'Meigo e sensível', DJ Gobbi revela como Corinthians mudou sua vida
Presidente campeão da Libertadores conta como ensaiava
para imitar John Travolta, fala de sua paixão pela música e da história
de amor com o Timão
Por Alexandre Lozetti, Carlos A. Ferrari, Leandro Canônico e Cassio Barco
São Paulo
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"Preciso acabar logo com isto... Preciso lembrar que eu existo..."
São os versos de Roberto e Erasmo Carlos que recebem Mário Gobbi logo
pela manhã na sala da presidência do Corinthians desde fevereiro, quando
a vitória na eleição mudou a sua vida.
Não é maneira de dizer. Mudou mesmo. Católico fervoroso, Gobbi tem em
sua sala um quadro de Jesus Cristo. Sobre a mesa, imagens de São Jorge,
Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Aparecida e São José. Eleito
presidente, além das missas aos domingos, passou a frequentar
diariamente a igreja de Fátima, próxima à sua casa. Lá, reza por ele,
jogadores, comissão técnica, dirigentes, sócios e torcedores do
Corinthians.
- Peço sabedoria, humildade e discernimento. Não piso no Corinthians
sem ir à Fátima - diz o dirigente, que, quando viaja com a delegação,
pede que o segurança encontre a igreja mais próxima ao hotel e repete o
ato, porém, acompanhado pelo técnico Tite.
A rotina caseira de Mário Gobbi também mudou. Aos 51 anos, não assiste
mais a nenhum programa esportivo na televisão, não lê jornais, não
navega na internet... Limita-se a filmes, noticiários gerais e, para
fugir das críticas, abandonou até o rádio, paixão tão intensa desde a
adolescência, que o levou a sonhar ser DJ.
- Eu queria ser disc-jóquei. Era assim que se chamava na minha época.
Sou homem do rádio, amante do rádio, mas me decepcionei tanto com
algumas coisas que não ouço mais.
Gobbi recebeu a reportagem em sua sala no clube (Fotos: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
O cargo só não alterou a intensa relação de Gobbi com a música.
Companheira não só do início do dia, mas também dos melhores momentos de
sua história, como na época da Discotheque, quando ensaiava passos de
John Travolta para brilhar nos embalos de sábado à noite em Jaú, sua
cidade natal, quanto dos piores, quando subia a Avenida Brigadeiro Luiz
Antônio, em São Paulo, com lágrimas de saudade da família nos olhos e
trechos de "Maria Maria" na ponta da língua: "é preciso ter força, é
preciso ter raça...".
Vivi intensamente o Corinthians. E, na época (anos 60), se não dava
Palmeiras, dava Santos, ou Botafogo, em nível nacional. As gozações eram
as mais terríveis possíveis, mas isso só me fazia ser ainda mais
corintiano"
Mário Gobbi
Mário Gobbi Filho recebeu o GLOBOESPORTE.COM e, durante pouco mais de
duas horas, revelou toda sua trajetória até chegar à cadeira
presidencial do Timão "pelas mãos de Deus". O lado religioso, forte
demais, tem grande parcela de responsabilidade do pai, que se formou
padre, mas não exerceu. Na verdade, o seminário era uma fuga das
dificuldades financeiras.
- Meu avô perdeu tudo na crise de 30, do café, e quem ia ao seminário
tinha casa, comida, estudos... Foi uma solução que encontraram na época.
Seu Mário, o pai, não atuou como padre e nem como palmeirense, para
sorte do filho. A decepção pelo Palestra Itália passar a se chamar
Palmeiras, após decreto durante a Segunda Guerra Mundial que vetava
expressões de língua italiana em entidades, fez com que ele torcesse
apenas pela seleção brasileira. Portas abertas para o tio Gerson, de
quem ele fala com carinho indescritível, que morava em São Paulo e
apresentou ao sobrinho dois amores eternos: a capital paulista e o
Timão.
Corintiano fanático como o tio, Mário Gobbi passou infância e
adolescência perto do time, seja no interior ou nos jogos no Pacaembu,
quando frequentava a casa de Gerson.
- Vivi intensamente o Corinthians. E, na época, se não dava Palmeiras,
dava Santos, ou Botafogo em nível nacional. As gozações eram as mais
terríveis possíveis, mas isso só me fazia ser ainda mais corintiano
porque eu cresço muito nas adversidades, me transformo.
Mário Gobbi tem orgulho de sua religiosidade (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
A cidade de São Paulo também se mostrava atraente demais ao jovem que
jogava bolinhas de gude, futebol e rodava pião pelas ruas do interior.
Tanto que, mesmo namorando, ele não conseguia esconder o interesse por
Alessandra, menina que havia se mudado de Jaú para a capital, mas sempre
voltava para passar as férias. Num desses períodos, na saída da missa,
ela o convidou para seu aniversário de 18 anos. Mário disse "sim" ao
convite, é claro. Anos depois, ambos diriam "sim" no casamento, que dura
até hoje.
Quando conseguíamos fazer os passos do Travolta era demais!"
Mário Gobbi
O "sim" a Alessandra colocou a canção "Heaven must be missing an
angel", de Tavares, definitivamente na vida do presidente do
Corinthians. É a trilha sonora do namoro. Até hoje eles assistem ao DVD
com a apresentação do grupo. Mas a música já norteava a vida do garoto
que tocava caixa na banda de Jaú e, desde os 15 anos, foi completamente
seduzido pelo fenômeno mundial da Discotheque.
Os encontros nas discotecas nos finais de semanas eram sagrados, assim
como a presença nos concursos de dança. Gobbi jura que não se arriscava,
mas, para ele, o cenário de luzes, corpos e música era como a visão do
paraíso.
- Foram os melhores anos da minha vida. E durante a semana nós
ensaiávamos na casa de uma amiga porque não podíamos fazer um papelão na
discoteca. Quando conseguíamos fazer os passos do Travolta era demais!
Eu só fazia o trivial, mas adorava ver as luzes girando e todo mundo
dançando. É um visual único, romântico.
Gobbi é filho de palestrino, mas preferiu seguir o tio corintiano (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Visual que se transformou em 1979, ano em que Gobbi se mudou para a
casa do tio, em São Paulo, e passou a trabalhar no escritório de
advocacia do primo. As luzes da discoteca se transformaram no céu
cinzento do trajeto "casa-trabalho-casa-cursinho" percorrido
diariamente. Em comum, só a música.
- Eu sentia muita solidão. Andei muito pelas ruas de São Paulo,
chorando de saudade dos amigos, pai, mãe, irmã... Subia a Brigadeiro com
a música do Milton Nascimento, mas cresci muito. Sempre mergulhei muito
nas músicas porque elas levam a Deus.
Cada frase e relato de Mário Gobbi revelam traços de sua personalidade
que ele assume com orgulho. Durante a entrevista, o presidente se
definiu como dócil, meigo, sensível e romântico. Características que não
se perderam nem mesmo depois que ele passou no concurso para se tornar
delegado de polícia. Segundo ele, mais uma obra divina. Apenas por um
ano ele foi plantonista no 91º Distrito Policial. Não passou por nenhuma
situação de risco e aproveitou para fazer trabalho social para curar a
frustração de ver miseráveis e não poder fazer nada.
Apaixonado por presidir inquéritos policiais, ele passou a trabalhar na
Secretaria da Justiça, levado por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira,
advogado de quem até hoje diz ser cria. Mas foi em outro trabalho, na
assessoria do diretor-geral do Detran, que o Corinthians deixou de ser
uma paixão para se tornar a obrigação de Mário Gobbi. Foi lá que ele
conheceu o ex-presidente Wadih Helu, que notou seu interesse e
conhecimento da história alvinegra e passou a inseri-lo cada vez mais no
clube.
A oposição a Dualib e a pérola na montanha
Mano Menezes, 'mentor' de Mário Gobbi no futebol,
em 2010 (Foto: Diego Ribeiro / globoesporte.com)
Em 2000, Gobbi ganhou do amigo José Maria Pereira Rio o título de sócio
remido do Corinthians, necessário para se tornar conselheiro vitalício,
o que ocorreu dois anos depois e o credenciou a almejar cargos
relevantes. Irritado pelo "padrinho" Helu não retirar o apoio ao então
presidente Alberto Dualib, Gobbi passou a ser oposição e, ao lado de
Andrés Sanches, entre outros, ajudou a criar o grupo que hoje administra
o clube.
- O Andrés ganhou a presidência e me chamou para ser diretor de
futebol. Eu falei que iríamos ouvir minha esposa, porque num cargo
desses você abre mão de uma série de coisas. Se ela não fechar junto,
você não consegue. Tomamos um uísque, que ele gosta, fomos jantar e ela
disse: "Mário, vai que você vai se dar bem". Resolvi encarar a voz dela
como se fosse a voz de Deus.
O meigo Mário Gobbi só tinha um problema nas mãos: não conhecia
praticamente nada de futebol. Por isso, segundo ele mesmo conta, passou
os primeiros seis meses do cargo calado e teve dois excelentes
professores: Antonio Carlos, hoje técnico do Audax, e Mano Menezes,
agora na seleção brasileira.
O sucesso na função o levou à presidência. De sócio a principal homem
do clube em apenas dez anos, trajetória que ele considera "meteórica" e
teve seu auge com o título da Taça Libertadores. Em 2010, na diretoria
de futebol, Gobbi discursou aos jogadores, no primeiro dia da
pré-temporada, que no ano do centenário havia uma pérola muito rara para
ser alcançada sobre a montanha. A pérola era a Libertadores, mas a
derrota para o Flamengo nas oitavas de final brecou a escalada. O topo
da montanha chegaria em 2012, assim como a comprovação de que o discurso
havia marcado o coração dos atletas.
Gobbi, de azul, com o Corinthians campeão da
Libertadores: a pérola na montanha (Foto: AFP)
- Como muitos jogadores daquela época continuam no Corinthians, agora
quando eu me apresentei como presidente, eles vieram me dizer: "Seu
Mário, vamos buscar aquela pérola". E para o Mundial eu já estou
pensando em passar alguma mensagem a eles. Acho muito importante lidar
com esse lado emocional - revelou.
Mário administra o futebol corintiano baseado na "política de
prevenção". O volante Paulinho é o exemplo mais claro. Preparado para
substituir Elias, é notório que ele não deverá ficar muito tempo no
futebol brasileiro. Por isso, o presidente já buscou Guilherme na
Portuguesa. Seu lema é não fazer mais de uma alteração por posição no
grupo de uma competição para a outra.
Posso te garantir que nem se eu reencarnasse mais 100 mil vezes, voltarei a ser presidente do Corinthians"
Mário Gobbi
Sua grande preocupação na função é a parte de gestão. Segundo ele,
apesar dos avanços obtidos no mandato de Andrés Sanches, ainda há muita
coisa para melhorar. A atenção aos esportes olímpicos e ao maior
equilíbrio entre receitas e despesas, além do novo estatuto, são
exemplos de modificações consideradas necessárias.
Fato é que, depois do início de 2015, quando terminar o mandato à
frente do Corinthians, Mário Gobbi não tem mais pretensões políticas.
Vai retirar seus pertences da ampla sala. Entre eles, uma carta escrita
pela mãe, Marlene, ao tio Gerson em janeiro de 1979, quando o filho se
mudou para São Paulo. Palavras emocionadas de uma mãe preocupada, mas
esperançosa no futuro de seu tesouro: "O meu coração de mãe diz que tudo
dará certo. E toda mãe conhece o filho que tem, suas virtudes, seus
defeitos. E eu boto uma fé danada nele", diz trecho da correspondência
que está enquadrada na parede.
Encerrado o mandato, Gobbi voltará para sua casa, colocará a mochila no
banco de trás do carro e sairá em viagem com Alessandra. Vai aproveitar
a vida, obssessão tão grande que levou o casal a optar por não ter
filhos. Para eles, uma criança exigiria uma criação com regalias e
atenção que acabaria os impedindo de curtir a boa vida.
Católico, mas respeitoso a todas as religiões, Mário admite que poderá
ter, na próxima encarnação, a missão de ser pai. Mas também usa o
espiritismo para mostrar o fardo que é comandar um dos maiores clubes do
país:
- Posso te garantir que nem se eu reencarnasse mais 100 mil vezes, voltarei a ser presidente do Corinthians (risos).
Mario Gobbi admite: ainda há muito a se fazer no Corinthians (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)