Diego Costa vira inspiração no pobre e desconhecido Barcelona Capela
Time onde o atacante da Seleção começou no futebol ainda
treina em campo de areia e luta para disputar a quarta divisão do
Paulistão
Por Alexandre Lozetti e Cassio Barco
São Paulo
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O cenário é quase cinematográfico. Uma rua isolada da zona sul de São
Paulo, um portão modesto, um corredor lavado por um senhor de idade
acompanhado de um cachorro, e que leva a um campo de areia enlameado
pelas chuvas. Foi lá, em 2004, que Diego Costa se apresentou ao
desconhecido Barcelona Capela, e deu o primeiro passo da carreira que,
oito anos depois, desponta: agora ele é titular do Atlético de Madri e
está convocado por Luiz Felipe Scolari para defender a seleção
brasileira nos amistosos contra Itália, nesta quinta-feira, e Rússia, na
próxima segunda.
Oito anos depois, o local está mais danificado, já que uma árvore,
cortada na direção errada, desabou sobre parte do alambrado atrás de um
gol, e do teto do local. Alheios ao visual, dezenas de adolescentes de
11 a 19 anos vestem o uniforme do Barcelona (não o de Messi e cia.) e
correm atrás da bola do sonho de se tornarem jogadores de futebol.
Agora, inspirados em Diego Costa, que será utilizado como exemplo pelo
presidente Paulo Moura, que luta para conseguir disputar a Série B
(quarta divisão) do Campeonato Paulista.
Até hoje, o Barcelona Capela recebe garotos de outras regiões do país
aos montes. Diego chegou de Lagarto, no Sergipe, a São Paulo para morar
com os tios e tentar a sorte no futebol. O dirigente jura que se
encantou com a mistura de talento e força do adolescente desde seus
primeiros toques na bola. Mesmo assim, não foi nada fácil para Moura
convencê-lo a insistir na carreira. Até a Rua 25 de Março se tornou
adversária.
Os primos de Diego Costa, então com 15 anos, trabalhavam no comércio
popular da famosa rua da cidade, e faturavam mais do que os R$ 400,00
que o jovem recebia no Barcelona. O presidente do clube revela que seu
pupilo sofreu um "bullying familiar".
- A 25 de Março foi uma tentação na vida do Diego. Ele recebeu bullying
das pessoas que recebiam salário maior do que ele, e se sentia triste,
um pouco preso. Queria poder comprar roupa, ir ao cinema, mas gastava
quase tudo que ganhava em condução para vir treinar.
Moura não nega que o atacante recebia atenção especial. Assim como
outros jovens, ele chegou a passar mais de uma semana sem aparecer nos
treinos, mas o presidente insistia em ir até sua casa para buscá-lo.
Quando Diego parecia encaminhado e convencido de que seu futuro seria o
futebol, outro incidente quase freou sua trajetória.
Diego Costa (em destaque) nos tempos de Barcelona Capela (Foto: Arquivo pessoal)
O presidente do Barcelona havia convidado representantes da Gestifute,
empresa que agencia a carreira de profissionais do futebol, para
observarem o jovem promissor. Só que poucos jogos antes da chegada dos
portugueses, Diego Costa foi expulso e condenado a 120 dias de suspensão
pelo Tribunal da Federação Paulista de Futebol. Para evitar a
saia-justa, Moura reviu o vídeo da partida, já que gravava todos os
jogos, e notou que a expulsão havia sido injusta. Entrou com um recurso
e, dois dias antes da partida, conseguiu a absolvição.
Diego Costa estava sem treinar, disposto a desistir após novo baque.
Foi chamado na última hora e, sem ritmo, disputou apenas o segundo
tempo. O suficiente para fechar um contrato e passar a defender o Braga,
de Portugal.
- Tudo era para ter dado errado, mas deu certo. A suspensão foi
absurda, mas conseguimos reverter, e quem viu adorou. Levaram direto -
lembra o presidente do Barcelona Capela, que aproveita para elogiar o
caráter do jogador:
- Apareceu gente querendo cancelar o negócio, o São Caetano procurou, a
família questionou, mas ele disse que jogava bola por insistência
minha, e bateu o pé. Ele sempre foi um exemplo dentro e fora de campo.
Não é de bagunça, adora os pais, e fez o caminho de tantas outras
crianças: do nada para o sonho, e do sonho para o tudo - filosofa.
O GLOBOESPORTE.COM transmite ao vivo o amistoso entre Brasil e Itália, quinta, às 16h30m
No presente, em 2013, garotos de todas as regiões do país tentam seguir
os passos de Diego, mas têm um empecilho. O Barcelona Capela não
conseguiu cumprir as exigências da FPF para disputar a Série B estadual.
O clube não tem um estádio para mandar os jogos, e reclama. Alega que
fez acordos para atuar, por exemplo, na Rua Javari, mas foi
impossibilitado pelo fato de duas equipes já utilizarem o local:
Juventus e Palmeiras B.
O Barça paulistano também recebeu convites para representar outras
cidades, do interior, na Série B, mas não tinha como bancar a
transferência de município exigida pela Federação nesses casos: R$ 800
mil. Assim, o clube vive de treinos e amistosos para colocar seus
atletas na vitrine. É por uma oportunidade como essa que o volante
Denilson, de 15 anos, aguarda. Paraense, ele trocou as categorias de
base do Paysandu por ver São Paulo como um cenário mais favorável. Ele
deixou pais, amigos e namorada, e mora numa casa só com garotos do
clube, numa avenida próxima ao campo de areia.
- O Diego Costa pegou Seleção, só de pensar nisso já é uma boa
motivação pra galera. A gente faz um esforço a mais - diz o adolescente,
que, apesar de inexperiente, já sabe muito bem como vender seu futebol.
- Uso as duas pernas, bato com a mesma força com ambas, dou dois toques na bola. Gosto de movimentação e de partir pra cima.
Lucas, outro volante, fez o caminho inverso. Saiu do Barcelona Capela
rumo ao Paysandu, onde se tornou campeão estadual sub-17. Chamado de
Thiaguinho, pela semelhança com o cantor de pagode, voltou a São Paulo
para passar férias e mantém a forma graças aos treinos no clube. O campo
de areia, que à primeira vista assusta, é motivo de bom debate. O
presidente jura que é proposital, desde a época de Diego Costa. Ele
rejeita gramado, e acha que a dificuldade pode aprimorar fundamentos dos
jovens, como passe e domínio de bola.
Os jogadores reconhecem a dificuldade, admitem que está longe do ideal,
mas embarcam no discurso de Paulo Moura. Lucas, que hoje treina e joga
no gramado dos campos do Papão, agradece à areia.
- É ótimo ter um campo assim. Você aprende a dominar melhor a bola e tem muito mais facilidade quando joga num gramado bom.
Diego Costa, de branco, no treinamento da Seleção nesta terça em Genebra (Foto: Mowa Press)