Bonnar se arrepende por não ter homenageado Carlson Gracie no Rio
Recém-incluído no Hall da Fama do UFC, finalista do TUF 1
se emociona ao lembrar do mestre brasileiro e de seus últimos dias:
'Foi muito duro'
Por Adriano Albuquerque e Evelyn Rodrigues
Las Vegas, EUA
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Incluído oficialmente no Hall da Fama do UFC no último fim de semana, o americano
Stephan Bonnar
deve grande parte de seu sucesso na organização a um brasileiro: o
mestre Carlson Gracie, falecido em 2006, que ajudou a dar o pontapé
inicial na sua carreira quando se mudou para Chicago, em 2002. Dois anos
depois, Bonnar se tornaria uma das estrelas da primeira temporada do
reality show "The Ultimate Fighter" e sua luta na final do programa,
contra
Forrest Griffin,
foi o ponto de virada para o UFC, na época deficitário, alçar voos mais
altos e passar a ser considerado o melhor evento de MMA do mundo.
Stephan Bonnar discursa ao ser incluído no Hall da Fama do UFC (Foto: Adriano Albuquerque)
Bonnar fez questão de mencionar Carlson em seu discurso de
agradecimento na cerimônia de indução ao Hall, mas admitiu mais tarde,
em entrevista para alguns membros da imprensa internacional, que a
homenagem estava atrasada. Ele queria ter honrado seu mestre no UFC Rio
3, em outubro de 2012, quando foi derrotado por Anderson Silva, mas a
dor do nocaute o impediu de fazê-lo.
- Foi uma honra tão grande lutar no Brasil, no Rio, na sua cidade. Só
me arrependo de não ter falado com a torcida após a luta. Tinha algumas
coisas a dizer, mas, na dor da derrota, deixei o octógono. Realmente me
arrependo disso, ele merecia ter um respeito mostrado naquela arena. O
mínimo que posso fazer é mostrar esse respeito aqui - disse Bonnar.
O peso-meio-pesado se emocionou ao lembrar das histórias do Gracie,
como as brincadeiras e apelidos dados aos frequentadores da academia em
Chicago, ou o brinde do "burrito gratuito" que era dado num dos bairros
da cidade quando se apresentava um cartão do mestre.
Carlson Gracie e Stephan Bonnar, antes da morte
do mestre (Foto: Reprodução/MySpace)
- Foi muito duro quando ele morreu em 2006. Ele foi meu córner na luta
contra o James Irwin, e estava muito doente. Mesmo antes de eu entrar na
luta, estava na hora de ir para o octógono e seus olhos estavam como se
ele tivesse passado da hora de dormir. Ele estava com muita dor e foi
muito teimoso. Ele devia ter ido ao médico e não foi, aguentou para
aquela luta. Eu venci com um dos golpes favoritos dele, a kimura. Ele
adorava, e ficou muito feliz com isso. Mas ele estava muito doente ao
mesmo tempo. Voltamos a Chicago, ele enfim foi ao médico, mas já era
tarde demais. A doença já tinha agido. Lembro que fomos para o hospital,
achamos que ele faria o tratamento e melhoraria. Aí, recebi a ligação
que ele não aguentou. Não conseguia acreditar. Não consegui sequer
voltar para a escola naquele dia. Entrei no carro e simplesmente dirigi
até o Colorado, depois para Las Vegas, depois para Los Angeles, treinei
em lugares diferentes. Foi duro voltar à academia sabendo que ele não
estava lá - contou.
Confira na íntegra a entrevista de Stephan Bonnar ao entrar no Hall da Fama do UFC:
Como é entrar no Hall da Fama? É a culminação de uma carreira?
É uma honra, não consigo acreditar. Nunca sonhei que poderia sequer
conseguir uma luta no UFC, ainda mais ter 17 lutas no octógono e tornar
isso um emprego.
Você mencionou o Carlson Gracie nos seus agradecimentos. O quanto ele significou para sua carreira?
Ele me colocou para andar, realmente deu o pontapé inicial. Eu só ia
tentar uma vez, tinha uma motivação, ia lutar na minha cidade, era um
desafio para mim. "Será que posso fazer isso? Vou tentar, já fiz
wrestling, jiu-jítsu, taekwondo e boxe… Vou ver no que isso vai dar".
Depois que bati o peso, joguei a roupa de plástico fora, porque não
achava que faria aquilo de novo. Foi em 2001. Lembro que durante aquele
torneio com quatro lutadores, ficavam anunciando toda hora, "Carlson
Gracie vai vir a Chicago em 2002", a noite inteira. Aí ele veio em 2002,
e eu era um cara de MMA, com duas lutas. Ele gostou de mim, trabalhou
muito comigo, e queria que eu batesse como o Vitor, Zé Mario Sperry,
essa era a sua motivação. Ele era incrível. Depois do treino, ele sempre
tinha um dólar para os desabrigados. Em Chapotle todo mundo o conhecia,
eles tinham um "Dia do Carlson Gracie", em que, se você trouxesse um
cartão do Carlson Gracie, você ganhava um burrito de graça! (risos)
Íamos à cafeteria pegar um frapuccino, passávamos na casa dele e
assistíamos às lutas antigas, e depois treinávamos de novo à noite. Você
pensa que caras mais velhos são ranzinzas e carrancudos, mas ele era
cheio de vigor e tinha um grande senso de humor. Mesmo com seu inglês
limitado, os caras chegavam e ele imediatamente zoava, brincava, deixava
a escola toda empolgada. Ele gostava de ter "superlutas" entre
faixas-brancas, e de ver os caras mostrarem raça, gritava "Casca
Grossa", "Poderoso"… E logo você estava rindo, de bom humor, a fim de
aprender com ele.
Foi muito duro quando ele morreu em 2006. Ele foi meu córner na luta
contra o James Irwin, e estava muito doente. Mesmo antes de eu entrar na
luta, estava na hora de ir para o octógono e seus olhos estavam como se
ele tivesse passado da hora de dormir. Ele estava com muita dor e foi
muito teimoso. Ele devia ter ido ao médico e não foi, aguentou para
aquela luta. Eu venci com um dos golpes favoritos dele, a kimura. Ele
adorava, e ficou muito feliz com isso. Mas ele estava muito doente ao
mesmo tempo. Voltamos a Chicago, ele enfim foi ao médico, mas já era
tarde demais. A doença já tinha agido. Lembro que fomos para o hospital,
achamos que ele faria o tratamento e melhoraria. Aí, recebi a ligação
que ele não aguentou. Não conseguia acreditar. Não consegui sequer
voltar para a escola naquele dia. Entrei no carro e simplesmente dirigi
até o Colorado, depois para Las Vegas, depois para Los Angeles, treinei
em lugares diferentes. Foi duro voltar à academia sabendo que ele não
estava lá.
Você pode falar um pouco mais da filosofia que ele passou para você?
Não era uma filosofia, era mais uma forma de viver dele. Eu gosto de
falar dele fora disso de treinos e jiu-jítsu. Isso é um fato, ele foi um
dos fundadores do jiu-jítsu, um incrível treinador e professor de
jiu-jítsu, e de MMA, "vale-tudo", ele gostava disso. Enquanto o Royce
era sobre finalizações, só jiu-jítsu, Carlson gostava de dar uma surra
no cara. Ele não gostava de apenas entrar lá e lutar jiu-jítsu, ele
queria socar o cara no rosto e o machucar um pouco antes. "Torna a luta
mais fácil!" (risos) Gosto de pensar nele fora dos treinos e jiu-jítsu.
Mas, quanto à filosofia e ao treino, ele fez um bom trabalho em moldar
meu jogo. Eu era um faixa azul quando ele chegou, não sabia muita coisa,
e ele trabalhou muito comigo. Em vez de trabalhar em finalizações e na
guarda e no ajuste fino, ele trabalhou comigo sempre começando em
posições ruins. "Alguém fica por cima pela lateral", "Agora alguém pega
pelas costas", "Agora alguém começa na montada", tudo para me fazer sair
dessas posições ruins, e ele meio que trabalhou meu jogo para isso.
Tive derrotas na minha carreira, mas se você olhar, nunca estive em
muito risco, especialmente no chão. Eu nunca fui ameaçado por
finalizações, e isso é o Carlson. Ele sempre trabalhou minha defesa
primeiro. Foi onde o Sergio Penha entrou. Eu me mudei para cá depois da
morte do Carlson, em 2007, e minhas defesas eram tão boas por causa do
Carlson que o Sérgio foi capaz de construir as partes mais finas do
jogo, melhorar minha posição e as nuances mais sutis das técnicas, me
levar àquele nível de faixa-preta.
Ele está nos seus pensamentos hoje porque é um dia muito importante na sua vida…
Sim, ele estaria tão orgulhoso. Ele certamente está em espírito comigo
hoje. Foi uma honra tão grande lutar no Brasil, no Rio, na sua cidade.
Só me arrependo de não ter falado com a torcida após. Tinha algumas
coisas a dizer, mas, na dor da derrota, deixei o octógono. Realmente me
arrependo disso, ele merecia ter um respeito mostrado naquela arena. O
mínimo que posso fazer é mostrar esse respeito aqui.
Stephan Bonnar esteve no Rio em outubro de 2012 para lutar com Anderson Silva (Foto: AFP)
Você ainda é um cara relativamente jovem, e muitos encaram o
Hall da Fama como um final de carreira. Você planeja continuar
colaborando com o esporte? Você já trabalhou como comentarista no
passado…
Essa tem sido minha vida desde 2004. Mesmo logo depois do "The Ultimate
Fighter", nas temporadas seguintes, a emissora me colocava junto ao
Forrest para fazer resumos semanais dos episódios e entrevistar os novos
lutadores. Depois inventaram o show "Aftermath", que eu apresentava…
Foi legal fazer parte daquilo. Foi ótimo estar envolvido e ver os novos
participantes. Ser comentarista do WEC foi muito legal, a melhor época
da minha vida, sinceramente, foi uma honra tão grande ser o cara que
chamaram para isso. Eu realmente gostei disso, de participar de shows
pós-luta… Ter essas oportunidades de fazer trabalhos na TV para o UFC
são um sonho realizado. Quando eu era garoto, nos jogos de Little League
de beisebol, eu era sempre o menino que brigava para chegar na área de
imprensa, pegar o microfone e apresentar os caras, dar os apelidos e
apresentar os batedores. Eventualmente, eu era expulso porque fazia
muitas piadas! Sempre adorei fazer qualquer trabalho de transmissão.
Dana White diz que você e Forrest Griffin sempre terão uma casa no UFC. Você espera algum papel na organização?
Meu lema é não esperar nada de ninguém, e jamais ser decepcionado.
Praticar o perdão. Não espero nada. Fiz muito por todos esses anos e sou
muito grato por isso. Minha identidade toda foi baseada no UFC, aquilo
era minha vida. Se eu não estivesse fazendo um programa de TV, já
pensava em qual seria a próxima camisa que faria. Essa era a minha vida,
fazer as artes para as camisas, fazer os comentários na TV, aprender
sobre os novos lutadores. E eu não sabia dizer quem era o presidente,
mas sabia todo mundo que estava nos cards preliminares! No último ano
foi desafiador, pois tive de desistir dessa identidade e tirar todas
essas camadas para descobrir o que sobrou. O UFC fez mais do que
suficiente por mim. Gastei minhas boas-vindas. Já é hora de deixar as
coisas andarem e achar uma nova paixão fora do UFC e achar uma nova
forma de sustentar minha família, sem depender disso.
E o que você descobriu ao tirar essas camadas?
Sou um grande fã como vocês e tenho sorte o bastante de ter vivido
esses últimos oito anos. Como disse, nunca tinha sonhado com isso. Eu
não fui um grande campeão de wrestling, All-American e coisa e tal.
Sempre fui o cara que não estava no time de All-Stars. Tive sorte de
lutar entre os titulares no meu último ano na faculdade. Depois disso,
continuei treinando e malhando duro, e não sei nem por quê. Algo dentro
de mim apenas queria isso. Descobri o jiu-jítsu e, quando eu estava em
Purdue, descobri na internet que Carlson Gracie Jr. tinha uma escola em
Chicago. Nas férias fui para lá e treinei, abri minha mente para isso,
criei ali. Aí passei a dar aula de jiu-jítsu em Purdue para que eu
pudesse continuar treinando nos nove meses que estivesse lá. Mas estava
sempre ansioso para voltar a Chicago e aprender mais jiu-jítsu.
Continuava treinando e ficando mais forte, e não sabia por quê! Eu me
lembro de me perguntar isso, eu não estava competindo nem nada. Depois
que terminei a faculdade, me mudei para Chicago, fui arrumar um emprego e
voltei para a academia de jiu-jítsu e, imagine, agora eles tinham um
treinador de boxe e um programa de boxe, e comecei a brincar com isso. E
mesmo assim, tinha um doidinho lá dentro, que era muito dedicado, seria
lutador de MMA, tinha uma tatuagem do Carlson Gracie nas costas. Eu
lembro de achá-lo tão dedicado, eu ficava depois da aula para treinar
boxe com ele. Eu não estava pronto para nada daquilo, mas eu gostava de
ajudar. Aí um promotor veio na academia procurando caras para inscrever
num torneio de quatro lutadores. Até ali, eu queria aprender mais
jiu-jítsu e ser melhor, queria aprender boxe e melhorar, mas eu era
jovem, solteiro, tinha acabado de sair da faculdade e estava morando em
Chicago, eu estava me divertindo muito, saindo e conhecendo garotas.
Pensei, "Cara, tenho que me disciplinar. Como posso levar isso mais a
sério? Que tal esse torneio? Nada é mais motivador do que lutar na sua
cidade e não querer apanhar na frente de seus amigos e sua família!"
(risos) É sério, isso te dá motivação como nada mais. Nos meses
seguintes, eu treinei muito duro por causa disso. Não queria apanhar… E
isso me tornou mais sério. O doidinho acabou arrumando uma namorada, se
apaixonando e desistindo. Logo eu era o principal lutador lá.
Depois da luta, como você vai continuar crescendo e contribuindo?
Vou continuar fazendo o que faço. Tenho a instituição de caridade
Garrett's Fight, ele é um artista marcial com Síndrome de Down que tem
uma história inspiradora, um cara com quem posso me identificar também,
um cara que também teve de tomar o caminho mais difícil, que não era o
melhor atleta, que sempre foi ignorado, que sentiu que tinha que se
provar. Ele encontrou uma vida e uma identidade através das artes
marciais, e é muito inspirador para mim. Ele perdeu muito peso através
de dieta. Nós fizemos essa instituição para que pessoas com necessidades
especiais possam pelo menos se envolver com artes marciais, se for algo
que elas gostarem. Se não, sem problemas, mas se elas se apaixonarem
como Garrett, e isso ajudar a mudar sua vida e a acharem um propósito,
ótimo, quero ajudá-las.