Entrevistão: os Fla-Flus de pais e filhos do recordista, o Maestro Junior
Ídolo, com 48 jogos, é 'batizado' no clássico quando
menino no ombro do pai tricolor na final de 63. Em 91, abraça filho no
campo após gol do título
Por Márcio Mará e Thiago Ribeiro
Rio de Janeiro
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Era um domingo dos mais esperados aquele do dia 15 de dezembro de 1963.
Decisão no Maracanã. Fla-Flu. Na companhia do pai e do tio, dois
garotos se depararam com uma verdadeira multidão ao chegarem ao estádio.
Um público de 177.020 pagantes. Mais de 190 mil presentes. Até hoje
recorde mundial de todos os clássicos. Ali, espremido na geral, em cima
dos ombros de seu Gildo, o caçula, de nove anos, olhava fixo para todo o
espetáculo de cores nas arquibancadas. Abismado com toda a beleza, não
poderia imaginar que naquele dia, naquela hora, começava a escrever a
sua história no meio da rivalidade.
Esse Fla-Flu da infância foi o "batizado" para o futebol do recordista
do charmoso duelo. Leovegildo Lins Gama Junior, paraibano de nascença,
carioca da gema, foi quem mais entrou em campo para disputá-lo. Em 48
partidas - Jarbas, ponta rubro-negro dos anos 30 e 40, está empatado nos
números.-, mostrou como poucos o seu talento. O Junior Capacete dos
anos 70 e dos dourados anos 80 do Flamengo. O Junior Maestro dos anos
90, que sentiu, no momento do derradeiro gol do título carioca de 1991,
na euforia estampada no rosto do filho Rodrigo, presente à beira do
campo, a passagem de bastão: era mais um Fla-Flu de pais e filhos.
- Quando faltavam três minutos, olhei para a beira do campo, estava o
seu Neném, conselheiro do Flamengo, de mãos dadas com ele. Tinha cinco,
seis anos de idade. Fiquei pensando: "O que esse moleque está fazendo
ali?" Porque, para mim, não era para ele estar ali. Vai que toma uma
bolada... Mas ele já estava ali esperando o fim do jogo. O mais
engraçado é que quando acabou o jogo ele correu para mim e disse: "Pô,
pai, nós ganhamos. " Mas ele falou o "nós ganhamos" como se tivesse
jogado. E na verdade jogou, estava do meu lado ali. Tem umas imagens
desse período e toda vez que vejo aquela imagem a garganta dá uma
secada... Eu poderia dar qualquer coisa para o meu filho em termos
materiais. Mas proporcionar para ele aquilo ali com 36 anos de idade era
uma coisa que só poderia ser naquele momento -disse o emocionado
Junior, num descontraído papo num bar em Copacabana.
Numa
esquina de Copacabana, Junior também é maestro. Nos Fla-Flus, é o
recordista em números: atuou 48 vezes no Clássico das Multidões com a
camisa rubro-negra (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Numa das tradicionais esquinas do bairro que escolheu para viver boa
parte de sua vida - agora, o atual comentarista da TV Globo vive na
Barra da Tijuca -, Junior mostrou que tem o espírito da coisa. Em meio
às resenhas nas quais contava as deliciosas histórias vividas no
clássico, era sempre requisitado para um aperto de mão, um forte abraço
ou até para ganhar presente. E a cada ex-vizinho ou amigo de fé que
surgia, vinha sempre uma nova boa lembrança. Pouco antes de ter
completado 58 anos nesta última sexta-feira, falou de sua relação de
carinho pelo Fluminense, time para o qual torcia seu pai. Garantiu ter
sido sempre rubro-negro, ainda que esse detalhe seja irrelevante para um
personagem tão identificado com as cores rubro-negras.
- Essa história de dizerem que o Junior era tricolor não modifica em
nada. O mais importante é que eu acompanhei as histórias dos dois
clubes. Não teria problema nenhum se eu tivesse torcido para o
Fluminense, até mesmo em função do meu pai e do meu tio. Mas a vida toda
mostrou o lado exatamente em que eu estive... Meus amigos na praia,
quando a gente começou a jogar no Juventus, a maioria toda era Flamengo.
E eu ia para o Maracanã escondido... Só a minha mãe, rubro-negra,
sabia. Eles, não. Eu já tinha de 11 para 12 anos. Já estava mais
definido para o lado do Flamengo.
Na hora do chute do Escurinho, da defesa do Marcial, a gente já estava se encaminhando para sair. Só ouvimos o "Uuuuuh"... "
Junior
No Fla-Flu, Junior viu também sua história mudar. O troca-troca entre
os dois clubes ocorrido em 1976 e promovido pelo então presidente
tricolor Francisco Horta, representou para o lateral mudança de posição.
Com a chegada de Toninho, jogador de seleção brasileira, o então jovem
trocou a lateral direita pela esquerda, onde se consagrou. O eterno
Maestro rubro-negro afirmou ter buscado inspiração nas jogadas de
Marinho Chagas, o Bruxa, lateral-esquerdo do Botafogo e da Seleção nos
anos 70, para se adaptar ao novo setor. Lembrou também das boas lições
aprendidas com Paulo Cezar Caju e Samarone, ídolos de infância, e o
argentino Doval, companheiro de time e depois rival. Do perfume francês
de PC comprado por todos os jogadores rubro-negros à loucura de
Rondinelli para conter um chute de Rivellino até a virada rubro-negra
capaz de fazê-lo comemorar de forma tresloucada em 1993, não faltam
histórias desse bom sujeito do samba e da bola.
Você é o jogador, junto com Jarbas, o Flecha Negra, ponta do
Flamengo dos anos 30 e 40, que mais vezes atuou num Fla-Flu. Como se
sente fazendo parte de forma importante desse clássico, que completa
agora 100 anos?
Quando soube que tinha sido o jogador que tinha participado de mais
Fla-Flus, fiquei pensando que isso não é uma coisa de só quando me
tornei profssional. Meu pai era tricolor, meu tio-avô, o Aloísio,
também. Foram os dois que me encaminharam para ver futebol. Dentro de
casa, tinha minha mãe, flamenguista doente. Comecei a ir ver os jogos
com eles. Com nove anos de idade, eu e meu irmão mais velho, o Lino,
fomos àquela final do Carioca de 1963, o 0 a 0 no Maracanã.
Essa é a partida que teve o maior público de todos os Fla-Flus...
Subimos para a arquibancada, mas estava impossível de a gente entrar.
Logo naquela primeira entrada. Aí a solução que o meu tio deu foi: "Ah,
vamos lá pra geral..." Eu tinha nove, meu irmão mais velho tinha 11
anos. Nosso sonho era ver na geral. Só que naquele dia a geral tava
super, hiperlotada. Então eu, como era menor e pesava menos, vi o
joguinho todo nas costas do meu pai, do velho Gildo. É uma das grandes
lembranças que eu tenho da infância.
No fim do jogo, teve aquela bola do Escurinho que o Marcial, goleiro do Flamengo, salvou. Viram bem o lance?
Na hora do chute do Escurinho, da defesa do Marcial, a gente já estava
se encaminhando para sair. Eles estavam preocupados com a nossa saída.
Só ouvimos o "Uuuuuh"... A gente ia ao jogo mais em função do meu tio e
do meu pai.
Com
a camisa rubro-negra, que vestiu 857 vezes de 1974 a 1993, o
mangueirense Junior fez história e teve como grande companheiro e amigo
outro ídolo rubro-negro: Zico (Foto: Editoria de Arte /
Globoesporte.com)
Afinal, você era tricolor na infância?
Essa história de dizerem que o Junior era tricolor não modifica em
nada. O mais importante é que eu acompanhei as histórias dos dois
clubes. Não teria problema nenhum se eu tivesse torcido para o
Fluminense, até mesmo em função do meu pai e do meu tio. Mas a vida toda
mostrou o lado exatamente em que eu estive... Mas conheço muito a
história do Fluminense naquela época. Aquele time do Félix, Oliveira,
Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Didi; Cafuringa, Samarone,
Claudio e Lula. Porque eu acompanhava com eles. Tinha a "Revista dos
Esportes", o "Jornal dos Sports". Mas meus amigos na praia, quando a
gente começou a jogar no Juventus, a maioria toda era Flamengo. E eu ia
para o Maracanã escondido... Só a minha mãe, rubro-negra, sabia. Eles,
não. Eu já tinha de 11 para 12 anos. Já estava mais definido para o lado
do Flamengo.
O Fla-Flu sempre esteve muito presente em sua vida...
No primeiro gol que o Zico fez com centro meu de perna esquerda vibrei
mais do que ele... Foi a certeza de que poderia jogar na posição."
Junior
O mais engraçado é que hoje, trabalhando como comentarista de TV, faço
muitos jogos. Fluminense na Libertadores, então, eu ia direto. Quando
entro no avião às vezes, aí o cara vira... "Ô, ô, ô, o Junior é
tricolor..." Eu digo: "Eu sou. Vermelho, preto e branco." Brinco com a
galera. Mas é legal porque existe um respeito muito grande por parte da
torcida do Fluminense. Talvez de todas as torcidas adversárias seja a
que me trata melhor. Também pelo fato do meu pai, do meu tio... a minha
história. Cheguei a treinar no Fluminense em 73 levado pelo Mozart de
Giorgio, nosso vizinho, muito amigo do Parreira, treinador do time de
cima. E eu fui treinar no Fluminense. Tive sempre alguma ligação com o
Fluminense na minha vida.
Lembra do primeiro Fla-Flu como jogador?
Não lembro do meu primeiro Fla-Flu (foi em 1974, pelo Carioca, e o Fla
venceu por 2 a 1). Lembro bem de um dos mais importantes, o de 1991, do
meu retorno da Itália. O Rodrigo, meu filho, pequenininho, final do
Campeonato Carioca, ele na beira do campo. Esse eu lembro muito bem. O
outro de ótima recordação foi o primeiro jogo como lateral-esquerdo, o
do troca-troca. O Toninho veio para a lateral direita, o Doval foi para
lá. Rodrigues Neto e Renato também. Roberto e Zé Roberto foram para o
Flamengo. Ganhamos de 4 a 1, foi o jogo da "Zicorvardia", manchete de
jornal, o Galo fez quatro gols. O nosso técnico era o Carlos Froner.
Teve um jogo lá em Caxias do Sul quando aconteceu o troca-troca no Rio.
Aí o Froner falou para mim que ia me experimentar no lado esquerdo. Era
meio complicado barrar o Toninho, que estava chegando. Ele dividia a
vaga de titular da Seleção com o Nelinho. Eu disse que não tinha
problema nenhum em ir para a esquerda, podia tentar. Acho que o Froner
sentiu que dava para eu me adaptar.
E foi fácil a adaptação à lateral esquerda?
Aí passei pelo processo do paredão de madeira lá na Gávea, de perna
esquerda, de cruzamento. Até pegar... Uma coisa é sair da direita para a
esquerda. É uma diferença muito grande. As pessoas até acham que não. A
arrancada, a cobertura...Aos poucos, fui aprendendo.. Lembro que no
primeiro gol do Zico com um cruzamento meu de perna esquerda eu vibrei
mais do que ele... Porque aí foi a certeza de que eu poderia jogar
naquela posição. E aquele ano para mim, 76, foi legal. Tive a primeira
convocação para a Seleção já como lateral-esquerdo.
Como os jogadores reagiram àquele troca-troca entre Flamengo e Fluminense? Não sentiram desvantagem para o Flamengo na situação?
Doval foi um dos que mais vestiram a camisa do Flamengo na concepção da palavra. Pela raça, luta, entrega, técnica"
Junior
Acho que naquele período o doutor Francisco Horta vinha com aquelas
ideias do troca-troca para revolucionar o futebol carioca e conseguiu. O
fato de o Rivellino ter vindo naquele período foi uma tacada de mestre.
Além de o Fluminense ter montado aquela Máquina com Paulo Cezar, Dirceu
& Cia. Nós sentimos esperteza, na verdade. O Flamengo não precisava
de um lateral-direito. Mas veio o Toninho. Zé Roberto não veio para ser
o titular na ponta, e muito menos o Roberto para ser o goleiro. Mas eu
acho que esses caras se integraram de uma forma tão legal... Primeiro,
achamos que tínhamos saído no prejuízo. O Renato, o Doval e o Rodrigues
Neto foram para ser titulares lá. O Fluminense estava carente naquele
período.
E o Doval era ídolo no Flamengo...
O Narciso era especial para todos nós. Não somente pela capacidade
técnica. Doval foi um dos caras que mais vestiram a camisa do Flamengo
na concepção da palavra. Pela raça, luta, entrega, técnica tudo isso. Só
que o Zé Roberto, Roberto e o Toninho se integraram de uma forma muito
legal, exatamente no período em que se estava montando o time que, a
partir de 78, viveu a época de ouro do Flamengo. O Zé Roberto, um cara
extremamente inteligente. O Roberto, com uma participação muito grande,
principalmente fora do campo, na ajuda aos mais novos. E essa integração
foi boa. Na parte técnica, acho que o Flu até levou uma vantagem. Mas
nos outros quesitos terminamos levando a melhor.
O Toninho se encaixou bem no time. O Cláudio Coutinho o usou
bem para as jogadas das ultrapassagens, para o lateral ir à linha de
fundo...
Quando foi montado aquele esquema das ultrapassagens, que o Coutinho
chamava de overlaping, o Toninho, pela velocidade e pelo timing que
tinha... O Baiano era um cavalo de raça. Um cara com preparo físico
acima da média. Era muito legal porque treinávamos separadamente os
laterais. Eu, ele, o uruguaio Ramirez, treinávamos juntos. Como ele
estava fisicamente na ponta dos cascos, carregava a gente. Isso
contribuiu muito para que a nossa evolução física fosse muito legal.
Junior lia as crônicas de Nelson Rodrigues e Mario Filho (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Como foram os duelos com a Máquina?
O Rivellino matou no peito, a bola quicou e ele armou para chutar. O
maluco do Rondinelli deu voadora de cabeça, à meia altura... "
Junior
Eram aquela história do Davi contra o Golias. Você tinha do lado de lá
sua fera, o Rivellino. Gente com passagem pela Seleção Brasileira... Na
verdade, a gente começando a carreira. Mas para nós era sempre incentivo
e motivação. O Fla-Flu exerce um fascínio diferente para quem está lá
embaixo, no campo. Você olha para a arquibancada, é a mistura do
vermelho com o preto, e o verde, vermelho e o branco, é uma coisa
totalmente diferente. Os Fla-Flus não eram levados pela agressividade,
pela violência. Era uma coisa muito mais como aquela coisa do Nelson
Rodrigues, que sempre escreveu coisas maravilhosas, o Mario Filho
também, com crônicas maravilhosas... Este clima era o que a gente via
nos Fla-Flus. Se você for buscar, dificilmente vai ver Fla-Flus com
brigas homéricas. Vai ver Fla-Flus com grandes espetáculos.
Mas o Doval, por exemplo, era catimbeiro...
Com o Doval, eu, pelo menos, não falava com ele. Porque o Gringo não
olhava para a cara do adversário. Ele dava o seu bico, a sua cotovelada
independentemente de quem fosse. Ele era assim quando jogava no
Flamengo, no Fluminense, na seleção argentina, era sempre assim. Então
não tinha papo com ele no campo.
Que história curiosa tem para contar desses Fla-Flus com a Máquina?
Teve um episódio com o Rivellino. Uma bola que sobrou, a defesa tirou, o
Rivellino matou no peito, ela quicou e ele armou para chutar. Quando
armou para chutar, o maluco do Rondinelli, o Deus da Raça, deu uma
voadora de cabeça, à meia altura, para evitar que o Rivellino pudesse
finalizar. Só o Rondinelli mesmo para fazer alguma coisa daquele tipo.
Eu acho que o Riva ficou com pena dele e não chutou. Porque se tivesse
chutado, a cabeça do Rondinelli tinha voado.
Naquele tempo, existia uma convivência boa entre os jogadores. O
Pintinho, do Fluminense, e o saudoso Geraldo Assobiador, do Flamengo,
eram amigos inseparáveis e se enfrentavam sempre nos Fla-Flus sem
qualquer problema.
O Pintinho era meu vizinho.em Botafogo; Ele morava no terceiro, eu
morava no sexto andar. Acabou o jogo, a gente se via, estava nos mesmos
lugares, não tinha essa rivalidade, essa cobrança de um não poder estar
com o outro. A nossa galera era sempre a mesma que se divertia depois do
jogo. Ia ao Monte Líbano no carnaval, pro Vidigal, pro samba no Águia. E
isso não fazia nenhuma diferença na hora de uma dividida do Pintinho
com o Geraldo. Ninguém tirava o pé. E nem por causa disso eles deixaram
de ser amigos.
Você falou com empolgação do fascínio que o Fla-Flu exerce. É mesmo especial?
O Paulo Cezar Caju era o mais chato de ser marcado. Quando balançava na frente, era complicado"
Junior
O Fla-Flu era aquele clássico que tinha alguma coisa de diferente. Os
clássicos vão por períodos, momentos. O Fluminense desse momento, 1975,
76, era uma motivação absurda. Era você querer ganhar do melhor, que
estava em evidência. Em outros períodos havia a rivalidade eterna com o
Vasco e até mesmo com o Botafogo. Menos com o Botafogo naquele período
porque não estava muito bem das pernas. Mas tivemos períodos com o
Botafogo de muita dificuldade. Só que com o Fluminense era diferente.
Pelas coisas que eu já citei. Da torcida, as cores, e principalmente a
questão da agressividade. Não era um clássico que era levado à
violência. Tinha jogo viril, chegada, mas violento, não.
Os jogadores liam muito Nelson Rodrigues e Mario Filho naquela época?
Mesmo você não querendo, as frases do Nelson e do Mario Filho eram
sempre manchetes. Aquela história de que o Fla-Flu começou 40 minutos
antes do nada... Só o Nelson Rodrigues para pensar numa coisa assim..
Qual derrota para o Fluminense doeu mais?
Mais para frente, a derrota de 1983. Até hoje eu cobro do Arnaldo
(Cezar Coelho, comentarista de arbitragem da TV Globo e árbitro na
época). Não houve impedimento do Adílio. Mas marcaram. O Delei bateu, o
Assis fez o gol. Acho que antes de minha ida para Itália foi meu último
Fla-Flu. Ele diz que quem deu foi o bandeirinha... "Mas você não é a voz
do campo? Autoridade máxima?", perguntei. Naquele jogo de 1983
comandamos o jogo praticamente todo. Mas só termina quando o juiz apita.
O pior foi acabar da forma como acabou. Era um lance legal que podia
proporcionar para a gente uma chance de gol. E terminou sendo revés.
Talvez o meu grande exemplo para a lateral esquerda tenha sido o Marinho Chagas."
Junior
Depois, em 1991, foi a sua vez de ser campeão...
Oito anos depois, tive a oportunidade de ter a forra. Voltei para o
Brasil após o pedido do Rodrigo, meu filho. Ele queria me ver jogando no
Flamengo, principalmente depois que viu uma fita com os gols do Zico lá
em Pescara. Em 1990 ganhamos a Copa do Brasil mas foi em Goiás, ele não
viu. Aí teve a final do Carioca com o Fluminense. Fiz o quarto gol, foi
4 a 2 o jogo. Quando faltavam três minutos, olhei para a beira do
campo, estava o seu Neném, conselheiro do Flamengo, de mãos dadas com
ele. Tinha cinco, seis anos de idade. Fiquei pensando: "O que esse
moleque está fazendo ali?" Porque, para mim, não era para ele estar ali.
Vai que toma uma bolada... Mas ele já estava ali esperando o fim do
jogo. O mais engraçado é que quando acabou o jogo ele correu pra mim e
disse: "Pô, pai, nós ganhamos. " Mas ele falou o "nós ganhamos" como se
tivesse jogado. E na verdade jogou, estava do meu lado ali. Tem umas
imagens desse período, e toda vez que vejo aquela imagem a garganta dá
uma secada... Eu poderia dar qualquer coisa para o meu filho em termos
materiais. Mas proporcionar para ele aquilo ali com 36 anos de idade é
uma coisa que só poderia ser naquele momento. Minha mulher mesmo queria
ficar mais tempo na Itáia. "Eu disse: Pô, mas se não for agora, não vai
dar tempo." E ela: "Pô, mas vão chamar você de velho..." Mas eu sabia
das minhas condições. Aquele momento foi único da minha vida. E calhou
de ser contra o Fluminense.
Aquele time acabou sendo a base para o do título brasileiro de 1992...
Ali com o Carlinhos a gente conseguiu criar um módulo de jogo. Nós não
sabíamos a forma como jogávamos. Quando ele conseguiu botar o Paulo
Nunes ou o Julio César na direita e o Nélio na esquerda, começou a haver
um revezamento. Fizemos um 4-5-1, só com o Gaúcho na frente, os caras
ajudando os laterais. Então, naquele finalzinho a gente se encontrou, e
isso teve consequências melhores quando levamos o Brasileiro de 92.
A companhia do Zinho no meio-campo o ajudou muito?
Zinho sempre foi aquele cara da qualidade e da quantidade. É até uma
injustiça quando falam que o Zinho é isso, o Zinho é aquilo... Precisa
você ter um Zinho no seu time para dar valor que nós demos. Depois fui
observador do Parreira da Seleção em 1994 e só nós sabíamos da
importância do Zinho. Tanto quanto o Bebeto, o Romário, o Aldair, o
Dunga. Fazia aquele papel obscuro, que não aparecia. Mas que
coletivamente era fundamental. Ele dizia que a gente tinha uma espinha
dorsal no Flamengo: o Gilmar, o Gottardo, eu e o Gaúcho. Eu dizia para
ele que tinha mais um. Mesmo sendo garoto, participava das nossas
reuniões, era um cara mais maduro. Líder junto ao Paulo Nunes,
Marcelinho, Djalminha, Júnior Baiano, Nélio. Quando a gente precisava de
alguma coisa, muitas vezes não ia. O Zinho fazia, filtrava para a
gente. A gente dava sempre uma aparada de aresta no ambiente. Ele foi
fundamental nesse período.
O Flamengo nem era favorito naquele Fla-Flu. O time do Flu era bom...
Encontrei com o Edinho, que era treinador do Fluminense, e ele disse.
"Pô, só você mesmo para me derrubar. Se não tivesse você, nada tinha
acontecido. " Tá de brincadeira, né? O Fluminense estava com um bom
time. O Ézio, numa forma espetacular. O Bobô tinha saído do Flamengo e
se encontrado no Fluminense. Ele se machucou naquele jogo, e quando saiu
o Fluminense deu uma caída. O time deles estava brigando e era o
favorito para conquistar aquele Carioca.
De todos os jogadores do Flu que enfrentou, qual era o mais chato de ser marcado?
O Fla-Flu exerce fascínio diferente para quem está lá embaixo, no
campo. Você olha para a arquibancada, é a mistura do vermelho com o
preto, e o verde, vermelho e o branco"
Juniorr
O Paulo Cezar Caju. Eu ainda enfrentei o Paulo jogando de
lateral-direito, e ele na ponta... Em 1975. O Paulo sempre foi o nosso
ídolo, desde o período em que jogava no Flamengo. Aquele campeonato de
72 ele ganhou praticamente sozinho. Além disso, tenho um carinho absurdo
por ele. Quando o Colúmbia fazia os jogos de final de ano lá no Leblon,
era um jogo do Colúmbia contra os jogadores profissionais. Foi ele que
me deu a primeira oportunidade de jogar entre os profissionais porque eu
já enfrentava o Colúmbia. Então, no meu primeiro ano, em 74, ele me
chamou para jogar lá. Foi um irmão mais velho para a gente e sempre uma
referência. Então, para marcá-lo, dar um pontapé nele, uma chegada mais
junto, eu pensava duas vezes, fora a qualidade técnica dele. O Paulo,
quando balançava na frente, era complicado. Ele saía para os dois lados.
Jogava com a perna esquerda com a mesma facilidade que com a direita.
Foi até um aprendizado bom, porque ele era destro e jogava pela esquerda...
Talvez o meu grande exemplo para a lateral esquerda tenha sido o
Marinho Chagas. Eu o acompanhei bem na Copa do Mundo de 74. Quando
acabou o Mundial, só se falava nele. E eu jamais poderia imaginar que ia
jogar também na lateral esquerda. Aí comecei a me lembrar das coisas
que o Marinho fazia. Aquela puxada para dentro. Fingir que ia para o
fundo, puxava para dentro, para bater no gol... Aí você começa a ver um
filmezinho e a aprender com tudo isso aí. Esses caras para a gente
sempre foram referências.
Houve menos convivência com o Paulo Cezar no Flamengo?
Eu
estava no futebol de salão nessa época. Fui para o campo em 1973. Mas
acompanhava os treinamentos; Até porque eles treinavam antes da gente.
Além de eu conhecer o Paulo do futebol de praia. Então o Paulo sempre
falava comigo e não falava com os meus amigos. Aí os caras chegavam:
"Pô, você conhece ele?" "É, conheço da praia..." Isso me enchia de
orgulho. "Pô, o Paulo me conhece..."
Na época, ele já era o craque da moda...
Mas era mesmo..E lançava moda. O Paulo foi o Neymar desse período.
Pintava o cabelo, comprava carro, aí todo mundo fazia as mesmas coisas.
Lembro que quando foi para a França e voltou, descobriu um perfume
chamado Monsieur Heim. Aí todo mundo ficou de olho. "Vamos comprar esse
perfume?" Descobriram o lugar. Uma vez chegou todo mundo com o mesmo
cheiro dele para uma boate que nós íamos Ele perguntou que perfume
estávamos usando. Dissemos que era o Monsieur Heim. Aí ele perguntou:
"Mas por quê? Esse é o meu perfume!" Todo mundo riu. Depois, ele se
rendeu e aí passou a trazer para a gente.
Voltando aos Fla-Flus, teve um de virada, em 1993, pelo
Carioca, vencido pelo Flamengo por 3 a 2, que você costuma considerar
como dos mais emocionantes. Conte um pouco sobre esse jogo.
Pelas circunstâncias daquele jogo, foi difícil. O Fluminense dominou a
gente, poderia ter metido uns três ou quatro. Virou 2 a 0. E quando
voltamos para o vestiário, a primeira conversa que tivemos foi que
aquilo não era o Flamengo. "Estamos jogando um Fla-Flu. Se a gente
escapou de tomar uma goleada, vai ter que fazer alguma coisa." Carlinhos
fez algumas modificações na parte tática e nas substituições, voltamos
outro time. Sabe quando você sente que vai acontecer alguma coisa
favorável? Desde o início do segundo tempo tive essa sensação. Aí
fizemos um, dois, e no finalzinho dei a sorte de ter uma bola escorada
pelo Gaúcho de cabeça, dominar no peito e, antes de ela quicar, bater de
primeira e ela entrar. Dá pra ver que a minha vibração é de alguém que
está tirando alguma coisa que não é só de alegria. Era de tirar um peso
que estava incomodando.
O Samarone
foi a maior concepção de jogo coletivo de um profissional de futebol. "
Junior
É daqueles jogos da história da segunda pele, o que te fez dar mais sangue em campo?
Não. Jogo de segunda pele foi o terceiro da final do Carioca de 1981
contra o Vasco. Era na semana da morte do Cláudio Coutinho, nosso
ex-treinador. Aquele jogo foi o que mais encarnei... Teve aquele
carrrinho pra cima do Mazaropi, para a bola sobrar para o Nunes fazer o
gol. Mas, na verdade, a história de encarnar a segunda pele era toda vez
que estava em campo.
Há um tempo, numa entrevista, você falou muito bem do Samarone,
que jogou no Fluminense nos anos 60 e 70 e depois foi para o Flamengo.
Era seu ídolo também?
O Samarone eu seguia quando estava na Portuguesa de Desportos. Foi para
mim a maior concepção de jogo coletivo de um profissional de futebol.
Quando foi para o Fluminense ficou mais perto, pude vê-lo melhor. E
depois foi para o Flamengo em 70. Uma vez, conversando com ele,
perguntei: "Samarone, alguma vez você pensou em você mesmo?" Ele me
disse: "Pra quê? O jogo não era de 11? Qual a diferença do meu
companheiro ou eu fazer o gol? Nenhuma. O importante era a gente ganhar
no fim. " Isso, para mim, sempre foi o meu conceito de jogo. Não é
futebol association? Então, vamos nos associar. Isso era uma das coisas
que mais me deixavam impressionado. Porque jogador tem aquela coisa da
vaidade. Querer fazer um gol num Fla-Flu, num jogo importante. O cara
não pensava assim. Isso era uma coisa muito maneira nele.
E tecnicamente?
Nem se fala. Se ele fisicamente tivesse uma qualidade melhor, teria
feito uma carreira mais brilhante. Mas tinha uma vida completamente
diferente da dos jogadores de futebol. Era engenheiro. Ainda é
engenheiro. Outra cabeça.
Que Fla-Flu não jogou e gostaria de ter jogado?
Talvez o do Leandro, de 1985, que as pessoas vieram me contar depois.
Ele fez o gol lá do meio da rua, a bola bateu nas costas do Paulo Victor
e entrou. Eu estava na Itália, as pessoas vieram me contar."Pô, você
tem que ver o que aconteceu..." Não dá para imaginar. Cada jogo é uma
história. O Leandro chuta a bola do meio-campo, a bola bate na trave,
nas costas do Paulo Victor e entra. Parecia que era um título. A
primeira coisa que fiz quando eu cheguei ao Rio de Janeiro foi catar o
videoteipe daquele jogo. Deu vontade de jogar, principalmente aquele fim
de jogo.