terça-feira, 9 de julho de 2013

Bonnar se arrepende por não ter homenageado Carlson Gracie no Rio

Recém-incluído no Hall da Fama do UFC, finalista do TUF 1 se emociona ao lembrar do mestre brasileiro e de seus últimos dias: 'Foi muito duro'

Por Las Vegas, EUA
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Incluído oficialmente no Hall da Fama do UFC no último fim de semana, o americano Stephan Bonnar deve grande parte de seu sucesso na organização a um brasileiro: o mestre Carlson Gracie, falecido em 2006, que ajudou a dar o pontapé inicial na sua carreira quando se mudou para Chicago, em 2002. Dois anos depois, Bonnar se tornaria uma das estrelas da primeira temporada do reality show "The Ultimate Fighter" e sua luta na final do programa, contra Forrest Griffin, foi o ponto de virada para o UFC, na época deficitário, alçar voos mais altos e passar a ser considerado o melhor evento de MMA do mundo.
Stephan Bonnar UFC Hall da Fama MMA (Foto: Adriano Albuquerque)Stephan Bonnar discursa ao ser incluído no Hall da Fama do UFC (Foto: Adriano Albuquerque)
Bonnar fez questão de mencionar Carlson em seu discurso de agradecimento na cerimônia de indução ao Hall, mas admitiu mais tarde, em entrevista para alguns membros da imprensa internacional, que a homenagem estava atrasada. Ele queria ter honrado seu mestre no UFC Rio 3, em outubro de 2012, quando foi derrotado por Anderson Silva, mas a dor do nocaute o impediu de fazê-lo.
- Foi uma honra tão grande lutar no Brasil, no Rio, na sua cidade. Só me arrependo de não ter falado com a torcida após a luta. Tinha algumas coisas a dizer, mas, na dor da derrota, deixei o octógono. Realmente me arrependo disso, ele merecia ter um respeito mostrado naquela arena. O mínimo que posso fazer é mostrar esse respeito aqui - disse Bonnar.
O peso-meio-pesado se emocionou ao lembrar das histórias do Gracie, como as brincadeiras e apelidos dados aos frequentadores da academia em Chicago, ou o brinde do "burrito gratuito" que era dado num dos bairros da cidade quando se apresentava um cartão do mestre.
Carlson Gracie e Stephan Bonnar (Foto: Reprodução/MySpace)Carlson Gracie e Stephan Bonnar, antes da morte
do mestre (Foto: Reprodução/MySpace)
- Foi muito duro quando ele morreu em 2006. Ele foi meu córner na luta contra o James Irwin, e estava muito doente. Mesmo antes de eu entrar na luta, estava na hora de ir para o octógono e seus olhos estavam como se ele tivesse passado da hora de dormir. Ele estava com muita dor e foi muito teimoso. Ele devia ter ido ao médico e não foi, aguentou para aquela luta. Eu venci com um dos golpes favoritos dele, a kimura. Ele adorava, e ficou muito feliz com isso. Mas ele estava muito doente ao mesmo tempo. Voltamos a Chicago, ele enfim foi ao médico, mas já era tarde demais. A doença já tinha agido. Lembro que fomos para o hospital, achamos que ele faria o tratamento e melhoraria. Aí, recebi a ligação que ele não aguentou. Não conseguia acreditar. Não consegui sequer voltar para a escola naquele dia. Entrei no carro e simplesmente dirigi até o Colorado, depois para Las Vegas, depois para Los Angeles, treinei em lugares diferentes. Foi duro voltar à academia sabendo que ele não estava lá - contou.
Confira na íntegra a entrevista de Stephan Bonnar ao entrar no Hall da Fama do UFC:
Como é entrar no Hall da Fama? É a culminação de uma carreira?
É uma honra, não consigo acreditar. Nunca sonhei que poderia sequer conseguir uma luta no UFC, ainda mais ter 17 lutas no octógono e tornar isso um emprego.
Você mencionou o Carlson Gracie nos seus agradecimentos. O quanto ele significou para sua carreira?
Ele me colocou para andar, realmente deu o pontapé inicial. Eu só ia tentar uma vez, tinha uma motivação, ia lutar na minha cidade, era um desafio para mim. "Será que posso fazer isso? Vou tentar, já fiz wrestling, jiu-jítsu, taekwondo e boxe… Vou ver no que isso vai dar". Depois que bati o peso, joguei a roupa de plástico fora, porque não achava que faria aquilo de novo. Foi em 2001. Lembro que durante aquele torneio com quatro lutadores, ficavam anunciando toda hora, "Carlson Gracie vai vir a Chicago em 2002", a noite inteira. Aí ele veio em 2002, e eu era um cara de MMA, com duas lutas. Ele gostou de mim, trabalhou muito comigo, e queria que eu batesse como o Vitor, Zé Mario Sperry, essa era a sua motivação. Ele era incrível. Depois do treino, ele sempre tinha um dólar para os desabrigados. Em Chapotle todo mundo o conhecia, eles tinham um "Dia do Carlson Gracie", em que, se você trouxesse um cartão do Carlson Gracie, você ganhava um burrito de graça! (risos) Íamos à cafeteria pegar um frapuccino, passávamos na casa dele e assistíamos às lutas antigas, e depois treinávamos de novo à noite. Você pensa que caras mais velhos são ranzinzas e carrancudos, mas ele era cheio de vigor e tinha um grande senso de humor. Mesmo com seu inglês limitado, os caras chegavam e ele imediatamente zoava, brincava, deixava a escola toda empolgada. Ele gostava de ter "superlutas" entre faixas-brancas, e de ver os caras mostrarem raça, gritava "Casca Grossa", "Poderoso"… E logo você estava rindo, de bom humor, a fim de aprender com ele.
Foi muito duro quando ele morreu em 2006. Ele foi meu córner na luta contra o James Irwin, e estava muito doente. Mesmo antes de eu entrar na luta, estava na hora de ir para o octógono e seus olhos estavam como se ele tivesse passado da hora de dormir. Ele estava com muita dor e foi muito teimoso. Ele devia ter ido ao médico e não foi, aguentou para aquela luta. Eu venci com um dos golpes favoritos dele, a kimura. Ele adorava, e ficou muito feliz com isso. Mas ele estava muito doente ao mesmo tempo. Voltamos a Chicago, ele enfim foi ao médico, mas já era tarde demais. A doença já tinha agido. Lembro que fomos para o hospital, achamos que ele faria o tratamento e melhoraria. Aí, recebi a ligação que ele não aguentou. Não conseguia acreditar. Não consegui sequer voltar para a escola naquele dia. Entrei no carro e simplesmente dirigi até o Colorado, depois para Las Vegas, depois para Los Angeles, treinei em lugares diferentes. Foi duro voltar à academia sabendo que ele não estava lá.
Você pode falar um pouco mais da filosofia que ele passou para você?
Não era uma filosofia, era mais uma forma de viver dele. Eu gosto de falar dele fora disso de treinos e jiu-jítsu. Isso é um fato, ele foi um dos fundadores do jiu-jítsu, um incrível treinador e professor de jiu-jítsu, e de MMA, "vale-tudo", ele gostava disso. Enquanto o Royce era sobre finalizações, só jiu-jítsu, Carlson gostava de dar uma surra no cara. Ele não gostava de apenas entrar lá e lutar jiu-jítsu, ele queria socar o cara no rosto e o machucar um pouco antes. "Torna a luta mais fácil!" (risos) Gosto de pensar nele fora dos treinos e jiu-jítsu. Mas, quanto à filosofia e ao treino, ele fez um bom trabalho em moldar meu jogo. Eu era um faixa azul quando ele chegou, não sabia muita coisa, e ele trabalhou muito comigo. Em vez de trabalhar em finalizações e na guarda e no ajuste fino, ele trabalhou comigo sempre começando em posições ruins. "Alguém fica por cima pela lateral", "Agora alguém pega pelas costas", "Agora alguém começa na montada", tudo para me fazer sair dessas posições ruins, e ele meio que trabalhou meu jogo para isso. Tive derrotas na minha carreira, mas se você olhar, nunca estive em muito risco, especialmente no chão. Eu nunca fui ameaçado por finalizações, e isso é o Carlson. Ele sempre trabalhou minha defesa primeiro. Foi onde o Sergio Penha entrou. Eu me mudei para cá depois da morte do Carlson, em 2007, e minhas defesas eram tão boas por causa do Carlson que o Sérgio foi capaz de construir as partes mais finas do jogo, melhorar minha posição e as nuances mais sutis das técnicas, me levar àquele nível de faixa-preta.
Ele está nos seus pensamentos hoje porque é um dia muito importante na sua vida…
Sim, ele estaria tão orgulhoso. Ele certamente está em espírito comigo hoje. Foi uma honra tão grande lutar no Brasil, no Rio, na sua cidade. Só me arrependo de não ter falado com a torcida após. Tinha algumas coisas a dizer, mas, na dor da derrota, deixei o octógono. Realmente me arrependo disso, ele merecia ter um respeito mostrado naquela arena. O mínimo que posso fazer é mostrar esse respeito aqui.
Stephan Bonnar treino aberto do UFC Rio III (Foto: AFP)Stephan Bonnar esteve no Rio em outubro de 2012 para lutar com Anderson Silva (Foto: AFP)
Você ainda é um cara relativamente jovem, e muitos encaram o Hall da Fama como um final de carreira. Você planeja continuar colaborando com o esporte? Você já trabalhou como comentarista no passado…
Essa tem sido minha vida desde 2004. Mesmo logo depois do "The Ultimate Fighter", nas temporadas seguintes, a emissora me colocava junto ao Forrest para fazer resumos semanais dos episódios e entrevistar os novos lutadores. Depois inventaram o show "Aftermath", que eu apresentava… Foi legal fazer parte daquilo. Foi ótimo estar envolvido e ver os novos participantes. Ser comentarista do WEC foi muito legal, a melhor época da minha vida, sinceramente, foi uma honra tão grande ser o cara que chamaram para isso. Eu realmente gostei disso, de participar de shows pós-luta… Ter essas oportunidades de fazer trabalhos na TV para o UFC são um sonho realizado. Quando eu era garoto, nos jogos de Little League de beisebol, eu era sempre o menino que brigava para chegar na área de imprensa, pegar o microfone e apresentar os caras, dar os apelidos e apresentar os batedores. Eventualmente, eu era expulso porque fazia muitas piadas! Sempre adorei fazer qualquer trabalho de transmissão.
Dana White diz que você e Forrest Griffin sempre terão uma casa no UFC. Você espera algum papel na organização?
Meu lema é não esperar nada de ninguém, e jamais ser decepcionado. Praticar o perdão. Não espero nada. Fiz muito por todos esses anos e sou muito grato por isso. Minha identidade toda foi baseada no UFC, aquilo era minha vida. Se eu não estivesse fazendo um programa de TV, já pensava em qual seria a próxima camisa que faria. Essa era a minha vida, fazer as artes para as camisas, fazer os comentários na TV, aprender sobre os novos lutadores. E eu não sabia dizer quem era o presidente, mas sabia todo mundo que estava nos cards preliminares! No último ano foi desafiador, pois tive de desistir dessa identidade e tirar todas essas camadas para descobrir o que sobrou. O UFC fez mais do que suficiente por mim. Gastei minhas boas-vindas. Já é hora de deixar as coisas andarem e achar uma nova paixão fora do UFC e achar uma nova forma de sustentar minha família, sem depender disso.
E o que você descobriu ao tirar essas camadas?
Sou um grande fã como vocês e tenho sorte o bastante de ter vivido esses últimos oito anos. Como disse, nunca tinha sonhado com isso. Eu não fui um grande campeão de wrestling, All-American e coisa e tal. Sempre fui o cara que não estava no time de All-Stars. Tive sorte de lutar entre os titulares no meu último ano na faculdade. Depois disso, continuei treinando e malhando duro, e não sei nem por quê. Algo dentro de mim apenas queria isso. Descobri o jiu-jítsu e, quando eu estava em Purdue, descobri na internet que Carlson Gracie Jr. tinha uma escola em Chicago. Nas férias fui para lá e treinei, abri minha mente para isso, criei ali. Aí passei a dar aula de jiu-jítsu em Purdue para que eu pudesse continuar treinando nos nove meses que estivesse lá. Mas estava sempre ansioso para voltar a Chicago e aprender mais jiu-jítsu. Continuava treinando e ficando mais forte, e não sabia por quê! Eu me lembro de me perguntar isso, eu não estava competindo nem nada. Depois que terminei a faculdade, me mudei para Chicago, fui arrumar um emprego e voltei para a academia de jiu-jítsu e, imagine, agora eles tinham um treinador de boxe e um programa de boxe, e comecei a brincar com isso. E mesmo assim, tinha um doidinho lá dentro, que era muito dedicado, seria lutador de MMA, tinha uma tatuagem do Carlson Gracie nas costas. Eu lembro de achá-lo tão dedicado, eu ficava depois da aula para treinar boxe com ele. Eu não estava pronto para nada daquilo, mas eu gostava de ajudar. Aí um promotor veio na academia procurando caras para inscrever num torneio de quatro lutadores. Até ali, eu queria aprender mais jiu-jítsu e ser melhor, queria aprender boxe e melhorar, mas eu era jovem, solteiro, tinha acabado de sair da faculdade e estava morando em Chicago, eu estava me divertindo muito, saindo e conhecendo garotas. Pensei, "Cara, tenho que me disciplinar. Como posso levar isso mais a sério? Que tal esse torneio? Nada é mais motivador do que lutar na sua cidade e não querer apanhar na frente de seus amigos e sua família!" (risos) É sério, isso te dá motivação como nada mais. Nos meses seguintes, eu treinei muito duro por causa disso. Não queria apanhar… E isso me tornou mais sério. O doidinho acabou arrumando uma namorada, se apaixonando e desistindo. Logo eu era o principal lutador lá.
Depois da luta, como você vai continuar crescendo e contribuindo?
Vou continuar fazendo o que faço. Tenho a instituição de caridade Garrett's Fight, ele é um artista marcial com Síndrome de Down que tem uma história inspiradora, um cara com quem posso me identificar também, um cara que também teve de tomar o caminho mais difícil, que não era o melhor atleta, que sempre foi ignorado, que sentiu que tinha que se provar. Ele encontrou uma vida e uma identidade através das artes marciais, e é muito inspirador para mim. Ele perdeu muito peso através de dieta. Nós fizemos essa instituição para que pessoas com necessidades especiais possam pelo menos se envolver com artes marciais, se for algo que elas gostarem. Se não, sem problemas, mas se elas se apaixonarem como Garrett, e isso ajudar a mudar sua vida e a acharem um propósito, ótimo, quero ajudá-las.

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