sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Raias olímpicas da vela: mesmo com pouco lixo, preocupação para 2016

GloboEsporte.com navega na Baía de Guanabara com Juliana Mota, velejadora e estudante de engenharia ambiental, que não crê em solução até os Jogos Olímpicos

Por Rio de Janeiro
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Dez dias antes do Aquece Rio, evento-teste da vela para os Jogos Olímpicos de 2016, o GloboEsporte.com navegou pelas águas da Baía de Guanabara para conferir de perto a situação das raias olímpicas que a partir do próximo domingo vão receber 320 atletas de 34 países (veja no vídeo ao lado). A dupla da classe Nacra 17, formada por Juliana Mota, que também é estudante de engenharia ambiental, e João Siemsen, acompanhou a reportagem durante o percurso pelos locais considerados mais problemáticos pelos atletas: as raias do Pão de Açúcar e da Escola Naval (veja o mapa abaixo).
Na manhã da quinta-feira da semana passada, dia 23 de julho, a previsão era de bastante vento, o que traria muita sujeira. Expectativa que acabou não se confirmando. Na maior parte tempo, a superfície estava limpa. Na raia da Escola Naval, porém, uma linha de maré trouxe uma quantidade de lixo suficiente para atrapalhar uma regata
Baía de Guanabara: círculos coloridos no mapa mostram os locais onde podem acontecer competições em 2016 (Foto: Reprodução/Rio 2016)Raias olímpicas na baía de Guanabara: vermelha é a do Pão de Açúcar, e azul, da Escola Naval
(Foto: Reprodução/Rio 2016)


- Hoje foi uma questão de sorte ou azar, depende do ponto de vista. É muito sazonal, depende muito das marés. Vimos pouco lixo, mas depois encontramos uma linha de maré com lixo. Mas a gente está muito mal-acostumado a achar que só porque não tem lixo superficial ou quando vê um ecobarco, que a qualidade da água está boa. Não está. Na verdade, o problema maior é a questão do esgoto que a gente não vê nem no tratamento. É uma questão, digamos, brasileira. De ser tudo imediato, paliativo - disse Juliana, de 26 anos.   
Por outro lado, de acordo com o Instituto Estadual do Meio Ambiente (Inea), em relação à qualidade da água, as raias olímpicas estão dentro dos padrões exigidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente. O monitoramento, feito duas vezes por mês, indica que este ano o nível de coliformes fecais esteve acima do permitido apenas em maio, em decorrência de chuvas (veja o gráfico no fim da matéria).  
- Nos pontos de prova, na maioria das vezes estão 100% do padrão estabelecido há um bom tempo. A probabilidade de contrair algum tipo de doença é praticamente nula. Há um troca de água muito grande. É distinto da costa oeste, que está ruim - disse Leonardo Daemond, gerente de qualidade das águas do Inea.  
As cidades continuam crescendo muito, sem nenhuma estrutura. Os poucos projetos que existem, na prática, estão muito devagar. 
Juliana Mota
Para dar uma dimensão da rotina de Juliana e João, que não vão participar do evento-teste, a reportagem solicitou vídeos de treinos anteriores da dupla em épocas diferentes do ano. Em um deles, o barco passa em alta velocidade por um objeto semelhante à parte da frente de um ar-condicionado. Em outra ocasião, a água fica bastante verde por causa da poluição.
A velejadora não acredita que a meta de despoluição da baía em 80%, estipulada pelo governo estadual como legado dos Jogos, seja cumprida. Mesmo que, de acordo com o secretário da casa civil, Leonardo Espínola, o objetivo, na verdade, seja tratar a mesma porcentagem do esgoto através de ecobarreiras, ecobarcos, Unidades de Tratamento de Rio (UTRs) e Centro de Tratamento de Resíduos.
- O esgoto pode até ter sido tratado, eu duvido muito. Mas a poluição não se resolve assim. Leva tempo. Não adianta fazer todas as ligações de esgoto agora e tratar tudo. A água poluída já está aí. E o lodo no fundo também - explicou Juliana. 
A estudante de engenharia ambiental enumerou os fatores que causam a sujeira na Baía de Guanabara. Primeiro, a boca de saída para o mar é muito pequena. Segundo, as saídas dos rios para o mar, chamadas de estuários, estão fechadas ou semifechadas, e dessa forma acumulam matéria orgânica. Processo acelerado pela urbanização ao redor. 
Lixo na Baía de Guanabara (Foto: Reprodução )Pedaço de plástico no meio dos barcos (Foto: Reprodução )
- As cidades continuam crescendo muito, sem nenhuma estrutura. Os poucos projetos que existem, na prática, estão muito devagar. Então, com certeza para 2016 não dá mais. Quem sabe se de repente, com a visibilidade da poluição, a gente consiga mais para frente. Nossos filhos, quem sabe... – disse Juliana, de 26 anos.
Os dois velejadores relacionam problemas de saúde à qualidade da água. Juliana nota que machucados seus demoram a curar, e João costuma ficar doente em épocas de chuva. Sobre problemas com lixo, ele se lembra da ocasião em que bateram em uma porta quando velejavam a 40km/h. Tiveram que voltar à terra rebocados. Medidas paliativas e o fato de as Olimpíadas serem realizadas em uma época de poucas chuvas poderão evitar problemas, na opinião de João. Para Juliana, o risco de uma regata olímpica ser comprometida vai depender das marés, mesmo com os ecobarcos, que recolhem o lixo flutuante das águas.  

- Essas medidas podem talvez evitar alguns transtornos. Mas se a maré estiver forte, ou depois da chuva, isso não vai ser suficiente. É torcer para que o problema não seja grande, principalmente se alguém ficar doente. Essa seria a pior questão - afirmou Juliana, que já se deparou com uma cabeça de porco na água, mas também teve a agradável surpresa de ver arraias e golfinhos.
Vela Juliana Mota e Joao Siemsen Pão de Açucar Rio de Janeiro (Foto: Leonardo Filipo) Juliana Mota e Joao Siemsen velejam em frente ao Pão de Açúcar (Foto: Leonardo Filipo)
Muitos velejadores brasileiros e estrangeiros se incomodam em falar mais da poluição do que do esporte. A questão deixa João dividido:
- Essa situação é um incômodo porque você perde a visibilidade do esporte, fica uma imagem ruim. Mas ao mesmo tempo é bom porque para nós velejadores a grande importância da Olimpíada é o legado. E o legado mais importante para nós é a limpeza da Baía de Guanabara.  Todos os cariocas querem isso. Essa conexão conosco foi importante.
Para melhorar as condições de navegação durante o evento-teste para 2016, o Inea acertou uma parceria com 12 empresas privadas que vão emprestar equipamentos e embarcações para um mutirão de limpeza. A medida é necessária para evitar que fortes chuvas, que aumentam o fluxo das águas dos rios que desaguam na Baía, o carreguem de lixo flutuante.
Gráfico monitoramento água Baía de Guanabara (Foto: Reprodução Inea)Monitoramento das águas da Baía de Guanabara: qualidade abaixo do padrão máximo de coliformes fecais por 100ml permitido pela Comissão Nacional do Meio Ambiente nas raias olímpicas (Foto: Reprodução Inea)

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