Lembra Dele? Ex-Inter, Cruzeiro e Fla, Heyder já teve dia de Mané Garrincha
Ex-ponta lembra momentos da carreira: da rápida passagem
pela Gávea à comparação com jogador genial - e a depressão por deixar o
futebol
Quartas de final da Taça Libertadores da América de 1989. Antes de
enfrentar o Peñarol, Abel Braga, na época técnico do Inter, chama seu
ponta-direita para uma conversa: “Você vai enfrentar o melhor
lateral-esquerdo sul-americano (na época, Dominguez).” Após duas
excelentes atuações, a imprensa do Uruguai compara Heyder a Garrincha. É
com um largo sorriso no rosto que o ex-jogador relembra um dos momentos
mais emblemáticos de uma carreira marcada por passagens destacadas em
nove clubes do futebol brasileiro.
Heyder acumula passagem por diversos clubes do futebol brasileiro (Foto: Gustavo Pêna)
O paraense Heyder, atualmente com 54 anos, é funcionário público em
Belém e uma vez por mês, junto com outros ex-jogadores, visita cidades
do interior do estado com o projeto Academia 40, iniciativa que serve
para homenagear quem já fez história com a bola nos pés. São nesses
momentos que ele pensa nas aventuras pelas quais passou em clubes
espalhados pelos quatro cantos do Brasil.
Heyder foi campeão em quase todas as equipes que defendeu. Torcedor do
Clube do Remo, virou a casaca para o maior rival, Paysandu, se
transferindo em seguida para Pernambuco, onde atuou por Sport e Náutico.
De lá, uma passagem rápida, porém jamais esquecida, pelo Flamengo. Foi
no Rubro-Negro que o ex-ponta conheceu Zico e foi treinado por Zagallo.
Após a experiência na Gávea, ainda passou por Vitória e Bahia para poder
se destacar em Inter e Cruzeiro. Em fim de carreira no Fortaleza, quis o
destino que Heyder encerrasse a história no futebol após um amistoso no
Remo.
O ex-jogador guarda com carinho a camisa dos times por onde passou. Ao
olhar para cada escudo, não deixa de contar uma história engraçada ou de
lembrar desse ou daquele jogador com quem atuou. Após fazer uma corrida
matinal para manter a forma física, o ex-jogador recebeu a reportagem
para, com saudosismo, contar um pouco da trajetória destacada no
futebol.
Heyder defendeu o Paysandu e foi campeão do
Parazão de 1978 (Foto: Arquivo pessoal)
De torcedor do Remo ao amor pelo Paysandu
O ponta-direita faz parte de um grupo de jogadores paraenses que pouco
brilharam no futebol local. Torcedor do Remo quando criança, Heyder fez
teste no clube azulino, mas acabou reprovado. No Paysandu, foi
diferente. Iniciou nas categorias de base da equipe bicolor em 1973, e
em 1981 já era artilheiro do Campeonato Paraense com oito gols. O
ex-jogador tenta explicar a relação com a dupla Re-Pa.
- Meu pai era torcedor fanático do Remo. Quando eu era garoto, ele me
levava em todos os jogos no Estádio Baenão. Eu também era remista, aos
13 anos fiz teste no clube, mas não fui aproveitado. No Paysandu, nem
precisei fazer tanto esforço para conseguir meu espaço. Devidos às
amizades, a maneira como fui aceito vestindo a camisa do Paysandu,
passei a torcer para o Papão. Não sou torcedor fanático, apenas
consciente.
Passagem por Pernambuco em Náutico e Sport
Em 1981 o Paysandu contratou Alcino, ídolo do maior rival, Remo. O
sonho do presidente bicolor na época era formar um ataque com Alcino e
Chico Spina, mas o primeiro não vingava, perdendo espaço para Heyder,
prata da casa e artilheiro do Parazão. A saída foi emprestar o garoto
para o Sport. Lá, apesar de ficar por apenas três meses, foi campeão
pernambucano.
- Joguei com grandes jogadores no Sport, como Givanildo Oliveira,
Merica e Roberto Coração de Leão. Era um time muito bom. Conseguimos o
título de 1981 jogando contra o Náutico, vencendo dentro da Ilha do
Retiro. Foi uma passagem muito rápida, mas no Sport começava a minha
carreira de títulos nos clubes do futebol nacional.
Heyder deixou o Sport e acertou com o rival, Náutico (Foto: Arquivo pessoal)
Heyder, em seguida, se transferiu para o Náutico, rival do Leão
pernambucano. O início não foi como o ponta esperava. O Timbu perdeu o
título de 1982 para o Sport e no ano seguinte foi novamente derrotado,
dessa vez para o Santa Cruz. Porém, no ano seguinte veio a redenção em
um timaço formado por Cantareli, Mazzaropi, Baiano, Mirandinha e
Lupercínio.
- Aquele time do Náutico em 1982 era de alto nível. Éramos dirigidos
pelo melhor treinador com quem já trabalhei, Ênio Andrade. Estava em uma
grande fase e disputei o Troféu Mané Garrincha com o Renato Gaúcho.
Cheguei a ser considerado um dos melhores pontas do Nordeste. Na época,
minha saída do Sport não foi tão comentada, já que eu era reserva. Só
depois que a torcida do Leão foi perceber que tinha perdido um grande
jogador.
No Fla, os conselhos de Zico e a goleada histórica no Botafogo
O destaque no Náutico fez o Flamengo trocar Nunes e Heitor por Heyder.
Na Gávea, o objetivo do paraense era substituir Tita, que não teria um
bom relacionamento com o restante do plantel. O ponta se orgulha de ter
trabalhado com Zagallo e Zico no Fla, em um time formado por Fillol,
Jorginho, Leandro, Mozer e Adalberto; Andrade, Adílio e Bebeto; Heyder,
Chiquinho e Marquinho. Aquela equipe foi responsável pela goleada
histórica do Flamengo por 6 a 1 no Botafogo, no Maracanã, pelo
Campeonato Brasileiro de 1985
(assista aos gols no vídeo ao lado).
- Jogar no Flamengo foi uma experiência que levo para o resto da minha
vida. Eu me orgulho de ter feito parte daquele jogo que entrou para a
história, aquela goleada diante do Botafogo. Fiz o segundo gol, uma bola
trabalhada pelo meio, com a qual, de pé esquerdo, consegui surpreender o
goleiro Luiz Carlos. Lembro que o Abel Braga, técnico do Botafogo,
entrou no túnel quando o jogo ainda estava 4 a 1. Ele sabia que a vaca
estava atolada. Não tinha mais jeito.
Heyder guarda uma foto com Zico da época em que
jogava no Náutico (Foto: Arquivo pessoal)
Heyder ficou no Flamengo até setembro de 1985. Disputou a maioria das
partidas do Brasileiro e ajudou o clube a conquistar a primeira fase da
competição. Entretanto, segundo ele, optou por sair da Gávea após a
renovação do contrato de Tita. A decisão de se transferir para o Vitória
contou com o conselho de Zico.
- Cheguei a jogar com o Zico quando ele estava voltando do Udinese. É
uma pessoa muito simples e humilde. A gente conversava muito,
principalmente na sala de musculação. Quando eu estava perto de sair do
Flamengo, insatisfeito com a renovação do Tita, conversei com ele sobre a
situação, que estava perdendo espaço no clube. Ele me aconselhou a
procurar o meu melhor. Segui aquele conselho e não me arrependo até
hoje.
Artilharia no futebol baiano
Heyder chegou ao Vitória em 1985, na metade do Campeonato Baiano, e
ainda conseguiu fazer 12 gols, sendo considerado o melhor ponta de
Salvador. Em 1986, sob comando de Abel Braga, o Leão baiano conquistou o
Estadual e quebrou a hegemonia do Bahia, bicampeão. Lá, o ex-jogador
não esquece do primeiro gol marcado no Barradão, pelo Campeonato
Brasileiro, no empate por 1 a 1 com o Santos.
No Vitória, Heyder foi considerado o melhor ponta de Salvador (Foto: Arquivo pessoal)
Como aconteceu em anos anteriores, Heyder não teve problemas em se
transferir para um clube rival. Em 1987, acertou com o Bahia e novamente
foi campeão baiano. Porém, sua contratação pelo Tricolor de Aço foi
curiosa. A intenção dos dirigentes era investir em Heyder para, em
seguida, negociá-lo para outra equipe. No mesmo ano, tinha que escolher
entre três clubes: Inter, Joinville e Guarani. Optou por Porto Alegre.
No Inter, a comparação com Garrincha
O ponta chegou ao Inter por indicação do técnico William Andrade, com
quem Heyder tinha trabalhado no Náutico. No início, dificuldades. O
ponta era um dos poucos jogadores experientes em um elenco que passava
por renovação, que ainda contava com o goleiro Taffarel. Apesar de não
ter conquistado títulos no Beira-Rio, Heyder se orgulha dos
vice-campeonatos brasileiro de 1988/89, com o jogador sendo um dos
destaques na competição.
Heyder se orgulha dos vice brasileiros de 1988/89 pelo Inter (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)
No Colorado, o melhor momento aconteceu na Taça Libertadores de 1989.
Favorito, o clube chegou às semifinais, vencendo o Olímpia por 1 a 0 no
Paraguai, mas acabou perdendo em Porto Alegre por 3 a 2, sendo eliminado
nos pênaltis. Entretanto, o fato mais marcante de Heyder com a camisa
vermelha aconteceu ainda nas oitavas de final, nas duas partidas diante
do Peñarol. No duelo contra o lateral-esquerdo Domínguez, considerado o
melhor do futebol sul-americano, Heyder levou a melhor e chegou a ser
considerado o discípulo de Garrincha.
Heyder guarda o jornal uruguaio que o compara
a Garrincha (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)
- Antes da primeira partida, o Abel Braga me chamou para conversar e
disse que eu enfrentaria o melhor lateral-esquerdo sul-americano. Disse
para ele ficar tranquilo, que na hora eu conseguiria fazer a marcação.
No Beira-Rio, goleamos por 6 a 2. Em Montevidéu, vencemos novamente,
dessa vez por 2 a 1. As minhas atuações levaram a imprensa uruguaia a me
comparar a Garrincha. Foi uma satisfação muito grande. Cheguei a Porto
Alegre com moral. Guardo até hoje o jornal da época com essa comparação.
No Cruzeiro, Flecha Azul e o gol em Goycochea
No Cruzeiro, novamente Heyder reeditou a parceria de sucesso com o
técnico William Andrade e jogou ao lado de jogadores como Adilson
Batista, Paulo Isidoro, Boiadeiro e Careca. Em Belo Horizonte, o
atacante conseguiu o Mineiro de 1990 e, pela velocidade nas jogadas,
acabou ganhando o apelido de Flecha Azul. No Brasileiro, por pouco não
veio o primeiro título nacional. No time celeste, Heyder se orgulha de
ter marcado gol em Goycochea, goleiro argentino que se destacaria na
Copa de 90, pela Supercopa de 1989.
Heyder guarda com carinho as camisas dos clubes
onde atuou (Foto: Gustavo Pêna)
Fortaleza, fim de carreira e a depressão
Ainda no Cruzeiro, Heyder passou por uma cirurgia no calcanhar. A
partir dali, o ponta-direita não foi mais o mesmo. Apesar disso, foi
contratado pelo Fortaleza. O objetivo dos dirigentes era movimentar o
torcedor com a contratação de um craque com destaque no futebol
nacional. No Leão cearense, foram três jogos, suficientes para ajudar o
clube a conquistar o Estadual de 1991.
De volta a Belém, uma terceira e definitiva cirurgia. Em 1993, passando
por um processo de recuperação, foi convidado para atuar em um amistoso
defendendo o Remo, seu ex-clube de coração. Acabava assim a carreira de
Heyder no futebol. Como acontece para muitos atletas, parar de jogar
não foi fácil para o paraense, que passou por um período de depressão,
só resolvido após o nascimento do filho.
- Sabia que deveria parar. Vim para Belém e comprei a minha casa.
Resolvi que era tempo de ficar mais próximo da família depois de 14 anos
jogando fora. Não foi uma época fácil desde a operação no Cruzeiro.
Entrei em depressão. Quando se está fora do futebol, os amigos esquecem
de você. Quando me operei, só o Adilson Batista e o Édson Gonzaga me
procuraram. O que me ajudou a superar a depressão foi voltar a Belém,
ficar perto dos meus familiares, e o nascimento do meu filho.