Após turbilhão de críticas, Anderson desabafa: 'Querem derrubar os ídolos'
Derrotado por Weidman em julho, Spider fala em 'mal
cultural' do povo brasileiro nas situações de derrota: 'Depositam as
frustrações'
Por Ivan Raupp
Rio de Janeiro
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A derrota para
Chris Weidman e a perda do cinturão peso-médio do UFC serviram de grande aprendizado para
Anderson Silva.
Antes chamado de gênio, o Spider virou alvo fácil de críticas por causa
de seu comportamento exageradamente provocador contra o americano (veja
o vídeo ao lado), que culminou com um golpe certeiro no queixo e o
revés por nocaute, algo até então impensável. Anderson ficou chateado
com a repercussão negativa da luta e principalmente com os comentários
de que o duelo teria sido "comprado", uma farsa com desfecho
premeditado. Em entrevista ao "Fantástico" logo após o UFC 162, disse
ter percebido que "os fãs não são tão fãs assim". E a decepção só
aumentou. Um mês e meio depois do ocorrido, em entrevista exclusiva ao
Combate.com, ele afirmou que os brasileiros não lidam bem com a derrota de um ídolo:
- Isso é um mal cultural dos brasileiros. Eles acreditam muito nos
ídolos, mas depositam as frustrações neles. Quando eles não vão bem,
querem derrubar os ídolos.
Anderson Silva abalado após derrota para Chris Weidman no UFC 162 (Foto: Getty Images)
Das muitas críticas que recebeu de lutadores e treinadores, a que
pareceu mais cabível para Spider foi a de Cesar Gracie, brasileiro
técnico de Nick Diaz, Nate Diaz, Gilbert Melendez, Jake Shields, entre
outros.
Cesar disse
que a partir de agora vamos ver um Anderson Silva mais humano, errando
mais e até perdendo mais. O ex-campeão vê da mesma forma:
Isso (as muitas críticas ao ídolo na hora da derrota) é um mal cultural dos brasileiros"
Anderson Silva
- Acho que, de todas as pessoas que falaram, ele foi o mais sensato.
Sou um ser humano, estou suscetível a erros. Perder ou ganhar faz parte.
É normal. Temos que encarar com naturalidade. Como eu falei, as pessoas
criam expectativas em cima do ídolo e, quando esse ídolo não consegue
desempenhar bem, as pessoas depositam as frustrações nele.
Anderson também mostrou respeito ao comentar as críticas que
recebeu de Cesário Bezerra,
que ele garante não ser seu treinador oficial há muito tempo. Ele falou
ainda sobre a difícil relação com a fama, descartou nova luta contra
Vitor Belfort, desconversou sobre enfrentar
Ronaldo Jacaré
e garantiu que não vai mudar seu estilo na revanche contra Weidman,
marcada para 28 de dezembro, no UFC 168, em Las Vegas (EUA). A seguir,
veja a entrevista na íntegra:
COMBATE.COM: Por tudo o que aconteceu, da maneira como
aconteceu, dá para dizer que o Anderson Silva está mordido para essa
revanche?ANDERSON SILVA: Mordido não. Está
tudo certo. Trabalho é trabalho. Às vezes você é bem-sucedido em alguma
coisa, e às vezes não. Dessa vez eu não fui bem-sucedido. É assim que
funciona o negócio.
Você teve tempo para digerir a derrota. Hoje, mais de um mês depois da luta, você acha que exagerou nas provocações?
Não. Eu não acho que exagerei em nada. O único erro meu nessa luta foi
técnico. Eu tinha que ter dado um passo para trás. Mas é assim mesmo. A
vida continua.
Anderson Silva é acertado por Chris Weidman: erro técnico, segundo ele (Foto: Getty Images)
Como você recebeu as reações negativas da torcida brasileira?
Ficou surpreso? Você sentiu que tinha gente que só esperava um tropeço
seu para te criticar?
Cara, é difícil falar. É aquela coisa. Isso é um mal cultural dos
brasileiros. Eles acreditam muito nos ídolos, mas depositam as
frustrações neles. Quando eles não vão bem, querem derrubar os ídolos.
Mas o trabalho continua. Vamos tentar trazer o cinturão de volta para o
Brasil. Isso já é página virada.
O que muda para essa revanche? Vai manter a equipe toda? Se não, quem sai?
Vai haver algumas mudanças. O que aconteceu foi um mal necessário para
enxergarmos onde deveriam ser essas mudanças. Temos que estar sempre
mudando.
As pessoas confundem as coisas. Acham que você tem sempre que estar
bem disposto. Às vezes você acorda mal, com algum problema familiar, de
saúde, e as pessoas acham que você tem sempre que parar de comer para
tirar foto"
Anderson Silva
Você sentiu que havia muita gente aproveitadora ao seu redor? Se sentiu, eles já sumiram ou continuam por perto?
Quando se está numa posição onde as pessoas não conseguem te cobrar,
fica difícil. Tem que ver algumas coisas. Tem que ver se as pessoas
gostam de você pelo ser humano que você é ou não. É uma coisa natural,
uma seleção natural. Quando acontece uma fatalidade como a que
aconteceu, até acho muito importante para poder rever muitas coisas.
O sucesso mudou o Anderson Silva em alguma coisa? O assédio te incomoda? Você se sente cansado da fama?
Acho que a fama, o sucesso, tudo isso chega em algum momento da vida. É
bom, importante, mas quando é demais acaba atrapalhando. Você perde sua
vida particular, sua privacidade. As pessoas confundem as coisas. Acham
que você tem sempre que estar bem disposto. Às vezes você acorda mal,
com algum problema familiar, de saúde, e as pessoas acham que você tem
sempre que parar de comer para tirar foto. Elas não entendem. Mas eu sei
que é assim mesmo. Sei que isso faz parte do pacote.
Spider chora após a derrota (Foto: Reprodução)
O cinturão era um peso muito grande nas suas costas? Dá para dizer que você está se sentindo aliviado agora?
Sou muito dono de mim mesmo. Sempre lutei porque gosto. E sempre pude
fazer o que faço com excelência. Nunca me preocupei com o cinturão. E eu
consegui defender esse título por sete anos. Não senti alívio ou alguma
coisa assim. É difícil. Você acaba tendo um pouco de pressão em relação
a isso. Você tem que estar se autoafirmando o tempo todo.
Você recebeu muitas críticas por causa do seu estilo de luta
contra o Weidman. É uma coisa que você vai mudar ou pretende fazer
exatamente o mesmo na revanche para tentar provar que está certo?
Certo ninguém está, assim como ninguém está errado. Eu não vou mudar meu estilo de luta.
Aos 38 anos, você acha que vai fazer as dez lutas que estão no contrato?
Eu pretendo. Fizemos toda uma avaliação e todo um cronograma para que
eu possa fazer essas dez lutas. Espero que eu consiga, e de preferência
com vitórias.
As superlutas contra Jon Jones e Georges St-Pierre foram
descartadas pelo Dana White após a derrota para o Weidman. Sua meta
agora é recuperar o cinturão dos médios e seguir na categoria para
acumular mais defesas de título?
Minha meta agora é focar no trabalho até começar o camp de treinos.
Depois vou pensar na revanche, em fazer mais uma boa luta contra o
Weidman e em dar espetáculo para todos os fãs do UFC.
Revanche está marcada para o dia 28 de dezembro, em Las Vegas (Foto: Evelyn Rodrigues)
O treinador Cesar Gracie comentou que a partir de agora devemos
ver um Anderson Silva mais humano, errando mais e talvez até perdendo
mais. O que você acha disso?
Acho que, de todas as pessoas que falaram, ele foi o mais sensato. Sou
um ser humano, estou suscetível a erros. Perder ou ganhar faz parte. É
normal. Temos que encarar com naturalidade. Como eu falei, as pessoas
criam expectativas em cima do ídolo e, quando esse ídolo não consegue
desempenhar bem, as pessoas depositam as frustrações nele.
Já o Cesário Bezerra, que treina seu boxe na XGym, deu uma
entrevista ao Combate.com dizendo que foram "três meses de trabalho
jogados fora", que é difícil trabalhar em uma equipe com tanta gente que
nem a sua e que tem que "acabar com a peruada". Como você recebeu essas
críticas dele? Ele segue com você no time?
Fui treinar na XGym quando cheguei ao Rio de Janeiro, porque lá é a
academia do meu mestre Rogério Camões, que cuida da minha preparação
física. O mestre Cesário estava lá, e passei a treinar com ele. Tenho um
carinho grande por ele. Ele tem muita experiência, sabe o que está
falando. Acho normal ele se expressar. Há muito tempo o mestre Cesário
não é meu treinador oficial de boxe. O da Team Nogueira é o (Luiz)
Dórea, e o meu é o Edelson (Silva), que é aluno do Dórea. O mestre
Cesário está sempre dando opinião por ter muita experiência, e acho que
ele está credenciado para isso, porque me conhece muito bem.
Acho que não. O que tinha de ser feito já foi feito. Não vejo essa possibilidade."
Spider, sobre revanche contra Vitor Belfort
As pessoas sempre perguntam ao Ronaldo Jacaré sobre uma luta
entre vocês, e ele sempre diz que não tem a intenção de te enfrentar.
Agora ele está muito bem ranqueado na categoria, e o duelo vai ficando
cada vez mais possível. Você considera essa luta impossível de
acontecer?
Eu sou um cara que, se sou teu amigo, sou teu amigo, independentemente
de grana e status. Para mim, a honra vale mais do que a própria vida.
Luta é luta. Independentemente de ser o Jacaré ou outro, eu não gostaria
de lutar contra um amigo meu. Mas é aquela coisa... Estou numa posição e
nunca precisei tomar nada de ninguém para conquistar o que conquistei.
E a revanche contra o Vitor Belfort? Ele acha que em algum
momento ela vai acabar acontecendo. E você? Também acha que ela vai
acontecer um dia?
Acho que não. O que tinha de ser feito já foi feito. É claro que somos
funcionários do UFC, deixo bem claro isso, mas eu não gosto de lutar
contra brasileiro. Não vejo essa possibilidade.
O Anderson ainda é o melhor do mundo? Ou nunca foi? Como o Anderson Silva se descreveria hoje em dia?
Eu sou um cara normal. Não sou e nunca quis ser o melhor do mundo.
Foram as pessoas que me deram esse título. Agradeço a elas por me
acharem o melhor, mas eu nunca me achei o melhor peso-por-peso.
Anderson comemora sua última vitória, sobre Stephan Bonnar, no Rio, em 2012 (Foto: André Durão / GE.com)
A decisão de não renovar o patrocínio do Corinthians foi da sua
equipe. O que motivou isso? Foi o fato de não querer mais ser associado
a um clube de futebol por causa das rivalidades?
Sou corintiano desde que nasci e vou morrer corintiano. O que houve foi
um cruzamento de informações. O contrato venceu e não foi renovado, mas
independentemente disso vou morrer conrintiano e vou estar sempre
vestindo o manto.
Você participa do filme "Até que a sorte nos separe 2". Qual é o seu papel? E quais os planos para a sua carreira nesse sentido?
Faço o papel de um policial disfarçado. Estou indo para Las Vegas
gravar. Pretendo continuar trabalhando e estudando para poder ganhar
espaço também nesse meio.
E o que tem feito no tempo livre?
Tento ficar o máximo que posso com a minha família. Tenho o meu
paintball, que é sagrado, e o videogame. Fora isso, é muito treino.
Treinar é uma coisa que não consigo ficar sem fazer.