Achei! Ex-atletas de Fla, Flu, Vasco e Bota alavancam o América
Fábio Noronha, Lugão, Jorginho, Léo Oliveira, China,
Allan... Diabo atropela na Série B com legião de ex-jogadores dos quatro
grandes do Rio
Por Alexandre Alliatti
Rio de Janeiro
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América rumo à Série A do Estadual: oito vitórias em
dez jogos (Foto: André Durão)
As vias que circundam o estádio Edson Passos, em Mesquita (RJ), têm
nomes de jogadores tetracampeões mundiais com a seleção brasileira. Rua
Romário. Rua Bebeto. Rua Taffarel. Travessa Dunga. A poucos metros dali,
dentro do gramado, correm atletas que não tiveram o mesmo
reconhecimento da geração de 94. Um punhado deles chegou a esboçar uma
trajetória ascendente, mas a passagem por grandes clubes do Rio não
rendeu o sucesso esperado. A vida seguiu, experiências foram acumuladas,
tropeços renderam aprendizado, e agora jogadores como Allan, ex-Vasco,
Jorginho, ex-Flamengo, e Fábio Noronha, ex-Fla e Flu, alavancam o
América rumo à primeira divisão do Campeonato Carioca.
O Diabo tem uma legião de figuras conhecidas (não muito, mas
conhecidas) dos torcedores dos principais clubes do Rio. O volante Léo
Oliveira, o goleiro Lugão e o lateral-direito China são outros casos.
São jogadores que ou tiveram passagem firme pelos clubes (caso do
volante Jorginho no Flamengo), ou viveram experiência curta neles (Léo
Oliveira e China, também no Flamengo), ou experimentaram turbulências
(Allan, no Vasco, Fábio Noronha e Lugão, em Flamengo e Fluminense). O
zagueiro Bruno Simões é um caso diferente: passou a vida nas categorias
de base do Botafogo, mas, quando virou profissional, não foi utilizado
pelo clube.
Lugão,
China, Léo Oliveira, Bruno Simões, Jorginho, Allan e Fábio Noronha:
ex-jogadores dos quatro grandes clubes do Rio ajudam América em campanha
impressionante na Série B (Foto: André Durão)
Com eles, o América alcança campanha impressionante na Série B do
Estadual. Avançou às semifinais da Taça Santos Dumont com 86,7% de
aproveitamento. Em dez jogos, foram oito vitórias e dois empates - está
invicto. São seis triunfos consecutivos, incluindo três goleadas: 4 a 0
no Barra Mansa, 5 a 0 no Barra da Tijuca e 8 a 1 no Serra Macaense.
Agora, pega o Cabofriense, valendo vaga na final do primeiro turno. O
time é treinado por Duílio, ex-zagueiro do Fluminense, e tem Ronald,
outro ex-tricolor, como coordenador técnico.
Jorginho e o gol de Pet
Jorginho aponta para os pelos eriçados no braço.
- Olha como eu fico...
É a reação dele ao lembrar do já lendário gol de Petkovic aos 43
minutos do segundo tempo da final do Campeonato Carioca de 2001
(recorde no vídeo ao lado).
Aquele foi um dos 240 jogos que o volante disputou pelo Flamengo. Ele
vestiu a camisa rubro-negra de 1997 a 2003. Ganhou títulos: três
Estaduais, uma Copa dos Campeões e uma Copa Mercosul.
- Tive muito sucesso. Tive mais sucesso do que insucesso. Joguei com
grandes jogadores. Tive muito amor por esse clube. Foram 240 jogos. O
que mais marca é o de 2001, aquele gol do Pet. A torcida do Vasco já
estava gritando "é campeão", e o Pet fez aquele gol de falta. Entrei no
segundo tempo, no lugar do Beto. Eu chorei. Não sabia o que fazer dentro
de campo. Aos 43 do segundo tempo, e o Pet faz aquele gol... Foi uma
alegria imensa.
Jorginho marca Bebeto em clássico de 1999 (Foto: Arquivo / Agência O Globo)
Jorginho foi sempre discreto e quase sempre titular no Flamengo
(recorde, no vídeo ao lado, gol dele contra o Corinthians).
Entrava treinador, saía treinador, ele seguia no time, como sustentação
defensiva da equipe, como suporte para craques como Romário.
- A maioria dos treinadores me colocou de titular. Porque o Jorginho
era aquele jogador que se empenhava dentro de campo, né? Aí os
treinadores tinham confiança de me colocar como titular. Sempre tem que
ter aquele carregador de piano, de roubar a bola, de rolar para o meia,
para o meia jogar no ataque. Eu tive a felicidade de jogar com o
Romário. Foi uma alegria muito, muito grande ter jogado com ele. Era só
rolar para o Baixinho, que ele garantia nosso bicho.
Jorginho foi contratado pelo América em fevereiro. Não é titular. Com
38 anos, parece estar em forma. Planeja jogar futebol enquanto o corpo
permitir.
Allan, o goleador
Allan, 28 anos, é quem mais se destaca pelo América. O meia-atacante
tem 11 gols na Série B. É o artilheiro da disputa. Vive a expectativa de
confirmar o bom momento no restante da competição. É uma retomada para
ele depois de repetidas passagens pelo Vasco, quase sempre muito curtas -
e, na prática, inúteis.
Ele chegou a São Januário em 2003, recém-saído dos juniores do Olaria. Tinha 18 anos. Foi utilizado raras vezes
(veja gol dele em amistoso no vídeo acima). Colecionou empréstimos. E viu um clube repetidas vezes à beira do rebaixamento - até efetivamente cair, em 2008.
- Passei pelo Vasco em um momento muito conturbado. De 2003 a 2008,
quando caiu, estava sempre para ser rebaixado, com muita confusão.
Começava com um elenco, e metade já tinha ido embora no meio do
campeonato. Vi isso acontecer muito. Faltou oportunidade. Eu entrava com
dez minutos para acabar, perdendo o jogo, aquela pressão, tendo que
resolver. É complicado entrar para resolver algo que está cambaleando.
Joguei 13 jogos, acho. Não tive sequência. É o contrário do que acontece
aqui hoje. É diferente trabalhar assim.
Allan também jogou no Sport e circulou por clubes pequenos do Rio.
Agora, com o bom rendimento, pode ter nova chance em um clube mais
expressivo. Mas ele prefere não pensar no futuro. Está vacinado contra
decepções.
- Não fico pensando muito no que vai acontecer na frente. Está nas mãos
de Deus o meu futuro. Penso muito no que está acontecendo aqui, no
momento que estou vivendo aqui. Meu pensamento é continuar indo bem, e a
gente continuar ganhando.
As histórias e os percalços de Fábio Noronha
O goleiro titular do América tem histórias para contar. Fábio Noronha
foi figura rotineira nas seleções de base, cresceu no Flamengo,
participou de jogos marcantes, foi para um rival, o Fluminense, passou
por Hong Kong e virou caso de polícia no interior mineiro. Aos 37 anos, é
um dos alicerces da segunda defesa menos vazada da Série B do
Campeonato Carioca.
Fábio foi criado na Gávea. Ele chegou lá em 1987, com 12 anos, e ficou
até 1998. Trilhou todo o caminho das categorias de base. Nesse período,
foi parar na Seleção. Teve 92 convocações para as equipes inferiores.
Quando se tornou profissional, porém, viu repetidos goleiros serem
titulares do Flamengo. Até teve sua chance, mas não conseguiu ganhar
sequência. Teve dois problemas: primeiro, um acidente de carro, que o
deixou nove meses afastado; depois, uma suspensão de seis meses, acusado
de cuspir em um árbitro.
Mesmo assim, disputou 14 jogos, incluindo três clássicos
(recorde um Fla-Flu de 1997 no vídeo acima).
Também participou da polêmica derrota para o Bahia na última rodada do
Campeonato Brasileiro de 1996. Com o resultado, o time baiano se livrou
da queda, e o Fluminense foi rebaixado. Detalhe: no ano seguinte, ele
foi justamente para o clube de Laranjeiras.
- Fui eleito o melhor em campo do Flamengo nesse jogo. Tenho as
reportagens guardadas até hoje. No ano seguinte, fui para o Fluminense,
com a consciência tranquila de que fiz meu melhor. Muita gente fala
muita coisa, mas a gente é profissional - diz o goleiro.
Fabio Noronha em treino do Flamengo em 1997 (Foto: Arquivo / Agência O Globo)
Pelo Fluminense, foram 20 jogos. Sem receber, o jogador ganhou, na Justiça, liberdade para deixar o clube.
- Peguei uma época muito difícil no Fluminense. Não me arrependo de ter
trocado, na época. Tive a chance de ir para o Fluminense para jogar.
São dois clubes grandes. Mas peguei uma fase difícil. Entrei na Justiça
para ter o direito de ter meu passe. Fiquei bastante tempo sem receber
meu salário. Foram bem mais de três meses...
Depois de sair do Fluminense, o jogador teve experiências no exterior,
passando por Turquia e Hong Kong. Estava em outro América, o de Teófilo
Otoni (MG), antes de retornar ao Rio. Lá, se envolveu em uma confusão.
Foi detido pela polícia, após denúncia de que agredira sua esposa, na
época grávida. Segundo ele, foi tudo uma armação política. Ele argumenta
que estava sendo perseguido por ter se lançado como candidato a
vereador na cidade.
- Quando lancei minha candidatura, primeiro ligaram para minha casa, me
ameaçando, dizendo que era melhor eu não sair candidato, porque eu ia
me arrepender. Logo depois, teve o episódio da polícia invadindo minha
casa e dizendo que eu estava agredindo minha mulher. Quando entraram,
ela começou a passar mal. Estava grávida do meu filho, que hoje tem seis
meses. Aí eu fui para cima dos caras. Fui para cima da polícia mesmo.
Falei: "Se alguma coisa acontecer com minha mulher ou meu filho, vocês
tão f... comigo". Aí me pegaram por desacato. Mas foi vinculado que fui
preso por agressão. Na verdade, não foi. Foi por desacato. E desacatei
mesmo. Fui para cima deles mesmo - diz o goleiro.
Lugão e a polêmica de 2005
O reserva de Fábio Noronha, Lugão, é outro com a história ligada a
Flamengo e Fluminense. No clube rubro-negro, foi no máximo reserva de
colegas como Julio Cesar e Diego. Não teve chances de jogar. Ele se
destacou mesmo pelo Volta Redonda, finalista do Estadual em 2005 (teve
outras passagens pelo clube.
No vídeo ao lado, veja grande atuação dele contra o Vasco). E foi aí que se viu mergulhado em uma polêmica.
A decisão era contra o Fluminense. Antes do jogo final, surgiu a
notícia: Lugão negociava com seu oponente na briga pelo título. Estava
em vias de ser contratado justamente pelo Tricolor. Foi automática a
desconfiança de que ele poderia facilitar para o adversário em campo.
Passados quase dez anos, o jogador se sente vítima daquela situação. Ele
nem gosta de falar do assunto.
- O Fluminense despertou o interesse em 2005. Era um jogo de final.
Havia outros clubes interessados. Isso até me prejudicou em minha
trajetória. Mas tranquilo... Minha consciência sempre esteve muito
tranquila por tudo que faço dentro de campo. Não dei importância ao que
falaram. É algo que prejudica pela polêmica. Era um jogo de final. Você
toma um gol, e surgem comentários que não são legais. Mas faz parte. A
torcida tem o direito de expor o que quiser. O importante é você ter
certeza de sua conduta.
Lugão diz que sequer estava por dentro da negociação. Afirma que não
fazia questão de sair do Volta Redonda. Argumenta que deixou tudo sob os
cuidados de seu empresário.
- Quando vi aquilo, fiquei muito chateado. Não era o momento.
O Fluminense acabou desistindo da contratação de Lugão. O goleiro foi
até o clube e fez exames médicos. Neles, o clube diagnosticou uma
arritmia cardíaca no atleta.
China e o causo do cego
China bem sabe: falar sobre sua ida para o Flamengo é falar sobre um
cego. Está acostumado. E explica-se: em Bangu, onde começou a jogar
bola, o lateral-direito participava de um time que tinha como treinador
um homem que não enxergava. O caso, claro, virou piada. Mas China
explica que a história não é bem assim...
- Lá em Bangu, tinha um time da rua que fazia amistosos contra outras
ruas, outras comunidades. E ele era cego. Mas tinha sempre alguém que
ajudava. Na verdade, ele pegou um pouco de carona na história. Mas é um
amigo. Ele montava mesmo o time, só que sempre tinha alguém ajudando.
Isso de ser descoberto por um cego é um pouco pejorativo.
O lateral jogou no Flamengo em 2004 e 2005
(relembre, no vídeo acima, gol dele contra o Paysandu).
Eram tempos de turbulência. Seu primeiro ano no clube foi aquele em que
torcedores e jogadores brigaram no aeroporto depois de goleada de 6 a 1
para o Atlético-MG. Mesmo com o momento não sendo dos melhores, China
fez 32 jogos pelo Fla.
- Toda criança tem o sonho de jogar num time grande. Foi a realização
de um sonho jogar no Flamengo. Teve toda aquela turbulência de 2004, o
risco de cair, aquela confusão no aeroporto. Foi uma coisa negativa.
Mas, tirando isso, foi só alegria. Tenho amigos até hoje. Aonde eu vou,
as pessoas lembram do China que jogou no Flamengo.
A trajetória no clube rubro-negro poderia ter sido mais longa. Mas um problema raro prejudicou China.
- Tive uma lesão que me atrapalhou, que foi até meio escondida: uma
torção de testículo. É uma coisa rara. O urologista que me operou disse
que é um caso em 100 mil. Fiquei um mês parado, aí trocou comando,
trocou treinador. Mas não tenho do que reclamar. Foi sensacional.
Léo Oliveira: uma missão no América
O América tem uma série de jogadores bastante ligados à camisa
vermelha. São atletas que já passaram pelo clube antes. Para alguns
deles, colocar o Diabo novamente na primeira divisão é questão de honra.
É o caso do volante Léo Oliveira, rebaixado com o clube.
- Estive aqui no América em 2011, o ano em que caiu. Chorei junto com a
torcida e hoje estou feliz com a boa campanha. Subir seria uma missão
cumprida. Cheguei ao América na primeira divisão e quero deixá-lo lá de
novo. Aquilo ficou marcado. Quiando você é campeão, fica marcado na
história do clube. Quando cai com o clube, também fica marcado. Nada
melhor do que estar aqui de novo, dar a volta por cima, ajudar o grupo a
subir para a primeira divisão.
Léo Oliveira sabe o prazer que um título proporciona. Em 2006, pelo Flamengo, foi campeão da Copa do Brasil
(recorde no vídeo acima). Participou de oito jogos na campanha, incluindo a final, contra o Vasco.
- Foi para nunca mais esquecer. Aquilo me marcou muito. Cheguei ao
Flamengo vindo do Nova Iguaçu, consegui ganhar a posição, jogar, ser
campeão da Copa do Brasil. Tenho minha medalha e minha faixa em casa.
Vai ser para sempre. Aquilo é eterno - derrete-se o volante.
Como subir
Um triangular final decidirá os dois clubes que subirão à primeira
divisão do Campeonato Carioca. Chegarão à fase final os campeões de cada
um dos dois turnos e também o time de melhor campanha geral. O América
está bem encaminhado para chegar lá ou como campeão da Taça Santos
Dumont, ou como time com mais pontos.
O jogo da semifinal do primeiro turno, contra o Cabofriense, é neste
sábado, às 15h, em Edson Passos. Bonsucesso e Portuguesa também buscam
vaga na final.
Se o mesmo time vencer os dois turnos, será automaticamente campeão. E
estará na primeira divisão do Campeonato Carioca, competição que o
América, de tanta história, conquistou sete vezes.