Detento de Pesqueira, em PE, tenta dar volta por cima a partir do MMA
Leandro Cabral, 24 anos, foi preso ao matar amigo com um
golpe de luta; agora; ele busca a ressocialização com a ajuda dos pais e
do esporte
Por Elton de Castro
Recife
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“Não brigue, lute”. O jargão entre os lutadores de MMA serve para
destacar a importância de trocar as brigas de rua pela luta
profissional. Esse ensinamento chegou da forma mais dura ao jovem
Leandro Cabral. Apaixonado por artes marciais, praticante de queda de
braço e aficcionado pelo boxe, ele viu o próprio mundo cair por terra
quando, aos 19 anos, usou, de forma errada, o poder dos golpes que havia
aprendido na adolescência. Agrediu e matou um amigo por asfixia, em
julho 2008, após uma festa em que comemoraria o aniversário de 20 anos.
Leandro foi condenado a oito anos de prisão por latrocínio. A pena foi
gerada porque ele, com a ajuda do tio, que também foi preso, deixou o
lugar do crime no carro da vítima. Ao assumir a falha diante da família,
o jovem foi obrigado pelo pai, Severino Cabral, a se entregar para a
polícia.
- Fiz uma besteira e quase acabei com a minha vida. Tinha uma vida
tranquila e acabei sendo preso. No começo, me chateou um pouco, pois foi
meu pai que me fez ser preso, mas hoje vejo que foi para o meu bem.
Quero pagar tudo o que devo para a justiça e sair com a cabeça erguida –
disse Leandro, que atualmente está com 24 anos.
Leandro Cabral busca na luta um caminho para a ressocialização (Foto: Elton de Castro)
Querido por detentos e agentes penitenciários, o pai de Leandro não se
arrepende de ter guiado o filho até as portas do “inferno”, como ele
costuma chamar a cadeia. No entanto, reconhece que não foi só o jovem
que ficou aprisionado.
- Minha vida praticamente acabou quando tive que levar meu filho para a
cadeia, mas tinha que fazer isso. O certo é o certo e quem faz tem que
pagar. Lógico que nunca irei superar isso e não me esqueço desse dia.
Todos os dias isso passa pela minha cabeça. Mas troquei a depressão por
algo que realmente pudesse ajudar e estamos fazendo de tudo para que ele
volte para a sociedade.
Com o filho entre os detentos do presídio Desembargador Augusto Duque,
em Pesqueira, agreste pernambucano, Severino se apoiou na esposa, Mônica
Cabral, para traçar uma estratégia para não permitir que o sonho de ser
lutador fosse abandonado pelo filho. Com autorização da Secretária de
Defesa Social de Pernambuco, montou uma pequena estrutura para que
Leandro pudesse treinar: saco de boxe, tatame, e alguns halteres.
Severino e Mônica montaram confecção para os
detentos de Pesqueira (Foto: Elton de Castro)
- Assim que fui preso não tinha vontade de nada, mas meus pais não me
abandonaram. Me fizeram ver que ainda tinha vida e isso me incentivou.
Hoje, passo os dias treinando e com o objetivo de vencer no mundo das
lutas. Quero lutar da forma certa, agora.
Pensando em melhorar o ambiente não só para o seu filho, Severino e
Mônica decidiram montar uma pequena fabrica de confecções que emprega
boa parte dos detentos. Feliz com a iniciativa, o diretor do presídio,
William Tibúrcio, acredita que a ação da família Cabral acelera a
ressocialização dos detentos.
- A prática do esporte e essa questão de ter uma profissão fazem com
que os presidiários ocupem os dias e criem um ambiente melhor. No
começo, foi complicado, pois muitos agentes penitenciários temiam o fato
do Leandro aprender a lutar. No entanto, até o momento, ele nunca nos
criou problemas. Muito pelo contrário.
O bom comportamento levou William Tibúrcio a pedir uma liberação na
justiça para que Leandro pudesse lutar nas competições de MMA fora do
presídio. Pedido aceito, coube ao diretor do presídio a incumbência de
avisar ao detento que ele teria a chance de entrar no octógono.
Leandro usa capa de chuva e calor da cozinha para
perder peso no presídio (Foto: Elton de Castro)
Entusiasmado com a oportunidade, Leandro intensificou a rotina de
treinamentos, mas a preparação não deu certo. Ele foi derrotado na
cidade de Belo Jardim, vizinha a Pesqueira, e ficou com a certeza de que
ingressar no mundo das lutas precisaria de mais trabalho. Um treinador
foi contratado pelos seus pais, que também trataram de encontrar outro
evento para que Leandro pudesse voltar a lutar. A chance veio em um
campeonato amador disputado em Caruaru.
Mesmo pesando oitenta e cinco quilos, Leandro resolveu se inscrever na
categoria até setenta e sete quilos e intensificou os treinamentos para
“bater o peso”. Seguindo a rotina de praticamente todos os lutadores,
ele passou a ingerir apenas líquidos no dia anterior à pesagem. Também
criou um “estufa” improvisada. Vestiu-se com uma capa de chuva e passou a
se exercitar na cozinha do presídio. O sacrífico valeu a pena e a meta
foi alcançada.
Aos
24 anos, Leandro Cabral conseguiu autorização para deixar presídio e
viver sonho de ser lutador de MMA (Foto: Elton de Castro)
Adversário, luta e aprendizado
Escolhido para encarar Leandro, Luiz Patriota fez questão de esquecer a
condição do adversário. Sem preconceito, o atleta, que tem o jiu-jitsu
como ponto forte, disse não se importar de enfrentar um presidiário.
- Dentro do octógono somos todos iguais. Não tem problema se ele é
presidiário ou o que ele fez. Quero enfrentá-lo e vencê-lo - disse,
antes do confronto.
No do embate, o cenário não fugia ao “clichê” das competições amadoras:
integrantes das academias rivais beiravam o confronto nas
arquibancadas. Os familiares estavam apreensivos à espera dos lutadores e
os combates chamavam a atenção mais pela vontade do que pela técnica.
Em meio a tudo isso, Leandro tentava se concentrar em um pequeno
vestiário.
Minha vida praticamente acabou quando tive que levar meu filho para a
cadeia, mas tinha que fazer isso. O certo é o certo e quem faz tem que
paga"
Severino Cabral, pai do lutador e detento Leandro Cabral
Acompanhado do irmão e dos lutadores da academia que representava,
Leandro ouvia instruções de todos. Desconcentrado, chegou a levar alguns
tapas dos treinadores e até mesmo do pai, para “entrar no espirito da
luta”. No octógono, ouviu as instruções do árbitro e cumprimentou o
oponente. Quando o duelo teve início, Leandro mostrou que ainda está
longe de virar um lutador. Mesmo com a falta de intimidade com os
golpes, conseguiu equilibrar o confronto até desferir novamente um golpe
impensado .
No fim do primeiro round, Leandro aproveitou a queda do oponente e
aplicou um “tiro de meta”, golpe em que um lutador chuta a cabeça do
adversário enquanto esse está caído no chão. Desacordado, Luiz Patriota
não viu o árbitro explicar que o golpe era ilegal. A vitória, então,
escapou das mãos do detento.
Mesmo com derrota, Leandro não desiste e quer
novas lutas na carreira (Foto: Elton de Castro)
- Todo mundo viu que estava melhor. Mas infelizmente ninguém me falou
que isso era proibido. Pago o preço por treinar sem informação, mas não
vou desistir. Ainda serei um lutador.
Seguindo os ensinamentos do pai, Leandro não fugiu da responsabilidade
dos atos. Pegou o microfone do apresentador e, ainda no octógono, fez
questão de pedir desculpas aos torcedores que estavam na plateia.
- Infelizmente tive uma atitude errada, por falta de informação, mas
queria pedir desculpas pelo que fiz. Não queria machucar meu adversário e
isso serve de aprendizado para mim.
A segurança que teve para assumir mais um erro não se repetiu nos
vestiários. Abraçado à esposa, Leandro deixou o largo sorriso de lado e
caiu no choro. Mas as lágrimas não foram suficientes para que desistisse
de sonhar. Após a segunda derrota na carreira embrionária, foi firme
ao afirmar que não desistiria do sonho de se tornar um lutador
profissional.
- Perdi lutando melhor. Perdi por um erro meu, mas isso não vai tirar o meu sonho de mim. Vou voltar a lutar e vou vencer.