Ainda incompleto, Mané Garrincha é marcado por filas no teste principal
Segurança e beleza agradam, mas problemas como entrada e
lugares marcados geram críticas no último jogo antes da Copa das
Confederações
Por Fabricio Marques e Thiago Dias
Brasília
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Um jogo sem vencedores. Tanto dentro, como fora das quatro linhas.
Palco da abertura da Copa das Confederações no dia 15 de junho, o
Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, recebeu 63.501 pessoas no
domingo para o empate de 0 a 0 entre Santos e Flamengo, pela primeira
rodada do Brasileirão. O principal evento-teste para o torneio da Fifa,
que acabou marcando ainda a despedida de Neymar do Peixe, foi merecedor
de elogios, mas também de muitas críticas dos torcedores: se a
segurança, a beleza e a estrutura geral da arena de R$ 1,2 bilhão
agradaram, as filas quilométricas, a falha na numeração de assentos e a
existência de alguns bares e banheiros fechados irritaram os presentes.
- Foi um teste bom. Não vamos falar que foi tudo lindo e maravilhoso,
porque não foi. Algumas coisas a gente vai melhorar. É exatamente para
isso que serve o evento-teste - avaliou o CEO do Comitê Organizador
Local (COL) da Copa de 2014, Ricardo Trade.
O fato é que o Mané Garrincha começou a ser usado antes de estar
totalmente concluído, como admitiu o secretário extraordinário da Copa
no Distrito Federal, Cláudio Monteiro: o estádio, que já está sob
responsabilidade do COL e da Fifa a partir desta segunda, ainda não
atingiu 100% da obra concluída.
Filas quilométricas marcaram último teste no estádio antes das Confederações(Foto: Fabrício Marques)
- Estamos com 97%. Mas vamos chegar aos 100%. E vamos chegar em um
curtíssimo prazo, porque faltam apenas detalhes - disse o secretário.
Para o gerente de integração operacional do COL, Thiago Paes, a
situação do estádio de Brasília ainda não é a ideal, mas também não
causa preocupação para a Copa das Confederações. Vale lembrar que o
prazo para a entrega do Mané Garrincha era dezembro de 2013, depois
passou para 21 de abril deste ano e a data chegou a 18 de maio, quando
foi inaugurado com a vitória do Brasiliense por 3 a 0 sobre o Brasília,
pela final do Candangão 2013, com público de cerca de 20 mil pessoas.
- Os operários estão aqui dentro, trabalhando conosco. Se estivesse
completamente pronto, seria melhor, é óbvio. Não dá para dizer o
contrário. Mas nós estamos completamente integrados e tranquilos. No dia
15 (de junho) estaremos em plena forma - afirmou Paes.
Filas, bares fechados e restos de construção foram alguns dos pontos negativos (Foto: Fabrício Marques)
Filas quilométricas marcam chegada de torcedores
O jogo entre Santos e Flamengo foi o primeiro do novo Mané Garrincha
com todos os setores liberados. A organização ficou sob responsabilidade
da Federação Brasiliense de Futebol (FBF), do Governo do Distrito
Federal (GDF) e do COL, que aproveitou para testar nove áreas
operacionais dentro das exigências da Fifa para a Copa das
Confederações.
Com ingressos entre R$ 160 e R$ 400 (com possibilidade de
meia-entrada), a partida recebeu 63.501 torcedores e bateu o recorde de
arrecadação da história do futebol brasileiro: R$ 6.948.710,00. Mas a
maior parte do público sofreu para entrar no estádio: filas
quilométricas foram formadas no acesso, graças à revista exigida pela
Fifa antes dos portões da arena.
As filas foram muito mal organizadas. Esse foi o principal ponto negativo"
Torcedor Jackson Alves
- O estádio ficou muito bonito, mas faltou organização na entrada. As
filas foram muito mal organizadas. Esse foi o principal ponto negativo -
avaliou o santista Jackson Alves ao fim do jogo.
Apesar de o governo ter anunciado que os portões abririam às 13h (três
horas antes do início do jogo), o acesso dos torcedores só foi liberado
às 13h36m. No início, as filas fluíram com tranquilidade, mas a situação
começou a piorar a partir das 14h.
Alguns procedimentos da Fifa foram colocados em prática, como os dois
níveis de acesso. No primeiro, todos os torcedores passavam por
detectores de metais e tinham bolsas e mochilas revistadas. Havia ainda
um “scanner”, que verificava se os ingressos eram falsos ou não. Em
seguida, era preciso passar também pelas catracas nos portões do
estádio. O procedimento foi lento e as filas começaram a aumentar
conforme se aproximava o horário do jogo. Alguns torcedores reclamaram
que chegaram a ficar duas horas na espera.
- O excesso de revista no inicio fez com que tivéssemos uma demora, mas
essa demora é compensada com a certeza de que quem estará aqui dentro
terá toda segurança. Nossa preocupação é porque a vida não tem preço –
afirmou Claudio Monteiro.
Por volta das 15h30 (a 30 minutos do início da partida), milhares de
pessoas ainda aguardavam nas filas e foi necessária uma mudança no
procedimento para acelerar a entrada.
- O que estava causando a demora não era a revista em si, mas a
verificação eletrônica do ingresso, para checar se era falso ou não. A
partir do momento que identificamos isso, tiramos a checagem e a fila
andou - explicou Thiago Paes, acrescentando que na Copa das
Confederações as entradas serão verificadas manualmente, o que deve
acelerar o processo.
Com o jogo em andamento, centenas de torcedores
ainda aguardavam nas filas (Foto: Fabrício Marques)
A medida surtiu efeito, mas a quantidade de torcedores ainda do lado de
fora era enorme e muitos só conseguiram entrar no estádio com o jogo já
em andamento.
- Ficamos mais de duas horas na fila. Foi uma bagunça completa. Vão
precisar melhorar isso - reclamou o flamenguista Francivan da Silva, que
perdeu os primeiros dez minutos do jogo aguardando na fila das catracas
do estádio.
De acordo com o COL, 90 dos 104 detectores de metais do Mané Garrincha
foram utilizados no evento-teste, divididos em nove portões de acesso ao
entorno do estádio. O uso do equipamento acabou sendo decidido horas
antes da partida.
- Eles não seriam usados. No entanto, tivemos a oportunidade de
testá-los e optamos por fazer isso. Alguns ainda não estavam totalmente
ajustados. No dia do jogo (Brasil x Japão, pela Copa das Confederações),
todos os 104 vão estar em funcionamento e completamente testados -
garantiu Ricardo Trade.
Ruas fechadas e estacionamento distante
Além do problema no acesso, muitos torcedores reclamaram também de
outros aspectos de infraestrutura, como o traslado desde o
estacionamento até o Mané Garrincha. O trânsito foi fechado em um
perímetro de 1 km, mas a partir de 3 km de distância para o estádio já
havia barreiras para os carros.
Não vamos falar que foi tudo lindo e maravilhoso, porque não foi"
Ricardo Trade, CEO do
- Cheguei três horas antes da partida com minha esposa e filhos para
estacionar nos lugares disponibilizados. Todos os ônibus que faziam o
trajeto entre estacionamento e estádio estavam lotados, o que nos
obrigou a andar três quilômetros. Chegando ao estádio, encontramos uma
fila única, com milhares de pessoas. Estou há duas horas na fila e muito
longe da porta. Daqui a pouco o jogo começa... E tenho certeza que a
paciência dos torcedores vai acabar. Vai ter muita gente do lado de fora
- disse um torcedor, que preferiu não se identificar, minutos antes do
apito inicial.
Claudio Monteiro garantiu ainda que não houve nenhum caso de
congestionamento grave na cidade por causa do jogo entre Santos e
Flamengo. De acordo com os organizadores, o Detran liberou o trânsito
nas ruas ao redor do estádio às 19h25.
Venda de assentos com numeração inexistente
A partida entre Santos e Flamengo também foi a primeira da história do
Campeonato Brasileiro realizada com ingressos vendidos de acordo com os
assentos numerados, exigência da Fifa para a Copa das Confederações e
Mundial de 2014. A maioria dos torcedores ouvidos pelo GLOBOESPORTE.COM
afirmou que foram respeitados os lugares marcados na arquibancada. No
entanto, alguns "premiados" acabaram descobrindo que suas cadeiras não
existiam no estádio.
- Meu ingresso é para o setor 418, fila A, assento 28. Mas quando
chegamos, a numeração só ia até o assento 27 - protestou o torcedor Yago
Henrique Borges.
Sentado no concreto, torcedor reclama de assento
com numeração inexistente(Foto: Fabrício Marques)
Problema semelhante ao de Thiago Albuquerque, que assistiu a toda a partida sentado no concreto, na escada entre as cadeiras:
- É um absurdo a gente pagar tão caro por um ingresso e chegar aqui e não ter o lugar.
Mesmo não tendo participado do mapeamento dos assentos, o COL informou
que o problema foi identificado e que será resolvido para a Copa das
Confederações.
- Durante a próxima semana já estaremos conferindo todos os assentos.
Vamos realizar o mapeamento e garantir que nada disso vai acontecer (no
jogo entre Brasil e Japão) - explicou Paes.
Torcida organizada: ingressos e setores diferentes
Outro problema relacionado aos assentos numerados ocorreu por conta das
torcidas organizadas. De acordo com o secretário de segurança do DF,
Sandro Avelar, uma facção do Santos não conseguiu comprar ingressos para
o mesmo setor. Sendo assim, a Polícia Militar optou por desocupar uma
área específica para isolá-los e um grupo do Batalhão de Choque os
cercou durante todo o jogo. Mas a organizada só conseguiu entrar na
arquibancada na metade do primeiro tempo.
- Fizemos ajustes para que ficassem todos em uma determinada região do
estádio, facilitando o controle. Foi uma medida para evitar que houvesse
algum confronto entre torcidas - afirmou Avelar.
Setor da arquibancada foi desocupado pela PM para
isolar a organizada do Santos (Foto: Thiago Dias)
No entanto, para permitir que a organizada do Santos ficasse isolada,
muitos torcedores foram retirados dos seus lugares, no setor inferior,
atrás de um dos gols.
- Eu estava bem no local onde a torcida do Santos ficou. Os policiais
mandaram que nos sentássemos no setor ao lado. Não prejudicou muito,
porque continuamos perto de onde estávamos. Mas não foi legal a maneira
como foi feito - reclamou o aposentado Joaquim Rodrigues.
Por causa da mudanças, um torcedor chegou a ameaçar processar o governo
do Distrito Federal. O secretário de segurança minimizou o problema dos
lugares marcados:
- Um ou outro torcedor foi prejudicado. Mas tivemos que ceder esses
lugares para que houvesse paz. Acho que foi uma medida de bom senso,
tanto que o resultado foi positivo - concluiu Avelar.
As torcidas organizadas do Flamengo também se aglomeraram em alguns
setores do estádio, no entanto, não contaram com isolamento da polícia.
Na área delas, pessoas reclamaram que não houve respeito aos lugares
marcados.
Segurança, atendimento médico e acessibilidade aprovados
O jogo foi realizado sem divisão de torcidas por setores, exceção à
organizada do Santos, que ficou cercada pela polícia. De uma maneira
incomum em estádios brasileiros, era possível ver torcedores circulando
tranquilamente com camisas dos dois times pelas arquibancadas e
corredores do estádio.
Cerca de 650 policiais militares atuaram dentro da arena, que contou
ainda com o trabalho de 1.500 seguranças privados. Segundo a Secretaria
de Segurança do DF, foram poucas ocorrências policiais registradas,
todas envolvendo cambistas.
Seguranças particulares e PM garantiram o clima de
tranquilidade no estádio (Foto: Fabrício Marques)
- Até o fim do jogo, tivemos cinco ocorrências com cambistas, que foram
presos. Mas o que vimos aqui foi algo maravilhoso. Não se teve uma
notícia de briga de torcedores. Brasília deu um exemplo para todo o país
- disse o secretário Sandro Avelar.
- Foi bem tranquilo. Gostei muito - elogiou a produtora cultura Carla
Carvalho, que levou sozinha as filhas de 4 e 14 anos para o jogo.
Além da segurança, o serviço médico também foi satisfatório. Postos
para atendimento de emergência foram montados dentro e fora do estádio,
além de grande número de bombeiros e brigadistas de prontidão.
Outro ponto positivo foi a questão da acessibilidade para pessoas com
necessidades especiais. Usuários de cadeiras de rodas puderam assistir
ao jogo em locais reservados, com espaço para acompanhante, mas
reclamaram dos acessos no entorno do Mané Garrincha.
- Aqui dentro está aprovado - afirmou o cadeirante Edmar Barbosa, que
fez algumas ressalvas - Só acho que poderiam melhorar os acessos do lado
de fora e aumentar um pouco a sinalização.
Orientação, banheiros e acessibilidade foram alguns pontos positivos (Foto: Fabrício Marques)
Banheiros e bares funcionam com limitações; resto de obra chama atenção
A situação dos banheiros e dos bares do estádio foi marcada por pontos
positivos e negativos. A maioria dos banheiros funcionou bem. Em nenhum
dos locais visitados pela equipe do GLOBOESPORTE.COM durante os 90
minutos de bola rolando foram encontrados vazamentos ou falta de água.
No entanto, no nível inferior do estádio, parte dos sanitários estava
fechada, o que acabou provocando algumas filas no intervalo da partida.
- Para nós, todos os banheiros estão prontos. Houve uma checagem
completa. Vamos verificar por que estes banheiros que estão citando
ficaram fechados - justificou o secretário extraordinário da Copa no DF,
Cláudio Monteiro.
Muitos bares não abriram. Ainda tem muito o que melhorar"
Torcedor Ray Moraes
Já com relação aos bares, no nível inferior, a maior parte estava
funcionando. No entanto, no nível superior, que foi testado pela
primeira vez, muitos espaços reservados para venda de bebida e comida
permaneceram fechados.
- O atendimento está muito ruim. Muitos bares não abriram, a espera
está enorme. Ainda tem muito o que melhorar - reclamou o professor Ray
Moraes, que também questionou a limpeza do nível superior - Está muito
sujo. Parece que não tiveram tempo de limpar.
Além da poeira e sujeira típica de obra recém-acabada, também era
possível encontrar restos de material de construção na arquibancada
superior do estádio. Na fachada, continuam montadas algumas estruturas
utilizadas pelos operários na construção, como o elevador de acesso à
cobertura.
Orientação recebe elogios, mas sinais de celular e internet falham
Em geral, o serviço de orientação do estádio agradou aos torcedores.
Cerca de 250 voluntários foram escalados pelo COL para ajudar na
localização dos portões de acesso e dos assentos. Funcionários do GDF
também colaboraram, entregando cartilhas com detalhes do estádio.
Centenas de voluntários e funcionários do governo
ajudaram na orientação (Foto: Fabrício Marques)
- Foi tranquilo. O pessoal orientou bem - elogiou o flamenguista Luiz Barbosa.
Mas, assim como no jogo de inauguração, o sinal de telefone celular e
internet móvel voltou a ser um problema no estádio. Em vários setores,
era praticamente impossível fazer uma ligação e as conexões de internet
ficaram muito lentas desde o lado de fora do estádio.
- O sinal do celular ficou muito ruim - disse o estudante Alípio Murici.
Organizadores elogiam vestiários e negam explosão de bomba
Depois da partida, os técnicos Muricy Ramalho e Jorginho reclamaram que
os vestiários do Mané Garrincha só contavam com água fria no chuveiro, o
que dificultou o banho. Os responsáveis pelo estádio prometeram
corrigir o problema.
Foi tranquilo. Gostei muito"
Torcedora Carla Moraes
- Entregamos os vestiários com a melhor qualidade possível. Perguntem
ao Jorginho se, quando era jogador, usou um vestiário como esse no
Brasil. Só no exterior, no Brasil, nunca. Se teve água fria, vamos
averiguar – disse Claudio Monteiro.
Nos minutos finais da partida, um barulho alto, que lembrou um rojão,
chamou a atenção no nível superior do estádio. Porém, o secretário de
segurança garantiu que não houve nenhuma bomba na arquibancada. Em nota,
o COL afirmou que os responsáveis pela sala de controle operacional do
estádio informaram que não houve explosão dentro da arena.
Zero a zero no placar
Entre erros e acertos, o novo Mané Garrincha sobreviveu ao seu primeiro
evento-teste com todos os setores liberados. Mas é consenso de que
muita coisa ainda precisa melhorar nos próximos dias para que o estádio
esteja pronto para receber a abertura da Copa das Confederações.
- O resultado foi exatamente o que precisávamos. Testar para chegar na
Copa das Confederações com o melhor serviço para o telespectador e para a
mídia. É o que estamos procurando - finalizou Ricardo Trade.
- Acho que como o Santos e o Flamengo ainda vão precisar melhorar para a
disputa do Campeonato Brasileiro, o estádio também precisa melhorar
para estar em um nível de Copa do Mundo - completou o torcedor Jackson
Alves.
Torcedores elogiaram beleza do estádio, mas cobraram melhorias (Foto: Lula Marques / Secopa-DF)