Achei! Ex-Fla e Vasco, Bruno Paulo sai do ostracismo após mãe passar fome
Aos
24 anos e com nove gols na carreira, atacante admite que jogou carreira
fora por farra, celebra o acesso à elite paulista e sonha voltar à
Gávea: 'Ainda estou novo'
Por André CasadoRio de Janeiro
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Um
garoto magrinho e de pernas compridas que aliavam velocidade ao drible
logo encheu o Flamengo de esperança quando surgiu, em 2009. Não era Zico
nem um Neymar, mas diretoria e torcida apostavam as fichas. Com
passagens por seleção de base, Bruno Paulo virou sensação nos primeiros
três jogos que fez no início da recuperação rumo ao título brasileiro
(veja no vídeo ao lado).
Mas o sonho de brilhar pelos gramados mundo afora parou por aí. O
sucesso meteórico e a farta conta bancária levaram à falta de
comprometimento e, tão rápido quanto suas jogadas, o então promissor
atacante começou a escrever seu próprio capítulo na lista de carreiras
desperdiçadas. Aos 24 anos, após sofrer as consequências do excesso de
farra, sonha recuperar o tempo perdido no RB Brasil, onde foi um dos
destaques da conquista do acesso à elite do Paulistão.
O
caminho trilhado segue a regra vista dia após dia com garotos humildes
no país. Por pouco esforço, o salário saltou de R$ 2 mil para R$ 35 mil,
e Bruno Paulo não sabia o que fazer com tanta grana. E resolveu
torrá-la. Influenciado por seus representantes, exigiu mais do clube
onde foi criado. Sem acordo para renovar, deixou a Gávea pela porta dos
fundos certo de que outro time ofereceria a valorização exigida. Passou
por Palmeiras, pelo arquirrival Vasco, Bahia e Atlético-PR até ficar sem
emprego. A Traffic investiu em seu futuro, mas não obteve retorno e
desistiu. Afinal, o atacante soma apenas nove gols como profissional e
até 2013 havia feito menos de 30 partidas no total por causa de lesões e
acusações de mau comportamento.
Antes de morar no CT do
recém-criado RB Brasil, uma espécie de refúgio para dar a volta por
cima, Bruno ainda conseguiu contratos curtos em Santo André e no gaúcho
Lajeadense. E foi no Sul que sua vida começou a mudar. Para isso, porém,
atingiu o fundo do poço.
Bruno Paulo fez apenas quatro jogos pelo Vasco. Contra o Ceará, fez o único gol (Foto: Maurício Val / FOTOCOM.NET)
-
Fiquei um tempo sem receber e ninguém acreditava mais em mim. Aí minha
mãe me ligou chorando dizendo que não tinha o que comer, implorando para
que botar a cabeça no lugar. Aí caiu a ficha, né? Não podia fazer nada
por eles naquele momento. E eu sempre fui como o pai de família da casa,
porque botava dinheiro. Parei para ver o monte de m... que eu estava
fazendo e decidi mudar. Graças a Deus, consegui e está dando certo -
conta, cheio de esperança.
O papo com Bruno Paulo é franco.
Ele não aponta culpados e reconhece que pôs tudo a perder. Até se
recorda dos conselhos que recebeu de ex-companheiros e dirigentes, como
Rodrigo Caetano, que tentou evitar que sua passagem por São Januário, em
2010, fosse um fracasso.
Bruno Paulo, hoje, aos 24 anos, em ação pelo RB Brasil, vice da Série A-2 de SP (Foto: Divulgação )
- O culpado fui eu. Me coloquei nessa situação. Saía várias vezes na
semana e ia treinar virado. Não queria ouvir e pensava: quando eu quiser
eu jogo. Aí era barrado e desanimava do nada. Não queria fazer força.
Acordei para vida finalmente. E não vou mudar nunca mais. Hoje fico
feliz com qualquer bom treino, bom jogo ou elogio. Ganho muito menos e
não gasto quase nada. Para me tirar da concentração para fazer qualquer
coisa é muito difícil - garante.
No comando do ataque da equipe paulista, participou de 19 jogos em 2014 e, mesmo com a vitória neste sábado,
ficou com o vice-campeonato da Série A-2
e ainda busca um título em sua trajetória tortuosa. Na época do
hexacampeonato, acompanhou a festa à distância. E, de olho na final do
Campeonato Carioca, neste domingo, não esconde que a meta é retornar ao
Flamengo para dar alegrias à torcida que sempre o tratou com carinho por
onde passou.
- O pessoal do Vasco sempre me tratou bem,
apostou que eu podia dar certo. Fiz vários amigos, como o Titi, o Carlos
Alberto... Mas não tenho porque esconder que sou flamenguista, né?
Estou torcendo para ser campeão. Fiquei chateado, mas saí pensando no
futuro. Mas hoje não faria de novo. Queria voltar para o Flamengo, foi
lá onde me criei. Pegava ônibus sozinho com dez anos lá na favela e ia
treinar. Se Deus quiser, vou voltar a jogar lá. Ainda estou novo! -
sonha.
A história da ascensão de Bruno Paulo é curiosa.
Deitado na cama do hotel em viagem com os juniores na Taça BH, foi
chamado à uma sala. Sem saber o motivo, foi mandado para o Rio.
O
culpado fui eu. Me coloquei nessa situação. Saía várias vezes e ia
treinar virado. Não queria ouvir e pensava: quando eu quiser
eu jogo. Aí era barrado e desanimava do nada. Não queria fazer força.
Acordei para vida finalmente. E não vou mudar nunca mais
Bruno Paulo
- Eu era moleque levado, então sempre criava um probleminha. Mas ali eu
falei: o que eu fiz? Estava ali quieto, po! Achava que era para
rescindir o contrato ou que tinham descoberto alguma cagada, sei lá. Quando
cheguei, me explicaram que era para ir para o banco no jogo contra o
Barueri. Pet, Adriano, todo mundo ali do meu lado. A perna tremia demais
(risos) - recorda-se.
Foi justamente na estreia como
profissional, no Maracanã, que o atacante criou seu nome. Entrou no
segundo tempo e partiu para cima dos zagueiros. O time, que perdia até
então, empatou, mas não foi o suficiente para evitar a demissão de Cuca.
Em seu lugar entrou Andrade, que colocou Bruno Paulo na vitória sobre o
Santos, na Vila Belmiro, com direito a assistência decisiva. Uma
partida depois, e ele não vestiria mais camisa rubro-negra.
-
Acho que fui bem porque me deram muita moral. Falaram para eu fazer o
que estava fazendo nos juniores e que iam me ajudar. Só que aí logo em
seguida meu salário passou de R$ 2 mil para R$ 35 mil. Po, tô rico, eu
pensei. Sou o cara agora. Preciso fazer mais nada. Isso me deixou assim.
Vim da favela, sem instrução e estrutura de nada. É difícil controlar -
lamenta.
Mais maduro, ele sabe que o novo salto não será
dado com a mesma velocidade que explodiu. Primeiro, planeja ser
negociado com um clube que dispute uma divisão nacional para não ficar
parado até o início do ano que vem. Aos poucos, quer estar no cenário
nacional.
Carreira de Bruno Paulo:
Flamengo (2009) - nenhum gol
Palmeiras (2010) - nenhum gol
Vasco (2010) - 1 gol
Bahia (2011) - 1 gol
Atlético-PR (2012) - 2 gols
Santo André (2013) - 1 gol
Lajeadense-RS (2013) - 2 gols
RB Brasil-SP (2014) - 2 gols
- Aprendi muito nesse tempo. Estou mais tranquilo e sabendo o que fazer.
Mas ainda vou para cima dos zagueiros, não tenho medo. Sou aquele mesmo
jogador habilidoso. Quem quiser, pode confiar - avisa, pedindo uma
chance para provar sua reabilitação.
Quando ficou parado, sem
rumo, quem lhe estendeu a mão foi seu empresário, Pedro Pereira, e o
amigo Camacho, que está no Audax São Paulo, e foi formado com ele no
Flamengo. Pagaram contas e ofereceram o apoio nesta guinada. Por isso,
Bruno Paulo é eternamente grato.
- Camacho é um irmão para
mim. Outro dia foi lá ver meu jogo, sempre me deu um moral e me
incentivou. Conheço ele desde os dez anos de idade. Daquela geração tem
muita gente boa. Ganhamos tudo na base, mas a maioria não deu certo.
Tinha o Marcelo Carré, o (Vinicius) Paquetá, o Fabrício, o Erick Flores,
o Lucão, o Paulo Sergio... - enumera.
Bruno Paulo pelo Palmeiras: muitas noitadas, pouca produção e dispensa (Foto: Get Images)