sábado, 9 de outubro de 2010

Animado com reforma do futebol no Haiti, técnico acredita em surpresas

Após tragédia que devastou o país, Edson Tavares vê ‘Projeto-2014’ com
bons olhos, apesar de todas as dificuldades: ‘Vida de treinador é 90 minutos’

Por Victor Canedo Rio de Janeiro
Uma obra triste do destino colocou o técnico Edson Tavares no caminho do Haiti. Por conta do terremoto de sete graus que chocou o mundo e arruinou o país em janeiro, a Federação de Futebol, em parceria com a ONG Viva Rio, optou por dar chance aos brasileiros no comando - é assim também na seleção feminina. O treinador, que até pensara em abandonar o esporte, em 2007, pediu demissão de seu clube no Omã e aceitou o desafio.
Treino Haiti Rio de Janeiro BrasilNão está apenas no bigode a semelhança de Edson Tavares com René Simões (Foto: André Durão)
Edson Tavares foi para a Suíça, ainda jovem, tentar futuro no futebol como todo jogador deslumbra. Viveu por lá durante 18 anos, incrementou o currículo com o francês entre as línguas fluentes - é como se comunica com os jogadores - e realizou um curso de treinador. Depois, passou muitas temporadas no Oriente Médio, entre Irã, Omã e outros países. Agora são novos tempos.
GALERIA DE FOTOS: veja as imagens do primeiro treino do Haiti no Rio de Janeiro
Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, o treinador se mostrou animado com o projeto, apesar de todas as dificuldades dentro e fora de campo e do seu estilo calmo, semelhante ao de René Simões, a quem foi “aluno” nos tempos de Vasco. A meta, é claro, é vaga na Copa do Mundo de 2014, embora admita que ainda é um sonho muito distante da realidade do Haiti, que está no Rio de Janeiro em preparação para a pré-Copa Ouro, em novembro, em Trinidad e Tobago.
Confira a entrevista completa abaixo:
GLOBOESPORTE.COM: como surgiu o convite para treinar o Haiti?
Treino Haiti Rio de Janeiro BrasilTreinador morou 18 anos na Suíça, onde tentou
fazer sucesso como jogador (Foto: André Durão)
EDSON TAVARES: Há três anos, em 2007, eu tinha decidido parar com o futebol. Um amigo que é agente da Fifa me apresentou a uma pessoa que tinha sido dirigente do Flamengo, Nildo Leão. Era diretor de futebol numa equipe da Grécia. Passou um tempo e nesse ano quando eu voltei dos Emirados, de férias, ele ligou para mim. Precisavam de um treinador bilíngue. Encontrei-me com ele, que explicou o projeto da ONG Viva Rio. O presidente veio ao Rio para ver as instalações e deu o aval dele. Só que a decisão demorou e eu voltei para o Omã. Fiquei até agosto, quando confirmaram tudo e pude assinar minha carta de demissão.
Esse projeto é até o fim das eliminatórias?
O projeto de futebol é 90 minutos. A vida de treinador é 90 minutos também. Então, em tese, é até o fim das eliminatórias mesmo. Mas a gente vive uma realidade desagradável no mundo inteiro, exceção à Europa.
O Haiti tem realmente condição de surpreender?
Se houver investimento, sim. Eles têm material humano, o pessoal não é bobo, sabem jogar e têm qualidade, mas falta muita coisa ainda para desenvolver. Refiro-me à base local. A base do exterior, em teoria, é formada de jogadores que estão formados, independentes financeiramente e que não moram no Haiti. Acredito que naquela zona da América Central há poucas equipes para ir à Copa do Mundo. Estados Unidos e México são de carteirinha, mas nem sempre os mexicanos vão. Ainda temos Costa Rica, Honduras, Jamaica... E só. É diferente da América do Sul, que temos dez países mais ou menos no mesmo nível, exceção à Brasil e Argentina. Quase todos já foram à Copa do Mundo. A Venezuela está muito forte. O Brasil não ganhou da Bolívia nas eliminatórias.
O que dá para tirar de proveito do mês que vocês ficam no país (a cada três, os outros dois são no Brasil)?
Lá é observação, pegar os jogadores e colocar para treinar. E só. A estrutura é zero, está tudo destruído. Caiu prédio, morreu treinador... Eu, inclusive, só estou aqui porque o treinador morreu. Mas vai acontecer alguma coisa, pois a Fifa está construindo um novo centro da Federação. É claro que não sabem fazer campo de futebol, fazem sem sistema de drenagem, vestiário sem chuveiro... Esse tempo em que fiquei lá pude ajudar a fazer as coisas profissionalmente. Há outro centro que é o do Viva Rio, esse sim de altíssima qualidade e primeiro mundo. Acho que com capacidade para 200 ou 300 atletas, boas acomodações, piscina, cozinha, quadra de areia... Tem de tudo lá.
Treino Haiti Rio de Janeiro BrasilTécnico não sentou na janela do ônibus e ainda brincou com a equipe de reportagem (Foto: André Durão)
Houve algum progresso no futebol do Haiti nos últimos anos?
Tem que se considerar que houve uma catástrofe no país esse ano. Então a liga, que era para começar em março, teve início em agosto. Eles estão jogando com um traumatismo muito grande. Muitos jogadores morreram, familiares, o que acabou igualando o nível. Antes eu soube que estava progredindo muito, talvez pela influência brasileira.
Você comentou sobre a alegria e descontração dos jogadores, algo cultura. Eles chegaram a desabafar e contar histórias sobre a tragédia?

Não. E eu nunca perguntei. Não se deve tocar em ferida fechada ou que se quer fechar. Não vou entrar nesse detalhe. A evidência está lá. O próprio presidente da federação ficou com sequelas, com mão e perna paralisadas.

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