Lembra Dele? Dono de 12 títulos na Stock Car, Ingo Hoffmann faz 60 anos
Maior vencedor da principal categoria do automobilismo
brasileiro, ex-piloto relembra época dos Opalões e fala de sua relação
com Interlagos
Por Alexander Grünwald
São Paulo
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A história da Stock Car e a carreira vitoriosa de Ingo Hoffmann
praticamente se confundem. Não é à toa. Entre 1979, quando a categoria
organizou seu primeiro campeonato, e 2008, quando o “alemão” se
aposentou das pistas, foram disputadas mais de 300 corridas. Ingo esteve
presente em todas, menos na primeira. Nestes 30 anos, venceu 76 vezes e
conquistou 12 títulos - trajetória que teve início muitos anos antes,
quando ele, ainda garoto, pulava a cerca de Interlagos para assistir às
corridas da época. O mesmo Interlagos que marcou sua estreia no
automobilismo em um Fusca, aos 19 anos, e que quase o viu marcar um
ponto guiando o Fórmula 1 brasileiro da Copersucar apenas cinco anos
depois. Neste cenário, onde também se despediu das pistas, Ingo Hoffmann
conversou com o GLOBOESPORTE.COM. Uma entrevista na qual o ex-piloto,
que nesta quinta-feira completa 60 anos de idade, abriu o coração ao
falar do circuito.
- Não tenho noção de quantas vezes eu pisei neste autódromo, mas vindo
para cá, no trânsito, comecei a pensar na relação que eu tenho com ele.
Eu frequento isso aqui desde os meus dez, 12 anos de idade, tenho paixão
por essa pista. Mas isso é só de mim para o autódromo, não o contrário,
infelizmente. Cheguei na portaria, não sabiam quem eu era. Não guardam a
história, não tem a reciprocidade. Mas eu tenho uma ligação muito
grande, emocional até, em razão de ter sido aqui que eu fiz a minha
primeira corrida, em 1972, por ter sido aqui que eu me aventurei como
“rato de box” pulando a cerca para ver corrida... Conheço isso aqui como
a palma da mão – analisa Ingo.
Ingo Hoffmann completa 60 anos: ele é 12 vezes campeão da Stock Car (Foto: Duda Bairros/ Stock Car)
Com uma relação tão intensa, é até covardia pedir ao ex-piloto que
eleja, na semana em que completa 60 anos, qual foi o momento mais
especial que viveu na pista mais tradicional do país – inaugurada em
1940, ainda sem asfalto e com um traçado de mais de 8km. Apesar da idade
avançada, atualmente Interlagos é um dos autódromos mais modernos do
mundo, com um asfalto impecável sobre o traçado de 4,3km que foi
implantado após a reforma de 1990, quando o GP do Brasil de F-1 voltou à
capital paulista. Etapas que Ingo viu bem de perto, quase sempre em
alta velocidade.
- Realmente são muitos momentos. Mas, de bate-pronto, um que me vem à
cabeça foi em 1973, quando eu ganhei meu primeiro campeonato brasileiro
de turismo, na categoria Divisão 3. Foi bem no início da minha carreira,
quando eu estava meio que me localizando no esporte, e estava minha
família toda aqui, meu pai, minha mãe, meus irmãos... E pegando essa
linha, outro momento que lembro foi justamente minha despedida, em 2008.
Fiz minha última corrida profissional aqui em Interlagos, na Stock Car,
onde eu terminei na terceira colocação. Ou seja, saí da categoria no
pódio, o que foi extremamente gratificante – relata o ex-piloto,
lembrando também que na véspera de sua última prova lhe foi prestada uma
homenagem nos boxes, na qual ganhou de presente um exemplar restaurado
de um dos Opalas que guiou na Stock Car na década de 1980.
Estreia de Ingo no automobilismo foi em 1972, com o Fusca 22 em Interlagos (Foto: Acervo pessoal)
O começo
Ingo conquistou seu primeiro título brasileiro em 73,
com um fusca (Foto: Acervo pessoal)
Não por acaso, a carreira de Ingo Otto Hoffmann começou na mesma pista
que provocou nele o desejo de se tornar piloto. E tudo se deu muito
rapidamente. Em 1972, estreou nas competições com um Fusca original,
passando no ano seguinte para um modelo com motor preparado e pneus
slick. Com ele, veio o primeiro título e também a identificação que
levou por toda a carreira: o número 17. Em 1974, passou a competir com
uma Brasília, com a qual ganhou mais corridas, antes de enveredar pelos
monopostos, na Fórmula SuperVê.
Em 1976, veio a grande chance de sua vida até aquele momento: estrear
na Fórmula 1, disputando o GP do Brasil – em Interlagos, claro – com o
segundo carro da Copersucar, equipe que tinha Emerson Fittipaldi como
piloto e proprietário. Ingo chegou em 11º e ganhou nova chance de
participar da prova no ano seguinte, quando esteve muito perto de marcar
um ponto. Na época, a F-1 premiava apenas os seis primeiros colocados.
Era apenas a terceira corrida de Ingo Hoffmann na categoria, diante de
um público caloroso.
- Eu estava na sexta colocação, marcando um ponto, quando o pneu
traseiro esquerdo teve um microfuro e foi perdendo ar. Então, nas curvas
para o lado direito, o carro ficava muito instável e eu tive que
diminuir o ritmo. Faltando duas voltas para o final, outro piloto me
ultrapassou e chegou em sexto, e eu terminei na sétima colocação. Tudo
foi muito rápido para mim. Estreei no automobilismo em 1972, correndo
com um Fusquinha 1500 cc standard, e em 1976 eu estava correndo de
Fórmula 1 aqui. Nos dias de hoje isso é inviável. Naquela época o
Emerson ainda estava ganhando os campeonatos, era aquela febre toda.
Quando eu estava parado no grid, vi a torcida, a arquibancada cheia, foi
emocionante – relata o veterano.
Ingo Hoffmann correu três GPs de F-1 pela Copersucar Fittipaldi, dois em Interlagos (Foto: Reprodução)
Ingo confessa que, ao retornar de sua experiência no automobilismo
internacional, no fim de 1978, queria continuar correndo nos monopostos.
Mas as tentativas de fechar um esquema competitivo não deram certo, e
ele acabou cedendo ao apelo de um amigo publicitário, que o convenceu a
participar de uma categoria que estava sendo criada, a Stock Car.
Utilizando os potentes e pesados modelos Opala (praticamente sem
qualquer adaptação para as duras exigências das pistas), a categoria não
contou com o jovem piloto em sua primeira prova, em Tarumã, por não
haver tempo hábil de disponibilizar um carro para ele. Uma semana
depois, no entanto, lá estava ele em Guaporé, acelerando entre alguns
dos melhores pilotos brasileiros da época.
Para Ingo, o ritual de alinhar no grid da Stock se repetiu em todas as
provas que a categoria realizou até o fim de 2008. Foram 332 corridas
disputadas, nas quais conquistou 76 vitórias. Um desempenho que rendeu
ao competidor o recorde de 12 títulos brasileiros, marca que alcançou ao
fim de sua 24ª temporada. O primeiro campeonato que faturou foi em
1980. Depois repetiu a dose em 1985, 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994,
1996, 1997, 1998 e 2002. Um retrospecto respeitável para quem não tinha
planos de entrar na categoria. E para quem, mesmo depois de tantos
recordes, prefere o caminho da modéstia para justificar tamanho domínio.
A temporada 1979 foi a primeira da Stock e marcou a estreia de Ingo na categoria (Foto: Acervo pessoal)
- Houve épocas em que tive mais de 50% de vitórias em relação a
campeonatos realizados. Isso porque sempre tive equipes muito boas me
acompanhando, pois um piloto sozinho não faz milagre. E outro fato
importante é que, desses 12 títulos que ganhei, alguns foram em épocas
em que a categoria era muito fraca. Nestes 30 anos em que participei,
ela teve muitos tempos de alta, com preliminares, mais de 50 inscritos, e
tempos de baixa, com sete ou oito carros participando. Sem menosprezar
ninguém, ganhei alguns campeonatos em épocas em que a categoria não
chegava nem perto da competitividade que tem hoje – explica seu maior
campeão.
Décadas de histórias e conquistas nas pistas
As muitas mudanças nos carros servem como uma espécie de linha do tempo
na galeria de conquistas do ex-piloto. Mas, da mesma forma que elogia a
evolução técnica, Ingo Hoffmann não deixa de criticar o aumento
excessivo dos custos e a limitação no número de treinos. Uma realidade
bem diferente daquela que ele encontrou em 1979, quando aprendeu
rapidamente a domar os Opalões, que foram usados até 1993. Depois veio o
Ômega, também um modelo de rua adaptado, antes do primeiro chassi
tubular, que entrou em vigor em 2000 e correu até ser substituído por
uma nova geração, com mais recursos tecnológicos, em 2009. Este é o
carro que é usado nos dias de hoje.
Ingo largou na pole na prova que abriu a temporada 2008, a última dele na Stock Car (Foto: Stock Car)
- Não dá para comparar nada, são pilotagens totalmente diferentes, mas
isso faz parte da evolução. Naquela época, o Opalão tinha freio a tambor
na traseira, os amortecedores acabavam depois de três ou quatro voltas,
e às vezes a gente tinha que puxar o freio de mão, porque o carro
mudava drasticamente o comportamento durante a prova. Hoje, em nível de
pilotos, a Stock está excepcionalmente bem representada. Nem vou começar
a citar nomes, porque há muitos, muitos pilotos de primeiríssima linha.
A categoria está competitiva, mas por outro lado é muito engessada. Não
vejo como novos pilotos podem aparecer no nível dos “top drivers” se
não podem treinar. E o maior problema é o custo financeiro, que está
muito alto. Sempre brinco com meus amigos, dizendo que eu parei na hora
certa – frisa Hoffmann.
Perguntado sobre quem é o Ingo Hoffmann de hoje em dia, o veterano da
Stock Car não tem dúvidas em apontar um pentacampeão como seu legítimo
sucessor. Não apenas pelo estilo de pilotagem, mas também pela língua
afiada na hora de emitir suas opiniões.
Na
corrida em que conquistou seu primeiro título, em 2006, Cacá Bueno
reverenciou Ingo Hoffmann, que foi o vencedor daquela prova. Juntos,
eles detêm metade dos títulos da categoria (Foto: Duda Bairros/ Stock
Car)
- O Cacá Bueno, com certeza. Ele é um cara especial, faz uma grande
diferença. Já tem cinco títulos e, se bobear, ainda ganha mais alguns e
pode me passar.
Mas Cacá não é o único que empolga o multicampeão. Amigo de longa data
da família Barrichello, Ingo diz que a chegada de Rubinho é “algo que só
tem a agregar para a categoria” e expressa sua felicidade em ver o
competidor de 40 anos optar pela Stock Car, trazendo para as pistas
brasileiras sua experiência de 19 temporadas e 326 GPs na Fórmula 1. Nas
três provas que disputou em 2012, Rubens Barrichello usou o número 17
em seu carro, como forma de homenagem ao ídolo. Em 2008, quando estava
na F-1, o piloto competiu no GP do Brasil usando um capacete com a mesma
pintura do “casco” de Ingo.
Com Rubens Barrichello em 2008: relação de amizade e admiração (Foto: Carsten Horst/ Divulgação)
Ao contrário dos contemporâneos Chico Serra, Paulão Gomes e Zeca
Giaffone, Ingo Hoffmann não tem filhos pilotos. Desde que deixou as
pistas, ele cuida de seu instituto, que fica em Campinas e oferece
moradia, alimentação, entretenimento e ajuda psicológica a crianças
portadoras de câncer, e se dedica a seus familiares. A saudade do
acelerador não é problema, já que ele é instrutor de uma montadora e
ministra cursos de pilotagem. Há quase cinco anos sem disputar corridas
na principal categoria do automobilismo nacional, o “alemão” – apelido
que ganhou ainda no início da carreira – não perde a paixão pela
velocidade. Desde que seja sem qualquer compromisso com resultados.
- Sou mil por cento realizado, não tenho a mínima vontade de competir.
Eu até piloto para uma montadora, participando de testes com novos
pilotos, e é isso que me dá prazer: pilotar. Em competição, fiz tudo o
que eu tinha que fazer, estou fora. Graças a Deus, sou um sujeito
realizado – enfatiza.