Há 24 anos, Brasil superava vaias e consagrava dupla Bebeto e Romário
Copa América de 89 foi último grande torneio da Seleção
em casa. Relembre jejum encerrado e como começou uma das maiores
parcerias brasileiras
Por Marcelo Baltar*
Rio de Janeiro
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Uma seleção desacreditada, que vem de resultados ruins e ainda busca
sua melhor formação. Um time que tem uma competição importante pela
frente, em casa, e precisa resgatar a confiança de seus torcedores. A
descrição acima poderia facilmente ser creditada ao atual time de
Felipão, às vésperas da estreia na Copa das Confederações. Porém, ela
também se encaixa direitinho em um Brasil de 24 anos atrás, que acabou,
em 1989, com um jejum de 40 anos sem títulos da Copa América.
A história tem um final feliz, mas é recheada de percalços e obstáculos
pelo caminho, como vaias, resultados ruins e até ovada em Renato
Gaúcho. O título foi marcante, mas, certamente, o maior legado foi
outro: ali, tinha início o entrosamento da dupla que, cinco anos mais
tarde, daria o tetra à Seleção na Copa de 1994. Antes rivais que pouco
se falavam, Bebeto e Romário encontraram em 1989 com a amarelinha um
entrosamento dentro e fora de campo, que rendeu muitos frutos ao futebol
brasileiro.
Romário se antecipa ao goleiro para fazer o gol do título em 1989 (Foto: Rolando de Freitas/Agência Estado)
Vexame na Europa marca preparação
Como em 2013, o Brasil se preparava para receber uma competição entre
seleções em 1989. Aliás, aquela Copa América foi o último torneio
importante que a Seleção disputou em casa. Naquele ano, a CBF passava
por mudanças. Ricardo Teixeira, então genro do presidente da Fifa, João
Havelange, assumia o controle da entidade. Como primeira medida,
anunciou Sebastião Lazaroni como novo técnico.
Lazaroni não era um medalhão, mas parecia uma boa aposta. Tricampeão
carioca com Flamengo e Vasco entre 1986 e 1988, o treinador dava pinta
de que seria o sopro de renovação que o futebol brasileiro buscava após
seguidos insucessos em Mundiais.
Antes da disputa da Copa América, Lazaroni teria a chance de armar a
equipe em uma excursão pela Europa. Seriam quatro jogos no Velho
Continente para o treinador achar a equipe e ganhar moral. O tiro,
porém, saiu pela culatra. O desempenho da Seleção foi desastroso: três
derrotas para Suécia, Dinamarca e Suíça, e um empate sem gol com o
Milan. A atuação na partida contra os dinamarqueses, em Copenhague, foi
lamentável, e o Brasil foi goleado por 4 a 0. Nos quatro jogos, o time
marcou apenas um gol.
- Aquela excursão foi desnecessária, um desastre. Ela não foi bem
planejada, e não pude contar com todos os jogadores. A consequência
foram os resultados em campo – recorda Sebastião Lazaroni.
Vaias e ovada na Bahia
O time voltou para o Brasil desacreditado e foi direto para Salvador
disputar os três primeiros jogos da primeira fase da Copa América. Após a
excursão, alguns atletas foram cortados. Entre eles, o atacante Charles
Baiano, ídolo do Bahia. Foi o estopim para explodir a crise entre
Seleção e torcida baiana.
A equipe entrou em campo para a estreia contra a Venezuela sob
pressão. O técnico Sebastião Lazaroni era o principal alvo. Logo aos
dois minutos, Bebeto acertou o canto em um chute de fora da área e
colocou o Brasil em vantagem. Na comemoração, revolta do camisa 7, que
saiu reclamando das vaiais da torcida de sua terra natal. Geovani, de
pênalti, e Baltazar ainda marcaram para a Seleção. Maldonado descontou e
marcou o primeiro gol da Venezuela na história contra o Brasil. O time,
que se cansou de perder gols, saiu de campo como entrou: vaiado.
- Na Bahia, teve todo aquele problema, foi uma confusão. Tem que estar
todo mundo unido. É o Brasil. Independente de jogador, clube, tem que
pensar na Seleção. Infelizmente, às vezes acontece o clubismo, como foi
em 1989. Uma pena. Tendo a torcida do nosso lado, ninguém segura o
Brasil. Lá fora, é difícil o pessoal vaiar. Temos de mudar nossa
cultura. É um lance cultural. Só aplaudir na hora da vitória é fácil.
Tem que aplaudir também nos momentos difíceis. Os caras tremem contra a
amarelinha, ainda mais a torcida ao nosso lado – cobra Bebeto.
Sebastião Lazaroni tem outra visão para as vaias na Bahia.
- Isso tudo era político. Não quero entrar em detalhes, mas quem viveu
aquela época sabe bem do que acontecia em torno da Seleção. Eram
políticos, radialistas, todos jogando contra o Brasil – lembra o
treinador.
Dois dias depois, novamente na Fonte Nova, o Brasil voltou a campo para
enfrentar o Peru. O clima era ainda pior, e apenas 8.223 torcedores
pagaram para assistir a partida. Na saída dos vestiários, o atacante
Renato Gaúcho foi atingido por um ovo na cabeça, naquele que talvez
tenha sido o pior momento da relação entre a Seleção e o torcedor
baiano.
- A Bahia é terra de índio não aculturado - reclamou Renato após a partida.
A declaração não ajudou em nada a melhorar a relação com o torcedor
baiano. A atuação em campo também não. O empate sem gol contra o Peru
talvez tenha sido a pior partida da Seleção na Copa América de 1989.
Comparável somente ao jogo seguinte, um novo 0 a 0 contra a Colômbia.
Com Romário e Bebeto barrados por Renato Gaúcho e Baltazar, o time
voltou a apresentar um futebol sonolento, digno do desânimo dos 9.150
pagantes, que se concentraram, novamente, em vaiar a Seleção.
Bebeto e Romário se unem, e nasce uma dupla avassaladora
Correndo sérios riscos de ser eliminada precocemente, a Seleção deixou
a Bahia rumo ao Recife para enfrentar o Paraguai, no jogo que poderia
custar a classificação. Sebastião Lazaroni voltou atrás e escalou
novamente Romário e Bebeto na frente. Diferentemente dos baianos, os
pernambucanos acolheram a Seleção. Os 76.800 pagantes que foram ao
Arruda apoiar não se arrependeram e viram um massacre brasileiro em
campo. Bebeto foi o nome do jogo, com os dois gols da vitória por 2 a 0.
O Brasil ficou a um gol da primeira colocação, mas conseguiu avançar em
segundo, atrás do próprio Paraguai. No final do jogo, um torcedor
correndo pelo campo com a bandeira brasileira marcou a reconciliação com
a torcida.
- Cada público tem o futebol que merece – disse Lazaroni após o jogo, cutucando a torcida baiana.
A reconciliação com a torcida, no entanto, não foi a única novidade na
Seleção. Novamente titulares, Bebeto e Romário se destacaram e
encantaram. Não foi a primeira vez que os dois jogaram juntos. A
parceria começou nas Olimpíadas de 1988, em Seul. No entanto, o
entrosamento dentro e, principalmente, fora de campo, estava longe do
ideal. Bebeto era ídolo do Flamengo, enquanto Romário havia defendido o
Vasco até 1988, antes de ser negociado com o PSV, da Holanda. A
rivalidade era grande, e os dois praticamente não se falavam.
- Havia essa rivalidade, esses atritos, picuinhas. Os dois não se
falavam no início. O clima não era legal. Aos poucos, deixaram isso de
lado e formaram um belo ataque – recorda Lazaroni.
Tanto Bebeto quanto Romário confirmam a rivalidade, mas negam que tenham brigado fora de campo.
- Tínhamos uma rivalidade no âmbito profissional, no futebol. Foi a
partir daquela Copa América que a gente começou a jogar mais junto.
Começamos a nos conhecer melhor e o entrosamento partiu dali – revela o
Baixinho.
Bebeto também admite a rivalidade e revela que foi Romário quem levantou a bandeira branca.
- Criaram isso, mas nunca briguei com o Romário. Nunca discutimos.
Claro que a gente jogava contra. Os dois querendo ser o melhor. A
rivalidade era natural. Nunca tivemos uma discussão. Durante a Copa
América, ele me abraçou, brincou comigo e disse: “Temos que acabar com
isso” - conta Bebeto.
Com a dupla afiada e a torcida ao lado, foi difícil segurar o Brasil.
Nem mesmo a Argentina de Maradona, então campeã do mundo, foi páreo para
a Seleção. Diante de 100.135 torcedores, Bebeto e Romário
“esculacharam”. Certamente, foi uma das maiores atuação do time
canarinho no Maracanã, palco de toda a fase final da Copa América.
A vitória por 2 a 0 não traduziu a superioridade brasileira. Bebeto
iniciou o caminho para vitória, com aquele que ele considera o gol mais
bonito de sua carreira. No início do segundo tempo, Silas cruzou da
direita, Romário ajeitou, e o camisa 7 acertou um lindo voleio.
- Acho que foi o gol mais bonito da minha carreira. Aquele gol de
voleio virou minha marca registrada. Fiz história naquele dia. Após o
jogo troquei camisas com o Maradona, e ele me disse que nunca tinha
visto um gol tão bonito – recorda orgulhosamente Bebeto.
Romário também deu seu show à parte. Foi dele o segundo gol,
aproveitando bobeira da defesa e driblando o goleiro Pumpido. O Baixinho
ainda protagonizou lances brilhantes contra a Argentina. Em um deles,
aplicou dois chapéus na entrada da área, mas não conseguiu a
finalização. Maradona também foi vítima e tomou uma caneta do camisa 11,
que quase levou o Maracanã abaixo, tamanha a vibração da torcida
carioca.
Para não dizer que Maradona só teve momentos ruins na Copa América de
1989, o argentino foi protagonista de um dos lances mais geniais do
torneio. Contra o Uruguai, no Maracanã, ele arriscou um lindo chute do
meio de campo. A bola encobriu o goleiro uruguaio e carimbou,
caprichosamente, o travessão.
Brasil encerra jejum de 40 anos
Após bater a campeã mundial, o Brasil se encheu de confiança e partiu
para o título. Contra o Paraguai, novo show de Bebeto e Romário. O
baiano marcou duas vezes e o Baixinho completou a vitória por 3 a 0.
Em 16 de julho de 1989, Brasil e Uruguai decidiram a Copa América no
Maracanã. 132.743 torcedores acompanharam a decisão e viram o Brasil
encerrar o jejum de 40 anos sem títulos da Copa América. Desta vez,
coube a Romário decidir o jogo. Aos quatro minutos da etapa final, ele
aproveitou cruzamento de Mazinho, se antecipou ao goleiro Zeoli e, de
cabeça, fez o gol do título. Foi o terceiro gol do Baixinho no torneio.
Bebeto foi o artilheiro, com seis bolas nas redes.
- Foi o único torneio que joguei com o apoio da torcida brasileira. Fui
eleito o melhor jogador e artilheiro. Não tive a oportunidade que os
jogadores de hoje terão, de jogar uma Copa do Mundo no meu país. Mas
posso dizer que joguei a Copa América. E é impressionante a motivação. É
um negocio muito forte – disse Bebeto.
* Fabrício Marques colaborou com a reportagem