Wanderlei Silva anuncia aposentadoria e declara guerra ao Ultimate
Lutador publica vídeo dizendo que perdeu a vontade de
lutar pela falta de respeito do UFC com os lutadores: "Jogaram meus fãs
contra mim"
Wanderlei Silva anunciou na noite desta sexta-feira o fim da sua carreira como lutador. O ex-campeão do Pride detonou o Ultimate através de um
vídeo divulgado em suas
redes sociais,
prometeu denunciar todas as atitudes erradas que souber sobre a
organização e que ninguém irá lhe calar. Apesar de o vídeo começar com a
mensagem: "Isto não é um adeus", o próprio Cachorro Louco afirmou que
perdeu a vontade de entrar no octógono e que pretende ser um
representante dos atletas que, segundo ele, recebem apenas migalhas do
UFC.
- Vocês não respeitam a gente como lutador, como nada. Jogam o público
contra a gente. A única coisa que temos, que nos levanta, que nos
suporta, é o público. E acaba que vocês, com suas declarações infames ao
nosso respeito, jogam o público contra nós. O que nos sobra? Acabar a
carreira, tomar um chute na bunda, ser escrachado pela mídia e ter os
fãs contra. Vou viver do que? É por isso, com muito pesar no meu
coração, que hoje é um dia triste para mim. Por que? Porque infelizmente
essa organização me tirou a vontade de lutar. Não consigo mais fazer
isso, ser tratado dessa maneira por vocês. E hoje, com muito pesar, vim
aqui decretar minha retirada dos ringues. A partir de hoje,
Wanderlei Silva
não luta mais. Porque não tenho um palco digno, onde o atleta seja
respeitado. Em virtude disso, para mim deu. Começaram a jogar meus fãs
contra mim, que me acompanham há 20 anos, muito antes desse evento
existir, quando eu lutava na mão seca no Brasil. Ajudei a fazer esse
esporte. Com meu sangue, com meu suor. Agora vem um bando de
almofadinhas querer dizer o que a gente é ou não é? Estão muito
enganados. Agora estou aqui, vou mostrar tudo que fazem de errado com
nosso esporte. Carregamos esse evento nas costas, entramos lá, tomamos
soco na cara. O mínimo que vocês têm que fazer é nos respeitar. O Silva
está se levantando agora! Eu estava triste, chateado com tudo isso, mas
os lutadores precisam de voz, de alguém que fale a verdade e eu estou
aqui para falar a verdade. O que fizerem de errado eu vou falar e vocês
não vão me calar!
Wanderlei Silva anunciou sua aposentadoria em vídeo (Foto: Reprodução)
Confira a trajetória de Wanderlei Silva:
Wanderlei Silva, ou "Wand", nasceu em 3 de julho de 1976, em Curitiba, e começou nas
artes marciais com 13
anos de idade.
Vindo de família humilde, o garoto se inscreveu na academia Chute Boxe,
que ficava no caminho de sua casa, e, sem dinheiro para pagar, logo
recebeu bolsa para praticar muay thai e competir. Logo em sua primeira
competição, um campeonato brasileiro em Nova Friburgo, conseguiu o
nocaute mais rápido do torneio, segundo seu amigo e treinador Rafael
Cordeiro. Mais tarde, ele ainda serviria no Exército por um ano e cinco
meses, o que credita por ter lhe dado a disciplina que precisava para
ser campeão.
Wanderlei Silva na adolescência, cabeludo, quando
começou na Chute Boxe (Foto: Reprodução)
Sua estreia no MMA, ainda chamado de vale-tudo, foi em 1º de novembro
de 1996, no Brazilian Vale-Tudo Fighting 6. Em 3m35s, Wanderlei Silva
nocauteou Dilsinho "Mad Max" Filho, que, mais tarde, ficaria famoso no
Big Brother Brasil. Wand, por sua vez, chamaria a atenção do público
pela primeira vez no International Vale-Tudo Championship (IVC).
Apelidado de "Ronaldinho" por ter a cabeça raspada, assim como Ronaldo
"Fenômeno" tinha na época, o curitibano lutou três vezes na mesma noite e
venceu duas, sendo derrotado na final por Artur Mariano numa batalha
sangrenta, por causa de um corte acima do olho esquerdo. No IVC 6,
Wanderlei voltou e nocauteou o condecorado wrestler americano Mike
Van Arsdale, o que lhe rendeu seu primeiro convite para o UFC.
De "Ronaldinho" a "Mr. Pride"
Poster na academia de Wand em Las Vegas: o 'Rei'
do Pride (Foto: Marcelo Russio/Globoesporte.com)
O curitibano encerrou sua carreira no IVC ao submeter Eugene Jackson em
27 de abril de 1999, para conquistar o cinturão dos pesos-meio-pesados.
Poucos meses depois, em setembro do mesmo ano, fazia sua estreia no
Pride, que, com melhores salários e eventos lotados no Japão, começava a
deixar o UFC para trás como
principal
evento de MMA do mundo. Wanderlei logo se destacou por sua raça e
resistência - continuava andando para frente e atacando mesmo quando era
atingido. Após cinco vitórias, incluindo oponentes como Daijiro Matsui,
Guy Mezger e Dan Henderson, e um "No Contest", o brasileiro recebeu a
chance de enfrentar Kazushi Sakuraba, maior nome da modalidade no Japão,
e que havia recebido o apelido de "Caçador de Gracies" por suas
vitórias sobre quatro representantes da família Gracie: Royler, Royce,
Renzo e Ryan. Tido como azarão, Wand não tomou conhecimento do
adversário e o nocauteou em apenas 1m38s.
A vitória sobre Sakuraba tornou Wanderlei Silva famoso. O próprio lutador conta que, no
dia seguinte
da luta, estava nas manchetes de 12 jornais japoneses diferentes pelo
feito. A partir daí, ele faria uma "trilogia" de lutas com Sakuraba,
incluindo uma disputa pelo primeiro cinturão dos pesos-médios (até 93kg)
do Pride, criado especialmente para a revanche. Wand venceu todas as
três lutas, a última delas na primeira rodada de um
Grand Prix
do qual nem precisava participar, já que era o campeão da categoria.
Naquele mesmo GP, derrotou Hidehiko Yoshida, medalha de ouro no judô nas
Olimpíadas de Barcelona-1992, e Quinton "Rampage" Jackson, com quem
também teria uma memorável trilogia.
Rampage Jackson deu início à rivalidade ao provocar Wanderlei logo após vencer
Kevin Randleman,
no Pride 25, em março de 2003. No microfone aberto do evento, o
americano começou a falar diretamente com o brasileiro, dizendo que o
cinturão dos pesos-médios o pertencia e Wand estava apenas guardando-o
para ele. Irritado, o "Cachorro Louco" subiu ao ringue e o empurrou,
gritando, "O cinturão é meu!" Os dois tiveram de ser separados e
contidos por dezenas de pessoas da organização. O primeiro duelo entre
eles aconteceu em 9 de novembro de 2003, na final do GP dos
pesos-médios, e Wanderlei venceu por nocaute técnico após uma sequência
incrível de joelhadas e chutes na cabeça no primeiro round. A revanche
viria quase um ano depois, em 31 de outubro de 2004, e, apesar de mais
equilibrada, terminou da mesma forma: com joelhadas na cabeça, desta vez
no segundo round, em um dos nocautes mais impressionantes da história
do MMA. Rampage caiu desacordado, entre as cordas do ringue.
Wanderlei Silva virou ídolo no Japão, onde fez comerciais, filmes e virou até videogame (Foto: Marcelo Alonso)
A segunda vitória sobre o americano marcou a consagração de Wanderlei
Silva como "Mr. Pride". Na época, o brasileiro foi convidado para fazer
comerciais e filmes, virou personagem de histórias em quadrinhos e
videogames, e não conseguia sair de casa sem ser parado para autógrafos e
fotos.
Entretanto, a vitória sobre Jackson foi também a última da
impressionante sequência de 21 lutas e mais de cinco anos sem derrota no
evento. Em 31 de dezembro de 2004, o brasileiro viu sua invencibilidade
cair diante do neozelandês Mark Hunt, numa controversa decisão
dividida. A luta foi disputada no peso-pesado e Wanderlei a aceitou com
dois dias de antecedência. Oito meses depois, Wand veria sua
invencibilidade no peso-médio cair, contra o carioca Ricardo Arona, que o
derrotou por decisão unânime no GP da categoria, em 28 de agosto de
2005. A luta, porém, não valia cinturão, e, em 31 de dezembro do mesmo
ano, os dois se reencontraram para uma revanche, desta vez valendo o
título. Num combate muito acirrado, Wanderlei desta vez foi um pouco
melhor e venceu por decisão dividida.
O brasileiro ainda mostrou seu espírito de guerreiro mais uma vez em
2006, ao entrar no GP peso-absoluto no lugar do então campeão dos
pesos-pesados, Fedor Emelianenko. Wanderlei nocauteou Kazuyuki Fujita
nas quartas de final, mas acabou derrotado pelo peso-pesado Mirko "Cro
Cop" Filipovic com um avassalador nocaute, um chute na cabeça, nas
semifinais, em 10 de setembro de 2006. Seria sua última luta pelo Pride
no Japão. Em dificuldades financeiras, a organização fez dois eventos
nos EUA, incluindo o Pride 33, em 24 de fevereiro de 2007, no qual Wand
foi novamente nocauteado, desta vez por Dan Henderson, e perdeu o
cinturão dos pesos-médios, o qual deteve por 1.904 dias. Pouco depois,
em março daquele ano, o Pride foi comprado pelo UFC e, eventualmente,
extinto.
Nova vida nos Estados Unidos
Wanderlei Silva foi derrotado por Vitor Belfort no
Ultimate Brazil 1998 (Foto: Getty Images)
Por algum motivo, Wanderlei Silva nunca conseguiu repetir o mesmo
sucesso no UFC que teve no Pride. Logo no começo de sua carreira, o
brasileiro foi chamado para enfrentar
Vitor Belfort
no UFC Brazil, em São Paulo. O duelo era bastante aguardado, já que
Wanderlei vinha de grande lutas no IVC e Belfort era um fenômeno
internacional, tendo conquistado o título do torneio peso-pesado do
Ultimate com apenas 19 anos. Entretanto, em 16 de outubro de 1998, o
carioca achou uma abertura e, com uma série de socos em linha, conseguiu
um nocaute em apenas 44s.
Wanderlei teria mais duas oportunidades no UFC antes de se consagrar no
Japão. Em maio de 1999, no UFC 20, derrotou Tony Petarra por nocaute em
2m53s. Mais tarde, já com três vitórias no Pride, recebeu a
oportunidade de enfrentar Tito Ortiz no UFC 25, em Tóquio, pelo cinturão
dos pesos-meio-pesados (até 93kg), mas foi derrotado por decisão
unânime dos jurados.
A partir daí, o brasileiro se tornaria o maior nome do Pride, e
alimentou por anos uma rivalidade com Chuck Liddell, principal nome de
sua categoria no UFC. O duelo esteve próximo de acontecer duas vezes: em
2003, Liddell foi enviado como representante do Ultimate para
participar do GP dos pesos-médios, com a intenção de encarar Wanderlei
na final. Porém,
Rampage Jackson
estragou os planos ao nocautear o compatriota nas semifinais. Depois,
em 8 de julho de 2006, o brasileiro subiu ao octógono do UFC 61, em
Las Vegas,
e o presidente do Ultimate, Dana White, anunciou que, caso Liddell
defendesse seu cinturão contra Renato Babalu, os dois se enfrentariam. O
americano cumpriu sua parte, mas o UFC e o Pride não conseguiram chegar
a um acordo.
Meses após a venda do Pride, em agosto de 2007, o UFC anunciou que
Wanderlei voltaria à organização. Sua primeira luta, em 29 de dezembro
daquele ano, seria contra Chuck Liddell, embora muito do glamour do
duelo tivesse caído, já que nenhum dos dois era mais campeão. Mesmo
assim, o combate foi acirrado e levaria o prêmio de "Luta do Ano" no
World MMA Awards. Liddell venceu por decisão unânime, marcando a
terceira derrota seguida do brasileiro.
Wanderlei Silva venceu a luta seguinte com um impressionante nocaute
contra Keith Jardine, em apenas 38s, mas, depois disso, alternou
vitórias e derrotas. Em dezembro de 2008, foi nocauteado por Rampage
Jackson na conclusão da trilogia entre os dois. Em junho de 2009, fez
luta parelha com Rich Franklin, mas perdeu por decisão unânime dos
jurados. Após esta luta, Wand passou por uma cirurgia facial para
reparar o nariz, quebrado durante a luta contra Cro Cop e em várias
ocasiões subsequentes, e remover tecido de cicatrizes. A operação
aumentou sua capacidade de inspirar oxigênio em 30%, segundo médicos, e
também deixou sua aparência bastante diferente.
Em fevereiro de 2010, voltou a lutar, desta vez na categoria de baixo,
até 84kg, e venceu Michael Bisping por pontos. A vitória, porém, foi
seguida de um longo período de inatividade, 18 meses, devido a lesões
nas costelas e no joelho. Foi aí que os boatos de aposentadoria
começaram a seguí-lo. Eles apenas aumentaram após seu retorno, no UFC
132, em 2 de julho de 2011. Wanderlei foi nocauteado em apenas 27s por
Chris Leben, ex-participante do reality show The Ultimate Fighter, no
que considera o momento mais difícil de sua carreira. O curitibano,
todavia, voltou a lutar em novembro, substituindo Vitor Belfort no
confronto com Cung Le, ex-campeão do Strikeforce, e venceu por nocaute
técnico no segundo round, graças a uma série de joelhadas e socos.
Wanderlei (de azul) com Belfort e os membros do primeiro TUF Brasil (Foto: André Schiliró - TUF Brasil)
Em dezembro, Wanderlei Silva foi anunciado como um dos técnicos do
primeiro The Ultimate Fighter Brasil: Em busca de campeões, no qual
teria como antagonista Vitor Belfort. Uma revanche entre os dois, pedida
por Wand por anos, foi marcada para 23 de junho de 2012, no UFC 147;
todavia, Belfort quebrou a mão cerca de um mês antes da luta e foi
substituído por Rich Franklin. O americano derrotou o curitibano por
decisão unânime novamente, e os boatos em torno de uma possível
aposentadoria voltaram a cercar o "Cachorro Louco".
Poucos meses depois da luta com Franklin, Wanderlei sofreu outra perda
enorme, fora do octógono: seu pai, Sr. Holando Pinheiro da Silva, morreu
em agosto de 2012, vítima de um acidente de carro. Com o coração
pesado, o lutador retornou a Saitama, Japão, para enfrentar Brian Stann
pelo UFC em março de 2013. No palco de suas maiores glórias, voltou a
brilhar e nocauteou o americano no segundo round.
Polêmicas no fim de carreira
Os últimos dois anos da carreira de Wand foram marcados por polêmicas.
Após sua vitória sobre Stann, o brasileiro virou alvo fixo de
Chael Sonnen,
com quem teve uma discussão num carro sobre as provocações do lutador
americano ao Brasil na promoção de seu combate contra Anderson Silva.
Sonnen passou a pedir para enfrentar o "Cachorro Louco", que adiou a
marcação do duelo por conta de lesões no nervo ciático. No final de
2013, o UFC enfim anunciou que os dois se enfrentariam ao final da
terceira temporada do TUF Brasil, em que serviriam como treinadores.
Wanderlei Silva e Chael Sonnen brigam no TUF
Brasil 3 (Foto: Reprodução/ TUF Brasil 3)
A tensão entre os dois, todavia, explodiu ainda no set de filmagens. Após trocarem farpas por todo o
programa,
Wanderlei e Sonnen foram às "vias de fato" e brigaram dentro da
academia, antes de serem separados pelos participantes do reality show.
Derrubado pelo americano na briga, o lutador brasileiro lesionou o punho
direito, o que forçou o UFC a adiar seu combate e levá-lo para Las
Vegas,
como parte do UFC 175, marcado para 5 de julho. Pouco mais de um mês
antes do evento, porém, em 24 de maio, Wand recebeu inesperadamente em
sua academia a visita de um coletor da Comissão Atlética do Estado de
Nevada, que fora realizar um exame antidoping surpresa. O lutador,
porém, despistou o coletor e deixou o estabelecimento por uma saída de
emergência, sem cooperar com o exame.
Ao saber do ocorrido, o Ultimate retirou o brasileiro do card do UFC
175 e o substituiu por Vitor Belfort; o combate, no final das contas,
acabou não acontecendo, porque Chael Sonnen foi flagrado em outro exame
antidoping surpresa e suspenso. Wanderlei foi chamado pela comissão
atlética a esclarecer o ocorrido e admitiu ter fugido do exame, por
estar usando um diurético, substância proibida, para reduzir uma
retenção de água causada pelo tratamento para o punho. O brasileiro não
estava licenciado pela comissão no momento do exame, nem tinha dado
entrada no processo de pedido de licença para lutar em Las Vegas, e por
isso, inicialmente, não foi punido. A Procuradoria Geral de Nevada,
porém, entrou com uma queixa formal contra o lutador, que até o momento
não foi resolvida. O advogado de Silva, Ross Goodman, alega que a
comissão não tem jurisdição para punir o brasileiro.
Fora das lutas, Wanderlei Silva passa a se dedicar à esposa, Téa, e aos
filhos, Rafaela e Thor. O "Cachorro Louco" tem atualmente uma academia
em Las Vegas, Wand Fight Team, premiada em 2010 como a melhor academia
de MMA do ano, na qual forma
lutadores
e inclui também aulas gratuitas para menores carentes. Ele afirmou em
inúmeras ocasiões que pretende trazer o projeto para o Brasil, começando
por sua cidade, Curitiba.