Wallid Ismail: de lutador 'muito doido' a 'Dana White' do MMA brasileiro
Presidente do Jungle Fight faz duras críticas a
treinadores que produzem eventos no Brasil e esclarece polêmicas com
Erick Silva e John Lineker
Por Ivan Raupp, especial para o SporTV.com
Direto de Macapá, AP
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Careca, agitado, fanático por MMA e trabalhador compulsivo. Quem junta
essas características em uma pessoa só logo pensa na figura de Dana
White, o presidente e manda-chuva do gigante UFC. Mas também pode ser,
sem tirar nem pôr, Wallid Ismail, o presidente do Jungle Fight, apesar
de o próprio rejeitar a comparação. Ex-lutador de jiu-jítsu e vale-tudo,
a versão antiga do MMA, o manauara comanda o principal evento de artes
marciais mistas da América Latina. O objetivo dele é transformar a
organização na segunda principal do mundo. A concorrência no Brasil,
para Wallid, passa longe, e sobram várias alfinetadas nos "adversários".
Lorenzo Fertitta, Wallid Ismail e Dana White: dom para os negócios (Foto: Divulgação)
- Fico muito chateado quando um professor produz evento, porque os
alunos nunca perdem. Bota luta fácil, isso é um aburdo. Eu sou
totalmente contra professor escolher luta para o aluno. Isso é o fim do
mundo. E foi isso que acabou com o boxe. Os produtores tinham ligação
com o manager, que fazia a carreira do cara subindo a escada. Por isso
que tem que ser casca-grossa para lutar no Jungle. Vários professores
dizem para mim: "Wallid, meu lutador ainda não está pronto para lutar no
Jungle, deixa ele lutar em eventos menores primeiro" - disse.
Em meio à produção de mais um evento, o Jungle Fight 40, em Macapá, no último dia 15, Wallid Ismail conversou com o
SPORTV.COM
no hotel onde estava hospedado na capital amapaense. Com a língua
afiada, o presidente do Jungle esclareceu o caso de John Lineker, que
chegou sozinho aos Estados Unidos em sua última luta, e o de
Erick Silva,
quando, após a vitória do capixaba sobre Charlie Brenneman, Wallid foi
traduzí-lo no microfone e alongou a declaração propositalmente para
agradecer a alguns patrocinadores e colaboradores, como o senador Magno
Malta (PR-ES).
Walid comemora histórica vitória sobre Royce
Gracie no jiu-jítsu, em 1998 (Foto: Divulgação)
- É um cara que sempre ajudou. É que as pessoas não entendem que não
deixo de agradecer aos caras que ajudam. Essa gratidão é sempre
importante. O Erick teve problema no visto para os EUA, e ele (Magno
Malta) ajudou a tirá-lo mais rápido. Teve um problema, e foi necessária a
ajuda de pessoas influentes. O senador se prontificou a ajudar. Como
não vou agradecer? Só vagabundo e pilantra não reconhece quem ajuda. A
maior virtude de um homem é a gratidão. Quem não é grato, paga o preço, e
nunca quero e nem vou pagar esse preço - justificou.
Wallid contou ainda como foi o início do Jungle Fight e admitiu que já
teve de tirar dinheiro do próprio bolso para sustentar o evento.
Atualmente, por outro lado, ele disse que a situação está mudando para
melhor. Empresário de atletas do UFC, garantiu que não tem saudade de
lutar e afirmou que a versão "madura" do dirigente Wallid é melhor do
que o lutador "muito doido" de antigamente, que chegou a ficar conhecido
como o "Exterminador de Gracies". Confira, a seguir, a entrevista na
íntegra:
Como surgiu a ideia de criar o Jungle Fight?Eu
lutava na época e era representado por um japonês chamado Antonio Inoki,
que era o diretor executivo do Pride, o maior evento do mundo na época.
E foi um estouro. Tivemos o patrocínio da Konami, uma empresa japonesa,
e a ideia era chamar a atenção do mundo para a Amazônia. Ele (Inoki)
sempre foi ligado à natureza. Tive a ideia, falei com o Inoki, e na hora
ele já lançou para a imprensa de todo o Japão. A repercussão foi
animal. No primeiro show, batemos recorde de audiência, fomos
transmitidos pelo SporTV, teve
Lyoto Machidax
Stephan Bonnar, Fabricio Werdum x Gabriel Napão... Mas uma coisa é
interessante: nenhum desses caras era conhecido ainda. Que nem neste
evento do Amapá, você vê garotos que daqui a pouco vão estar
despontando. Eu me lembro do que falavam do Erick Silva: "Nossa, Erick
Silva? Que card ruim." Falavam também do Yuri Marajó. E está aí, vários
desses caras vão ser grandes estrelas internacionais.
Você e o japonês investiam no Jungle?Não, nós
conseguimos esse patrocínio da Konami. Tive o apoio também do atual
governador do Amazonas, Omar Aziz, que gostou da ideia.
E o Inoki ainda participa?Não. Tenho falado com ele, estou marcando até uma reunião em Los Angeles. Sou um cara que nunca esquece quem me ajuda.
Ele saiu quando?Saiu no Jungle Fight 3. Aí eu
assumi. Além de ser do Pride, ele tinha uma outra firma, na qual ele
tinha outros interesses. A Konami saiu junto. Desde então, sou eu
sozinho, guerreiro.
Senador Magno Malta, Yuri Marajó, Erick Silva, Wallid e Yuri Pelaes (Foto: Ivan Raupp / Globoesporte.com)
O Jungle Fight sempre foi rentável?Não, várias
vezes tive que tirar dinheiro do meu próprio bolso. Dinheiro que ganhei
na minha carreira de atleta, e depois ainda botei dinheiro de uma ação,
que pouca gente sabe, de quando ganhei uma indenização muito legal de
uma empresa criada por mim, depois que tive problemas com meu sócio.
Agora é que está começando a virar. Ainda é a guerra, nada é mole. Ainda
não está uma maravilha, mas está começando a virar. O mercado está
começando a entender que realmente é um esporte, com grandes
patrocinadores.
O UFC é a Copa do Mundo, e o Jungle é a Libertadores da América. O UFC
é o maior evento do mundo, não tenho a pretensão de concorrer com eles,
mas eu quero meu lugar no mundo, que é ser o segundo maior e o maior da
América Latina"
Wallid Ismail
Você diria que o lucro vale o esforço?Eu diria que
o prazer vale o esforço. O homem que vê só o lucro dificilmente faz
sucesso. É a mesma coisa do lutador que só vê o lucro. Sou muito feliz, é
uma vida de louco, mas sou o cara mais feliz do mundo. Trabalho com o
que eu amo, viajo o mundo todo, sou respeitado no mundo todo. Quantos e
quantos atletas passaram pela minha mão no Jungle e hoje são
milionários? Vários ficaram ricos e puderam dar uma vida melhor às
famílias. Só espero que possa ter esse reconhecimento de todos esses
atletas que passaram pelo Jungle. E pode anotar: vamos ver muitos outros
ainda.
E esse reconhecimento seria em que sentido?Quero
que as pessoas lembrem do Jungle Fight. Não precisa falar, lembrar. Mas o
legal é que as pessoas lembram, isso é muito legal, sempre agradecem.
Somos um evento diferenciado.
Que distância você vê entre o Jungle Fight e o UFC?O
UFC é a Copa do Mundo, e o Jungle é a Libertadores da América. O UFC é o
maior evento do mundo, não tenho a pretensão de concorrer com eles, mas
eu quero meu lugar no mundo, que é ser o segundo maior e o maior da
América Latina. Já sou o maior da América Latina, mas trabalho para
manter. No Brasil, não tem um segundo maior evento, tem um bolo de
vários eventos. E o Jungle é disparado o melhor. Mas isso quem me falou
foi o Boninho. Sempre gosto de falar dele porque sempre tive grandes
ideias vindas dele. É realmente um amigo, um irmão, um cara que me ajuda
e me dá vários conselhos legais. Foi o cara que sempre apoiou o MMA. Um
dia ele me falou: "Wallid, tem que ser Arena Jungle (o nome da jaula
onde ocorrem as lutas do evento)! Tem que ser um nome para marcar".
Ana Furtado (esposa de Boninho), Boninho, Wallid
Ismail e a esposa Daniele (Foto: Divulgação)
E o Boninho tem alguma ligação direta com o Jungle?Não,
só de conselhos mesmo. Ele é um conselheiro, um amigo e irmão meu que
gosta de mim e me dá vários conselhos legais, de imagem, de colocar
telões. Ele é um grande conselheiro nesse sentido.
De onde vem sua amizade com ele?Vem de vários
anos, mais ou menos uns dez. A gente começou a malhar junto quando eu
ainda morava nos Estados Unidos, e ficamos amigos. E é muito legal, pois
ele é um cara vitorioso. Ninguém trabalha como eu trabalho, mas esse
cara é um psicopata. O Boninho é um workaholic. É um cara especial, as
ideias dele são especiais. Sempre procurei ouvir muito os amigos que sei
que querem o melhor para mim e para o meu trabalho.
Você acha que o Jungle pode passar o Strikeforce e o Bellator, ou já passou?Não tenho dúvida de que já passou o Bellator. O Strikeforce é da Zuffa (empresa que é dona do UFC), você não pode considerar.
Então você considera o Jungle o terceiro maior evento do mundo?Eu
considero um dos grandes do mundo. Uma coisa que as pessoas não sabem: o
Jungle Fight e o Ultimate são os dois eventos mais antigos do mundo.
Vários eventos vieram depois.
Alguns campeões do Jungle foram para o UFC, como Erick Silva,
Yuri Marajó e o Marcelo Guimarães. Isso já é combinado por você com o
Dana White e com o Lorenzo Fertitta?Eu estive com o Joe
Silva (casador de lutas do UFC), e ele sabe. As pessoas têm que
entender: o Jungle Fight não é feito por um professor. Eu não sou
professor. Os lutadores são os melhores. O cara, para ser campeão do
Jungle, tem que ser muito bom. E você vê que todos os caras do Jungle
fizeram um baita show no Ultimate. Isso me credencia. Eles sabem que os
melhores saem do Jungle, porque não sou professor, padrinho, nem nada.
Por isso que tem tempo ruim. Quando os caras me perguntam: "Ah, com quem
vou lutar?". Eu digo: "Olha, tem dois braços e duas pernas". Tem que se
preparar para qualquer um.
Fico muito chateado quando um professor produz evento, porque os
alunos nunca perdem. Bota luta fácil, isso é um aburdo. Eu sou
totalmente contra professor escolher luta para o aluno. Isso é o fim do
mundo"
Sobre eventos concorrentes no Brasil
Você faz esse meio de campo dos atletas com o UFC? Tem contato direto com o Joe Silva?Eu
que faço. O Joe Silva é meu camarada desde a época em que eu era
lutador. Ele está no negócio há muitos anos. Então você realmente tem
credibilidade, tem uma raiz ali. Não sou um cara que caiu de paraquedas.
Fico muito chateado quando um professor produz evento, porque os alunos
nunca perdem. Bota luta fácil, isso é um aburdo. Eu sou totalmente
contra professor escolher luta para o aluno. Isso é o fim do mundo. E
foi isso que acabou com o boxe. Os produtores tinham ligação com o
empresário, que fazia a carreira do cara subindo a escada. Por isso que
tem que ser casca-grossa para lutar no Jungle. Vários professores dizem
para mim: "Wallid, meu lutador ainda não está pronto para lutar no
Jungle, deixa ele lutar em eventos menores primeiro".
Você se considera o Dana White brasileiro?Não, eu
me considero o Wallid. Acho que o Dana White é único, um cara realmente
especial e iluminado. Ele teve a determinação e a ousadia de querer
comprar o UFC por US$ 2 milhões. Mas pouca gente sabe que ele, o Lorenzo
e o Frank Fertitta investiram US$ 44 milhões. Então não compraram só
por US$ 2 milhões. Esses caras têm todo o valor do mundo. Todo dinheiro
que recebem é merecido. Eles sabem fazer. Eu estava na luta do Erick
agora (vitória sobre Charlie Brenneman), e o Dana White é realmente
apaixonado por isso. O Joe Silva também, até brinquei com ele quando o
Erick estava entrando no octógono, e o Joe estava saindo. Falei: "Joe,
você está maluco? Volta ou você não vai ver essa luta, porque vai ser
rápida" (risos). Aí ele: "Pô Wallid, você é maluco". Entendeu? Tem essa
interatividade com os caras, e eles sabem que sou do ramo. Eu entendo
disso. Vivo, respiro MMA 24 horas.
O ex-lutador e a esposa, Daniele (Foto: Divulgação)
Você é casado há alguns anos. Sua esposa lida bem com a sua rotina?Ela já se acostumou, já me conheceu assim. Não dá para mudar a pessoa.
E filhos?Ainda não tenho, mas isso (a rotina
atribulada) é um dos problemas. Tudo na vida tem um preço. Eu pago esse
preço por viver viajando e ter essa vida de louco. Acham que é mole? Tem
que ser doido. O cara que produz evento e faz essa loucura que eu faço
não pode ser normal. Só na última semana: fui a São Paulo resolver uns
problemas; voltei para o Rio, depois para os Estados Unidos, para uma
reunião com os chineses em Los Angeles; fui para a luta do Erick;
cheguei ao Rio e fiquei um dia; vim aqui para o Amapá; segunda-feira vou
para uma reunião em São Paulo, depois vou para Belo Horizonte com o
Yuri (Marajó, que perdeu para Hacran Dias no UFC 147). Não para, mas eu
adoro. Foi a vida que eu escolhi. É a vida que eu sempre quis.
Vai fazer algum Jungle nos Estados Unidos?Não, fui
lá só para ver acordos de transmissão. Meu negócio é Brasil. Estou
focado aqui. Cheguei a fazer na Europa, mas o Brasil é muito grande e
ainda tem que ser muito explorado. Quero solidificar muito aqui. É
aquela história: não tem segundo lugar na América Latina.
Você é empresário do John Lineker também?Cara, nós tivemos um problema agora e estamos vendo como vai ser. Por quê?
Porque houve esse problema com o Lineker, que viajou aos EUA
para lutar no UFC e parece que ficou meio "abandonado" por lá. O que
aconteceu?Houve um problema. A gente tem contrato assinado,
mas o treinador não foi com ele, não pôde ir, e eu não pude ir também.
São coisas do ofício, mas está tudo sendo resolvido.
Você já disse ao SPORTV.COM que o Erick Silva é o Neymar do MMA. Acha que ele é o futuro do MMA brasileiro?Sem
dúvida alguma. Ele vai ser o melhor peso-por-peso do mundo. As pessoas
me criticaram muito que traduzi coisas que ele não falou. Quem me
conhece sabe, falo sempre o que vem à minha cabeça. Mas, para mim, o que
interessa é o Ultimate gostar. Se não tivessem gostado, já teriam
cortado (a fala dele no microfone).
Capa de revista no Japão (Foto: Divulgação)
Você falou do senador Magno Malta...
É um cara que sempre ajudou. É que as pessoas não entendem que não
deixo de agradecer aos caras que ajudam. Essa gratidão é sempre
importante. O Erick teve problema no visto, e ele (Magno Malta) ajudou a
tirá-lo mais rápido. Teve um problema, e foi necessária a ajuda de
pessoas influentes. O senador se prontificou a ajudar, e ajudou. Como
não vou agradecer? Só vagabundo e pilantra não reconhece quem ajuda. A
maior virtude de um homem é a gratidão. Quem não é grato, paga o preço, e
nunca quero e nem vou pagar esse preço. Você vê o caso do (colchões)
Ortobom. Meu primeiro patrocínio foi deles, em 1991. O Francisco Dias,
dono da empresa, é meu amigo e foi ele quem teve a ideia de fazer os
eventos nas UPPs. Foi um sucesso e nós vamos voltar a fazer. Só que o
Jungle ficou muito grande. Vamos fazer uma segunda marca. Não era para
falar, mas vou voltar com o MMA World League (em português: Liga Mundial
de MMA), uma marca separada, tão grande quanto o Jungle Fight. Vai ser
um evento com lutas entre países. Já tenho essa marca desde 2006 e vai
voltar agora, sempre no Brasil, com foco sempre aqui.
Voltando à questão do senador: ele investe dinheiro no Jungle?
Não, ele é um apaixonado por lutas. São pessoas boas que estão do nosso lado e amam a luta.
Qual a sua relação com os atletas que empresaria? É próximo deles, amigo mesmo?
Tem que ligar sempre. Ligo sempre para o Erick, para o Yuri, com o
Marcelo estou estreitando mais a relação agora. Lógico que meu tempo é
uma loucura. Mas uma coisa em que sou bom é: o que está faltando? Pode
perguntar para qualquer atleta meu.
Você tem receio de que, algum dia, esses atletas virem as costas para você?
Acontece. De vez em quando acontece, mas faz parte do jogo. Uns têm
contrato, outros não, entendeu? Mas uma coisa é certa: a máquina gira.
Dou apoio total a quem tem o cinturão do Jungle. Vou falar do caso do
John Lineker. Ele foi campeão do Jungle e estava trabalhando no porto.
Perguntei para ele: "John, de quanto você precisa por mês para
sobreviver?". Eu tenho isso tudo anotado. Ele disse que era tanto, aí
falei que o queria focado somente no MMA para ser o melhor lutador que
existe. E fiquei pagando a ele por mês antes de ser contratado pelo UFC.
Com o Erick Silva foi a mesma coisa. Eu cheguei nele em uma
segunda-feira no Rio, e ele me disse que tinha R$ 30 para ficar até
domingo. Perguntei de quanto ele precisava, e dei: "Você é o campeão do
Jungle, então vou te apoiar". Não falo isso para ninguém, mas eu banco.
Acredito que os caras que são campeões do Jungle podem ser campeões em
qualquer evento, porque eles não tiveram moleza. Não escolheram
adversário.
Em 2011, o Jungle realizou eventos em comunidades carentes no Rio, como a Mangueira (Foto: Divulgação)
Esses caras que são campeões do Jungle hoje, como Adriano
Martins (peso-leve) e Kléber Orgulho (meio-pesado), estão perto de ir
para o UFC?Sobre esses dois, eu estou pressionando
totalmente. Estive com o Joe Silva, tenho até os e-mails dele, que
falou: "Mantenha-os lutando". Hoje o Ultimate tem 478 atletas. Estão
demitindo muito. Não adianta só ganhar, tem que ganhar dando show. Eu
perturbo o tempo todo lá, mas os caras são meus camaradas.
Vamos falar agora sobre o ex-lutador Wallid. Sente saudades dessa vida de competição?
Cara, hoje a minha vida é tão louca que sou um cara totalmente
realizado. Tenho pessoas boas ao meu lado, estamos crescendo. Não sinto
falta nenhuma de lutas. Eu me dedico tanto a esse esporte que tanto amo,
que é uma coisa impressionante. Como uma vez, quando vi o Lyoto Machida
e o Ronaldo Jacaré se abraçando. Conheci o Jacaré quando ele tinha que
andar uma hora e meia para chegar ao treino. Vi o Lyoto dormir em
academia no Japão. São pessoas que vi na guerra, que não tinham boas
condições financeiras e hoje são patrões. Esses caras eu ajudei.
Walid dorme e recebe o carinho do mestre, o já
falecido Carlson Gracie (Foto: Divulgação)
O Lyoto tem gratidão por você?
O Lyoto é sensacional. Uma vez eu estava em Belém e liguei para ele,
fazia muitos anos que não o via por causa da vida corrida. Aí ele: "Vem
cá, Wallid. Não vai me chamar para ir ao Jungle?". E eu: "Pô, você já é
estrela, ganha dinheiro para ir aos eventos. Você quer ir?". Ele falou:
"Claro! Está maluco?". As pessoas dizem que ele fala muito no Jungle, o
Jacaré também. O Fabricio Werdum me chama de padrinho até hoje. Brinco
com ele que sou muito novo para ser padrinho. O Renato Babalu também,
começou no Jungle. O Renan Barão tem passagem também, o Alessio
Sakara... O Sakara fez um documentário sobre a vida dele e veio me
entrevistar. As pessoas reconhecem que o Jungle Fight fez um ótimo
trabalho. Deus sempre me ajudou a escolher os lutadores certos. E eu sou
do ramo, olho para o lutador e sei se ele é bom ou não. Sou um bom
olheiro.
E você era mesmo o "Exterminador de Gracies"?
Isso é uma outra fase da minha vida, né? Sou um cara que lutei muito
pelo meu mestre Carlson Gracie, que é da família Gracie, então acabava
que eu defendia a família Gracie. Mas como as lutas eram contra os
Gracies, ganhei esse apelido, mas na realidade sempre defendi meu grande
mestre.
Você lembra quantas vitórias teve sobre os Gracie?
Foram três oficiais (sobre Ralf, em 1992; Renzo, em 1993; e Royce, em
1998), e outra foi uma briga com o Ryan. Mas, para ser sincero, isso faz
parte do passado. Nem me vanglorio muito disso. Os caras são muito
importantes para o esporte. Na época tinha uma rivalidade, eu os odiava.
Em uma época na minha vida, quando um cara gostava de mim e eu não
gostava dele, fazia de tudo para ele não gostar de mim também. Eu
realmente fui um cara "tempo ruim" o tempo todo, tocava o terror. Era
outra fase da minha vida, mas não me arrependo de tudo o que eu fiz.
Acho que valeu. Ninguém ganhava dinheiro com isso, e eu ganhava com o
MMA e com o jiu-jítsu. Fui o primeiro cara a viver profissionalmente da
luta no mundo. E nunca precisei dar aula. Sempre tive esse dom do
comércio. Meu pai, de origem árabe, me ensinou isso muito bem. Ele me
falava que eu tinha de saber vender, e eu sempre soube vender muito bem o
Jungle.
Vitória no jiu-jítsu sobre Renzo Gracie, em 1993 (Foto: Divulgação)
Como foi essa briga com o Ryan Gracie?
Foi uma cotovelada que ele me deu no Mundial de Jiu-Jítsu. Mas, como
ele já está em outra vida (Ryan morreu em 2007), nunca falo de quem já
morreu. Não é legal, ele não está aqui para se defender. Só desejo a
ele, onde estiver, tudo de bom, porque faz parte do passado. Uma coisa
que até o Renzo fala, que a minha lealdade ao Carlson supria qualquer
desavença. Todo mundo gosta de quem é leal, sujeito homem, e eu sempre
fui assim. O pior inimigo é aquele que está do seu lado e pode dar uma
facada a qualquer momento.
Em toda a sua carreira, a vitória da qual você mais se vangloria foi a sobre Royce Gracie no jiu-jítsu?
Não, a de que mais me vanglorio foi a vitória sobre a luta livre em
1991. Lutamos ao vivo na TV Globo, foram três lutas, e na época era uma
rivalidade muito grande. Quando eu vi que a luta livre estava crescendo
muito, fui lá e desafiei os caras, para mostrar que o jiu-jítsu era
superior. Eu fui o cara que trouxe o vale-tudo de volta ao Rio de
Janeiro, depois de dez anos sem lutas.
Não é inegociável. É um negócio, mas o UFC não precisa comprar o
Jungle. Eles compram os eventos para pegar os atletas, certo? Os atletas
do Jungle já vão para o UFC, então para que vão comprar o Jungle?"
Sobre a possibilidade de vender o Jungle
Qual a melhor versão do Wallid: o lutador ou o dirigente?
O dirigente (risos). O lutador era muito doido. Achavam que eu fazia
marketing, mas não era marketing não. Eu realmente queria brigar com o
mundo, mas sempre fui leal aos amigos e às pessoas do meu time. Hoje
estou mais maduro. Um cara que me ensinou muito foi o Inoki. Ele sempre
me disse que eu não poderia ter um time. O cara que tem um time não
poderia ser dono de evento. Dono de evento tem que trabalhar com todos
os times. É totalmente desleal e inacreditável. Meu time hoje é o Jungle
Fight, e que vença o melhor. É uma franquia que vale muito, teve uma
avaliação internacional enorme, e para isso tem que ter credibilidade.
Trouxe o Paulo Borracha, por exemplo, para ser árbitro aqui no Amapá, os
jurados também. Eles estão criando a própria comissão. E pode
perguntar: eu não me meto em decisão dos jurados.
Se o UFC fizesse uma proposta para comprar o Jungle, o que acha que aconteceria? O Jungle é inegociável?
Não é inegociável. É um negócio, mas o UFC não precisa comprar o
Jungle. Eles compram os eventos para pegar os atletas, certo? Os atletas
do Jungle já vão para o UFC, então para que vão comprar o Jungle? Mas
não existe o "se" na vida. O que você vai ver são bons lutadores atuando
no Jungle Fight, vários astros que vão poder dar uma vida melhor para
as suas famílias. Essa é uma grande alegria.
* O repórter viajou a convite da organização.