Quis o destino que a despedida do Olímpico fosse um roteiro já usado em
incontáveis oportunidades: 122 ocasiões, o número exato de Gre-Nais
antes disputados no estádio. Por que não o seria neste 2 de dezembro de
2012? A última vez do Olímpico foi salpicada dos elementos mais
inerentes à biografia da centenária rivalidade Gre-Nal. Raça, briga,
empurra-empurra, confusão, expulsão - duas coloradas e uma gremista. E,
infelizmente, ainda com episódios lamentáveis, como o lançamento de um
rojão sobre a área técnica do Inter nos acréscimos.
Mas sejamos justos, com o velho clássico e também o já saudoso estádio:
deu tempo para se ver emoção, apesar do pouco futebol, no último jogo
da atual casa tricolor, que se despede e dará lugar à Arena, a partir de
8 de dezembro. O empate em 0 a 0 é a 382ª igualdade em 58 anos de
Olímpico, que ainda testemunhou entre seus corredores e imensos nacos de
concreto 1.764 jogos, com 1.156 vitórias tricolores e 226 derrotas.
Mais do que saudade, o empate sem gols tira do Grêmio a vaga direta à
Libertadores. O Atlético-MG bateu o Cruzeiro em Minas Gerais por 3 a 2 e
pegou a vice-liderança. O time de Vanderlei Luxemburgo encerra o
Brasileirão com 71 pontos, em terceiro lugar.
Já o Inter se despede do campeonato com uma campanha sem graça, 10ª
colocação, com 52 pontos. Mesmo assim, comemorou muito o resultado, com
duas expulsões, na casa do rival. Os jogadores foram para o pequeno
pedaço destinado aos colorados, pulando e cantando. Parecia festa
valendo taça.
- Vamos comemorar como um título - provocou Renan, goleiro que entrou no segundo tempo e garantiu o 0 a 0.
- Tínhamos capacidade para fazer algo a mais - lamentou André Lima,
dando o tom de decepção de quem não conseguiu encerrar o ciclo do
Olímpico com três pontos.
No fim das contas, a torcida, alvo maior de preocupação em termos de
segurança, foi a que mais se comportou, salvo o episódio do rojão.
Seguiu as instruções, não invadiu o gramado ao término do clássico e
tratou de aplaudir o Olímpico. Para encerrar, o estádio inteiro, não só a
Geral, fez a avalanche, movimento de comemoração dos gols dos fãs azuis
- os melhores jogadores do tumultuado Gre-Nal 394.
Gre-Nal de confusões no Olímpico (Foto: Renan Olaz/Futura Press)
Efeito saudade: domingo começa azul como o céu
Heber Roberto Lopes trilou o primeiro apito às 17h07, porém não é
errado dizer que o Gre-Nal 349 já havia começado muito antes. Na noite
de sábado, por exemplo, com
um grupo de gremistas que acampou em frente ao Olímpico e até assou um improvisado costelão em frente à passagem de carros e pedestres. Foi um domingo também de
muitas homenagens,
casas decoradas, pátio lotado desde cedo da manhã.
Torcida do Grêmio na despedida do Olímpico
(Foto: Lucas Uebel/Divulgação, Grêmio)
Além da torcida, os ídolos do clube brotavam pelas galerias do Olímpico como pingos de chuva, aos montes, sem parar.
Dezenas deles entraram no gramado, às 15h, para uma emocionada homenagem do clube.
Receberam, mais do que medalhas e aperto de mão, a ovação sincera de
uma mescla impensável de gerações. Ali, nas arquibancadas, havia de
tudo: crianças, idosos, mulheres, os peritos em futebol e os poucos
interessados em esquemas táticos. O certo é que todos, sem exceção,
aplaudiram os craques tricolores, de ontem, de hoje. E de sempre.
No entanto, a torcida foi à loucura mesmo ao ouvir no sistema de som do
estádio a confirmação de que Zé Roberto jogaria. O meia era dúvida por
entorse no tornozelo. Que nada, ingressou no gramado altivo, às 16h59,
segurando crianças no colo e levando outras tantas agarradas a sua
camiseta tricolor. Vanderlei Luxemburgo inovou ao sacar Leandro do
ataque e escalar Léo Gago em seu lugar, no meio-campo. Assim, Anderson
Pico voltou à lateral-esquerda.
Do lado colorado, pouca emoção, mas muita concentração. Sem chances no
Brasileirão, os vermelhos se empenharam em estragar a festa, antes do
jogo toda azul. A torcida mostrou mobilização,
levou uma grande faixa com o rosto de Larry,
dono de quatro gols no primeiro Gre-Nal do Olímpico, um histórico 6 a 2
para o Inter. O time atual surgiu com uma expressiva mudança: o técnico
interino Osmar Loss sacou Diego Forlán e alçou o volante Josimar ao
convívio dos titulares.
Primeiro dos últimos chutes é de D'Ale
Festa, homenagens e choro. Tudo ficou menor com o começo do clássico. O
passado de 58 anos de um estádio e o futuro de uma Arena multiuso e que
exala modernidade, tudo ficou em suspenso, pendurado na frieza de um
placar de futebol. Afinal, o que mais importava ali, para gremistas e
colorados, era vencer. Cada um por seus motivos.
O Inter até ensaiou amostras de superioridade, mas o Grêmio,
rapidamente, tomou as rédeas da partida. Aos 12 minutos, a primeira
chance. Zé Roberto cruzou rasante, a bola se ofereceu ao pé direito de
Elano, que não alcançou. Em 15 minutos, o time de Luxa já havia
conquistado dois escanteios e levantado cinco bolas na área vermelha.
Werley (34) saiu lesionado aos 30 minutos do segundo tempo (Foto: Lucas Uebel/Divulgação, Grêmio)
Três minutos depois, a primeira (e última?) briga de um Gre-Nal no
Olímpico. Rodrigo Moledo e Léo Gago se engalfinharam. O zagueiro
desferiu um tapa no peito do volante, que revidou. O jogo seguiu, certo
de que, sem entrevero, não há clássico, não há Gre-Nal. Só que, desta
vez, passou da conta. Até Luxemburgo, aos 23 minutos, resolveu tirar
satisfações com o sempre provocador D'Alessandro. A iniciativa do
treinador gremista enervou o comandante colorado, Osmar Loss.
O ideal, claro, era também ver um embate cheio de lances de gol, chutes
certeiros e defesas plásticas. Mas, até a metade do primeiro tempo,
nada disso. Aos 25, D'Ale foi o primeiro a finalizar, e Marcelo Grohe
defendeu. Que não fosse esse chute fraco o último do Olímpico. Aliás,
mais do que isso, era a senha de que o Inter estava de volta para a
partida.
Aos 30 minutos, acabava o Gre-Nal para Werley. Zagueiro que chegou ao
Olímpico desacreditado e se tornou referência no setor, o mineiro não
resistiu a um choque com Ygor na grande área. Foi substituído por
Saimon, que formaria, a partir de então, uma defesa de reservas no
clássico, com Naldo. Werley deixou o campo sob protestos. Queria ir para
o sacrifício, mas o médico Márcio Bolzoni vetou o ato de coragem.
Elano tenta bicicleta, observado por Guiñazu e Josimar (Foto: Wesley Santos/PressDigital)
Primeira explosão é por outro azul
Diante das dificuldades impostas pelo Inter e pela baixa do zagueiro
(além da vitória parcial do Atlético-MG contra o Cruzeiro), o Grêmio
respondeu de seu lado mais improvável. De um jogador que havia sido
afastado dos titulares no início da semana. Anderson Pico aplicou drible
entre as pernas de Edson Ratinho e cruzou. André Lima meteu a cabeça,
mas a zaga interceptou. Também de cabeça, Damião perdeu a melhor chance
do Gre-Nal, na pequena área. E ainda levou uma cabeçada involuntária de
Naldo e sangrou como um Hugo de León jamais sangrara naquele gramado, há
29 anos. Com uma touca e nova camisa, sem sangue, o centroavante
retornou, louco para, na próxima, acertar somente a bola.
A primeira grande explosão da torcida em nada teve a ver com o que se
desfilava em frente aos olhos de mais de 40 mill pessoas. Aos 43
minutos, os radinhos colados aos ouvidos informava: gol do Cruzeiro, que
empatava o clássico contra o Atlético-MG e devolvia ao Grêmio a segunda
colocação e a consequente classificação direta à Libertadores. Mas, no
Olímpico mesmo, pouco futebol ao final do primeiro tempo.
- Foram 20 minutos para cada time, está bom - elogiou D'Alessandro.
- Temos que caprichar no último passe - recomendou Elano.
Muriel é expulso. Luxa também. Depois, Damião...
Muito empurra-empurra: Moledo e André Lima
(Foto: Renan Olaz/Futura Press/Agência Estado)
A um minuto de segundo tempo, mais uma boa notícia para o Grêmio,
sempre vinda de Belo Horizonte: virada do Cruzeiro, e Atlético-MG cada
vez mais distante. Comemoração total da torcida, que, finalmente,
explodiu logo depois pelo azul que mais ama. Aos 3, Elano recebeu
lançamento e encobriu Muriel. Fora da área, num ato de desesperto, o
goleiro colocou as mãos na bola e foi irremediavelmente expulso. Senha
para uma confusão daqueles que não podem faltar em Gre-Nal.
Fred chutou a bola para longe a fim de atrasar o lance. Os gremistas
não gostaram, foram para cima do garoto, defendido por Guiñazu. Saimon
ficou enfurecido. Luxemburgo invadiu o campo e deu uma bronca
professoral em Anderson Pico, para que ele não deixasse se levar pela
briga. Mas o técnico acabou expulso e começou seu show à parte. Demorou a
deixar o campo, foi com o dedo em riste para cima dos árbitros
auxiliares. E só saiu depois que a polícia foi chamada. Em seu quarto
Gre-Nal, acumulou a terceira expulsão, sendo a primeira como jogador,
nos anos 1970. No lugar de Muriel, Renan, que não havia jogado um minuto
sequer no Brasileiro, passou a vestir as luvas vermelhas.
Primeiro, o sangue, depois, o cartão. O vermelho perseguiu Damião no
Gre-Nal. Aos 13, o centroavante perdeu a cabeça envolta na touca
protetora e aplicou uma cotovelada em Saimon, que saiu rolando campo
afora. Damião mal havia tocado os pés no solo após a subida, e Heber
Roberto Lopes já lhe apresentava a inevitável expulsão.
Sem técnico à beira do gramado (o auxiliar Roger passou a receber
instruções de Luxa), mas com dois a mais, o Grêmio foi para cima.
Primeira providência: colocar Leandro e sua velocidade juvenil entre os
11 de azul. Saiu Pico. Depois, entrou Marquinhos na vaga de Fernando. No
Inter, Fred foi sacado para o ingresso de Cassiano. Mas o placar...
seguia com o inerte 0 a 0. Gol mesmo só em Minas, virada do Galo,
obrigando o Grêmio a vencer para ficar com a vaga direta à Libertadores.
Brigas só no campo mesmo. Torcida se comporta
A pressão, como era de se esperar, foi esmagadora. Só deu Grêmio a
partir das expulsões. Aos 29, Zé Roberto tirou a torcida do silêncio
ressabiado ao emendar uma bibicleta, defendida pro Renan. Um minuto
depois, o goleiro também evitou, com um tapa providencial, gol contra de
Moledo. Aos 31, Pará cruzou e André Lima, atencipando-se a Índio,
chutou sobre o gol na grande área. O lateral-direito, ao ver o colega
perdeu a chance, socou o chão uma, duas, três vezes... a indignação de
Pará ressoou nas arquibancadas e virou gritos de apoio. Os mil
colorados, postos atrás da meta de Marcelo Grohe, torciam para o fim do
Olímpico chegar mais rápido.
Heber Roberto Lopes deu cinco minutos de acréscimos, mas, em meio a
eles, o sempre nervoso Saimon se envolveu numa briga com Osmar Loss. Com
direito inclusive à contato físico, muito além do protocolar
empurra-empurra. Era a confusão que faltava a um clássico pautado pelos
incidentes longe da bola. Para completar: um rojão foi jogado para a
área técnica, atingindo Flavio Soares, o Galo, preparador físico
colorado.
A invasão ao gramado por parte da torcida, grande temor da direção do
Grêmio, não aconteceu. Quem resolveu partir para a briga foram os
próprios jogadores. Que seguiram a provocação via microfones com o apito
final. Aliás, muitos gremistas cercaram Heber, alegando que o tempo de
acréscimos não havia sido finalizado. Pode até ter faltado tempo para o
Grêmio ou jogadores para o Inter fazer mais frente. Mas o certo,
protestos à parte, é que faltou bom futebol no ato final do Olímpico.
Ficou para a Arena.