho, não bate nos
caras.' Não bate nos caras, a ordem era essa. 'Ganha limpo, ganha sem
arrebentar a cara de ninguém, pra mostrar a eficiência'"
sobre pedidos de Hélio Gracie
Você falou que o sorteio das chaves era feito na véspera, como
hoje acontece a pesagem… Na época não tinha peso, era o sorteio. As más
línguas dizem que as chaves eram sorteadas de forma a evitar que você
pegasse os caras mais duros no começo do torneio. Existe alguma verdade
nisso?
Totalmente mentira. Se você notar, o UFC 1, o UFC 2, o 3 e o 4, eu fui o
último homem da chave. Os sorteios foram sempre feitos, mas eu sempre
caí como último da chave, pra ninguém poder reclamar que, enquanto a
primeira luta acontece, então ele vai descansar todas as outras lutas,
até voltar a ele de novo. Eu sendo o último, a última pessoa, tenho
menos tempo, que acontece a chave, fica mais curta, então volta mais
rápido. O tempo de descanso é menor. Então o Rorion sempre casava as
lutas, mas me botava como último, pra ninguém poder falar nada que ele
me puxou para cima, para poder descansar mais. Sempre fui o último da
chave. E as chaves eram feitas na frente de todo mundo. Não era em porta
fechada e ele escolhia, era tipo uma conferência pra imprensa, com os
lutadores, todo mundo ali, tira o nome, bum, você vai aqui. Vai lutar
com, botava a mão no saquinho com você. Rodava, rodava, mexia, não tem
como enganar isso.
E teve muito chororô dos outros lutadores em cada torneio que você lutou?
A reclamação dos caras no começo era mais com negócio de regra. Aí
tinha uns que diziam, "Não é meu estilo de arte marcial"… "Meu estilo de
arte marcial vale morder". Meu amigo, morder não vale, a única coisa
que não vale é morder e dedo no olho. "Pô, mas no meu estilo, vale botar
o dedo no olho, por que eu não posso usar isso?" A reclamação era mais
ou menos por causa disso. Era besteira, porque a luta era limpa, não
tinha regra. "E se eu quiser botar uma atadura na mão?" Pode botar o que
você quiser, rapaz.
Como era o clima nos bastidores? Tinha muito nervosismo no ar? O clima esquentou entre os lutadores em algum momento?
O clima nos bastidores era time mesmo, eu não falava com adversário,
não queria nem conversa. Às vezes, eles vêm, "Oi, vou lutar com você?
Prazer!" Vou lutar contigo, vou ser seu amigo? Não tem conversa contigo.
Conversamos depois da luta. O clima estava fechado, mas não tem
empurra-empurra, não tem "vamos lá bater nele antes da luta"… Se bater
nele antes da luta, eu não ganho! (risos)
Mas você esbarrava com eles no hotel? Como era isso?
Na minha mentalidade, no meu ponto de vista, eles não existem. Então eu
passava pelos caras sem… Ignorava os caras, eles não existem. Não está
ali.
Alguém tentou te intimidar no meio do caminho, antes do torneio?
Não, nunca ninguém tentou me intimidar.
Como era a arena, os vestiários? Você tinha um espaço só pra você ou dividia com os outros lutadores?
Tenho quase certeza que meu time sempre pegou um quarto, isso foi uma
coisa que eu sempre exigi. Meu time tinha que ficar numa sala separada.
Mas, geralmente, dependendo do espaço, não me lembro direito, mas parece
que alguns lutadores tinham quarto próprio e tinham alguns que estavam
juntos, dividindo o vestiário.
Irmãos
Gracie entram para homenagem a Hélio no primeiro UFC: entrada em
'trenzinho', com cada um colocando as mãos no ombro do outro, virou
lenda (Foto: Arquivo Pessoal/Jose Fraguas)
Como surgiu o famoso "trenzinho Gracie", que foi a sua entrada no UFC 1?
Cara, como surgiu isso, eu nem me lembro isso! Só sei que, na hora de
sair, os caras botaram a mão nos ombros, botei a mão no ombro do meu
irmão que estava na minha frente, baixei a cabeça… Isso significa a
união, a força, todo mundo junto. Um suporte da família toda.
Quem estava contigo naquele dia?
Meu pai, o Rickson, Royler, Relson, Rolker, os irmãos todos.
Menos o Rorion…
O Rorion era o promotor, então ele não podia se envolver, não podia se misturar. Tinha que ficar à parte.
O Rorion falou contigo antes de o torneio começar, ou no dia anterior, pediu alguma coisa para você?
Não, essa conversa assim, não. Ele sabia separar bem. O Rorion sempre
separou. Sempre fui protegido por ele, por um lado, cresci nos Estados
Unidos com ele, mas no torneio… "Treina, garoto. Treina (risos) Vai
treinar." Não tinha favoritismo, não vai favorecer a mim. Não tinha
isso.
Na primeira luta, você pegou o Art Jimmerson. Fala um pouco sobre como se desenrolou essa luta.
A primeira luta, com o Art Jimmerson, ele veio e botou uma luva só.
Depois eu soube que ele falou que botou uma luva só porque ele ia me
bater tanto que não queria quebrar a mão dele. Por isso que ele botou
aquela luva. Ele, eu andei para trás no começo, eu esperava que ele
vinha me bater, como boxeador. Mas ele sabia que eu era lutador de
jiu-jítsu e ficou para trás, ele não criou iniciativa. Foi a hora que eu
falei, "Se ele não vai vir, eu vou até ele". Vim encurtando a
distância, entrei em clinche e botei ele para baixo. Quando eu montei,
ele se desesperou e pediu pra parar. Foi a hora que eu olhei para o juiz
e falei, "Ele está pedindo para parar, é isso mesmo?" Estava todo mundo
no ar ainda, não sabia o que aconteceu… Para, ele desistiu, então
desistiu. Não teve uma finalização, não teve um soco, não teve nada.
Você ficou surpreso com a facilidade com que você conseguiu pegar o Jimmerson?
Sim e não. Sim, porque na hora que ele desistiu ali, foi muito fácil,
mas depois eu entendi. Bateu o desespero, o cara não sabia nada no chão.
O cara não sabia nada. Desesperou, bateu um pânico nele.
Luta contra Ken Shamrock, na semifinal, foi
polêmica (Foto: Arquivo Pessoal/Jose Fraguas)
Em seguida, veio o Ken Shamrock. Você já conhecia ele?
Não. Eu não conhecia ninguém! Quer dizer, sabia quem eles eram, tinha muita pouca informação na época.
Mas você sabia de que arte marcial cada um vinha…
Sabia, todo mundo sabia de todo mundo. Isso daí, a informação era igual.
Como se desenrolou essa luta com o Ken Shamrock?
O Ken Shamrock, os meus irmãos já falaram: "Esse daí, nem pisca, parte
pra dentro, entra em clinche rápido com ele que ele vai aceitar a luta
de corpo a corpo. Ele faz um negócio de chão também, faz um wrestling,
faz umas finalizações, lutou no Japão…" Então já vim andando para ele,
já parti pra dentro e já entrei rápido no clinche com ele. Entrei em
clinche, a luta deu um rodo, deu uma rodada na luta, ele virou de costas
e eu o peguei no estrangulamento. Quando ele bateu, eu larguei. Quando
eu larguei, ele segurou a minha perna e quis continuar. Foi a hora que
eu falei no ouvido dele: "Você sabe que você bateu. Mas você quer
continuar? A gente continua." Olhei pro juiz e falei, para o Hélio
Vígio, "Deixa continuar. Deixa que ele quer continuar. Vai, continua.
Continua!", gritei no ouvido dele. Ele sentiu que eu ia agarrar no
pescoço dele e não ia largar mais e falou, "Não, você está certo, eu
bati, eu bati". (Risos)
Mais tarde, vocês se enfrentariam mais vezes, e o Shamrock se
tornaria, como você, um dos maiores ídolos do vale-tudo. Naquela luta,
já dava para perceber que vocês cultivariam uma grande rivalidade?
Não, não dava para perceber que essa rivalidade ia aparecer.
Nem por esse fato de ele ter batido e ter fingido que não bateu, não te deu vontade de bater nele de novo?
Ganhei! E rápido. Ele é que quis roubar. As regras eram simples. Não
tinha muita coisa para esconder, na regra, mas o cara roubar num negócio
simples? Da segunda vez, eu já não ia largar mais o pescoço dele. Ele
sabia disso.
O seu adversário na final, o Gerard Gordeau, atropelou todo
mundo no torneio antes de te enfrentar. Isso te deixou nervoso, ou
preocupado, em algum momento?
Se eu tivesse ficado preocupado em algum momento, ou nervoso, eu não entraria no ringue. Confiança o tempo todo.
Quando eu montei nele, ele mordeu minha orelha. Foi a hora que eu
tirei e falei no ouvido dele: 'Tu tá roubando, rapaz'. Ele deu uma
olhadinha pra mim naquela de 'E daí?'"
sobre luta com Gordeau
Qual era sua estratégia contra o Gordeau?
De novo, era outro lutador que era da parte em pé. Então, eu deixei ele
vir, chamei, "Vem, vem bater que eu entro em clinche". É outro também
que, muito calmo, esperou um pouco, não partiu para dentro para querer
me arrebentar, ele esperou, queria dar a dele. Mas, fui chegando em cima
dele, com pisão, entrei em clinche. Entrei em clinche, também era outra
pessoa que não sabia chão, não sabia nada. Quando eu botei ele para
baixo, estava perdido. Quando eu montei nele, ele mordeu minha orelha.
Foi a hora que eu tirei e falei no ouvido dele: "Tu tá roubando, rapaz".
Ele deu uma olhadinha pra mim naquela de "E daí?" Foi por isso que eu
segurei ele mais tempo no estrangulamento.
Você estrangulou ele mais tempo e o juiz veio te mandar largar, mas você continuou segurando.
(Risos) Ele roubou. Então agora, vou segurar, agora virou pessoal. A
única coisa, não vale botar o dedo no olho, não vale morder, o cara me
morde?
Royce Gracie ajusta mata-leão que finalizou Gerard Gordeau (Foto: Arquivo Pessoal/Jose Fraguas)
Quando você venceu o torneio, finalmente terminou o torneio e você venceu. Qual foi a sensação?
A sensação é de outro dia na academia treinando.
Nenhuma sensação de dever cumprido, de alívio de ter superado a responsabilidade de representar a família nos seus ombros…
Não tem alívio, não tem responsabilidade, foi outro dia de trabalho.
Estou ali para isso, não treinei para perder, treinei para ganhar.
Treinei para fazer o que eu sei fazer. É outro dia. Muito obrigado,
vamos embora para casa. (risos)
Isso é um pouco da mentalidade que o seu pai incutiu em vocês,
né? Ele dizia que quando vocês lutavam entre si e um de vocês ganhava e
comemorava, ele falava, "Está comemorando por quê? Você não esperava
vencer?" Era isso mesmo? Era isso que ele falava?
Você já ganhou do adversário. Você ganhou. Para você fazer uma dança
agora, uma celebração, está humilhando o cara. Não há necessidade. Você
não fez mais (do que a obrigação). É como você vê às vezes, eu viajo
muito, estou no avião, o piloto pousa o avião e todo mundo no avião bate
palmas! Ele não fez mais do que a obrigação dele, pô, pousar o avião!
(Risos) O pessoal, "Uh, é!! Pousou o avião! Milagre!" É o trabalho dele.
Eu estou ali para ganhar a luta. Ganhei a luta, obrigado. É o meu
trabalho, é o que eu treinei para fazer. Vou dançar, "Não esperava que
eu ganhasse a luta, isso foi um milagre"… Por quê? (risos)
Royce Gracie com o prêmio do UFC 1: frieza ao
comemorar (Foto: Arquivo Pessoal/Jose Fraguas)
O que o seu pai disse a respeito daquele torneio, logo depois da vitória?
"Foi coisa que nunca ninguém tinha feito. Três lutas numa noite. Quatro
lutas numa noite. Contra adversários maiores, adversários sem luvas,
sem regra, sem pontos, sem tempo, sem peso." Ninguém tinha feito isso. O
que eu fiz, vai ser difícil de fazer de novo. Quatro lutas numa noite.
Qual é a memória mais marcante daquela noite para você? Qual a sua vitória favorita no UFC 1?
No UFC 1, a vitória contra o Gerard Gordeau. A final. Porque ele chegou
na final, ele é bom. É bom também. Chegou na final. E bateu em todo
mundo fácil.
Você esperava que se tornaria um superastro e que o UFC se tornaria um evento multimilionário?
Eu não tinha essa bola de cristal! Eu não ia saber, como é que ia
acontecer as coisas, mas eu sabia que ia crescer, eu sabia que ia ficar
grande. O mundo todo ia querer saber e ia querer ver.
Você acha que o UFC faria o mesmo sucesso que faz hoje se continuasse com aquele mesmo formato do UFC 1?
Não há condição de continuar o mesmo formato, porque a lei não ia
deixar, não ia poder estar em vários estados. O tempo do pay per view é
limitado. Imagina se todas as lutas forem longas, sem tempo. Duas lutas
de uma hora, acabou.
Por que você deixou o UFC após o quinto torneio?
Porque o Rorion vendeu o UFC. Depois do quinto, eles começaram a botar
muita regra, mudaram o formato do que o Rorion criou, que era para
mostrar a nível de eficiência qual era a melhor arte marcial, então o
Rorion saiu. Quando ele saiu, eu saí com ele.
Você voltou, fez uma luta mais tarde contra o Matt Hughes. Fora
isso, te deu vontade de continuar? Você ficou chateado de ter sido
tirado pelo Rorion?
Sempre que passava, eu não conseguia nem assistir. Não conseguia nem assistir, com vontade de estar lá.