quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Passado, presente e futuro: Alcides Antunes abre o jogo sobre o Flu

Sem saber se continua, vice de futebol recorda conquista de 95, detalha caminhada até título do Brasileirão e define ‘fico’ de Muricy como dia chave

Por Cahê Mota e Diego Rodrigues Rio de Janeiro
Ele não é polêmico como Eurico Miranda, midiático como Kleber Leite, nem venerado como Fernando Carvalho. Entretanto, os resultados por si só colocaram Alcides Antunes na história do Fluminense. Convocado para assumir o futebol tricolor no meio de uma crise de relacionamento entre os dirigentes que comandaram a equipe na arrancada contra o rebaixamento - Mário Bittencourt e Ricardo Tenório -, fez valer o bom relacionamento com os jogadores e o estilo democrático para arrumar a casa e colocar em seu currículo, que já tinha o histórico gol de barriga no Estadual de 95, o título do Brasileirão deste ano.
Alcides Antunes taça FluminenseAlcides Antunes com o troféu de campeão brasileiro (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
Sua continuidade no clube na próxima temporada, no entanto, está longe de ser garantida. Com a posse do novo presidente, Peter Siemsen, marcada para o próximo dia 20, o futuro do vice de futebol é uma incógnita. Sabe-se que um diretor executivo será contratado no novo organograma tricolor. Entretanto, o apoio de Celso Barros pode fazer com que uma solução seja encontrada para que Alcides Antunes vença as restrições encontradas no grupo político que dará as cartas nas Laranjeiras e permaneça.
- É preciso decidir pensando sempre no que é melhor para o Fluminense. De qualquer maneira, o novo presidente sabe o que fazer, é um homem que vive o futebol há muitos anos. Não posso dar palpite nesta situação. O deixo à vontade – declarou.
Sobre a trajetória que levou o Tricolor ao título do Brasileirão, o cartola não se privou de comentar. Descartou qualquer tipo de complô a favor do Corinthians, não poupou elogios a Muricy Ramalho e decretou o dia mais importante da caminhada até a conquista: o veto a saída do treinador para a Seleção Brasileira.
Se perdêssemos o Muricy, ia dar uma queda violenta. Não sei se íamos ter condição de continuar a caminhada, realmente foi muito importante. Foi um dia chave."
Alcides Antunes, vice de futebol do Flu
- Se perdêssemos o Muricy, ia dar uma queda violenta. Não sei se íamos ter condição de continuar a caminhada, realmente foi muito importante. Foi um dia chave. Tanto que nem demos muita chance para o Muricy de nada.
Alcides faz o estilo “dirigente-boleiro”. Está constantemente conversando pelos cantos com os jogadores, sorrindo, abraçando. Desta forma, manteve harmônico um ambiente repleto de estrelas. Tudo, segundo ele, com a ajuda dos comandados.
- Os jogadores que são considerados estrelas têm a iniciativa de não se colocarem neste status, é algo que parte deles. Fazem questão de se colocarem iguais aos outros, mesmo que seja um garoto do juniores.
Em bate-papo, o vice de futebol falou também sobre a polêmica decisão de demitir Cuca após vitória no primeiro jogo das oitavas de final da Copa do Brasil, a relação com o patrocinador e os planos para um Flu ainda mais forte em 2011. Confira a entrevista completa:
Fala-se muito nos jogadores, no Muricy, no apoio do patrocinador... E o Alcides? No seu íntimo, quanto que considera ter sido importante para a conquista do Brasileirão?
Vamos botar aí que 90% são dos jogadores, treinador... Eles que ganham os jogos. Fico satisfeito por conviver e fazer parte deste grupo. Sou um vice-presidente presente no dia a dia. Viajo, estou sempre ao lado seja onde for. Não saio de concentração, almoço e lancho com eles. Estou a todo momento. Acho importante. Todos pensam que a vida de um jogador é fácil, mas sabemos que não é. Nosso grupo é muito bom e o Muricy é um cara que não há palavras para elogia-lo. É sério, honesto e trabalhador. O fato de estar ao lado é importante. Até porque, no domingo, quando entrei no Engenhão, não foi o vice de futebol, foi o torcedor. Minha felicidade era ver o Fluminense ser campeão, revivi a emoção de 84. Dessa vez, tendo alguma importância nisso tudo, como todos que participaram.
Qual o peso deste título para uma equipe que vem de muitos anos de investimentos que não davam resultados em campo?
Alcides Antunes FluminenseAlcides Antunes durante treinamento do Flu em
Mangaratiba neste ano (Foto: Photocamera)
É muito importante. Já estamos há alguns anos com investimentos altos do patrocinador, que também tem uma parte muito grande. Muita gente fala do Dr. Celso (Barros), mas ele é muito importante, nunca impôs nada. Somente participa, até porque o futebol é algo coletivo. É fácil trabalhar com ele por trás. Há sempre uma palavra de incentivo quando as coisas não estão boas. É um cara que não vive o dia a dia, mas está sempre presente.
O Muricy costuma falar que, quando as coisas dão certo, o papel do técnico é não atrapalhar. Você sente que o seu trabalho também foi um pouco assim? De blindar o que vinha de fora para que nada atrapalhasse o que estava dando certo?
Meu papel é dar toda condição de trabalho ao Muricy. Das quatro linhas para fora, tenho que segurar tudo. Nada pode perturbar o trabalho deles, que precisam pensar exclusivamente nos treinamentos e jogos. Lógico que falta muita coisa para nossa estrutura física, mas tudo isso aconteceu porque o Muricy é um cara compreensivo. Sempre falta alguma coisa, só que devagarzinho, com a ajuda dele, tudo foi se ajeitando.
Toda essa história da arrancada teve início em 2009 justamente quando algumas peças foram excluídas do grupo e quem ficou se uniu para buscar o “impossível”. Você diria que o relacionamento pessoal foi o grande diferencial deste grupo?
Tive uma experiência em 1995 do quanto é importante um bom ambiente. Naquele ano, entramos para as finais do campeonato e na segunda partida todo mundo deu o Fluminense como fora da briga pelo título. Dali em diante, todos se comprometeram, ficaram invictos e fomos campeões. Não diria que existiam “laranjas podres” ano passado, mas era um momento em que ninguém acreditava, era “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, e tínhamos que buscar uma solução. Acabou que quem estava querendo se comprometer ficou e quem não queria saiu. Naturalmente. Matematicamente, tínhamos chances e valorizamos quem queria abraçar isso. Tivemos muitas dificuldades e isso tudo tem muito a ver com a conquista deste ano.
Com base nisso, teve que ser mais cuidadosa a escolha de reforços para este ano?
Tivemos que escolher a dedo. Já tínhamos um grupo pronto, com um perfil, e só podíamos trazer quem quisesse somar. Acabamos tendo também muita sorte nas contratações e o resultado está aí. A justiça foi feita.
Ainda neste assunto, imagino que deve ter sido muito complicada a opção de demitir o Cuca...
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Foi uma coisa necessária. O Cuca é um grande treinador, grande pessoa, mas naquele momento queríamos o Muricy. Não podíamos desperdiçar"
Alcides, sobre saída de Cuca
Foi uma coisa necessária. O Cuca é um grande treinador, grande pessoa, mas naquele momento queríamos o Muricy. Era um desejo antigo, faltava oportunidade e naquela época surgiu. Não podíamos desperdiçar. Tudo isso não termina aqui, temos um planejamento e desejamos voos bem mais altos. Queremos devolver ao Fluminense o tamanho dele. Que é grande. O Muricy não ia ficar muito tempo sem clube e aquele era o momento. Foi algo bem feito, com consciência e o Cuca entendeu a situação. Temos certeza de que um dia ele vai voltar.
E qual foi a reação do grupo?
Foi difícil em um primeiro momento, mas conversamos e mostramos nossa intenção, o motivo da mudança. Era algo planejado para longo prazo e necessário.
O grupo do Fluminense é repleto de estrelas e, nesses casos, geralmente há momentos em que é necessário ceder. Um exemplo disso foi o Flamengo deste ano. Como que você impôs e manteve os limites?
Os jogadores que são considerados estrelas têm a iniciativa de não se colocarem neste status, é algo que parte deles. Fazem questão de se colocarem iguais aos outros, mesmo que seja um garoto do juniores. Pelo contrário, até ajudam, orientam e deixam todos à vontade. Não existe privilégio. Todo o grupo é muito bom, todos estão voltados para um só objetivo, não há individualismo. Lógico que problemas no dia a dia existem, mas é preciso saber dosar as coisas. Uma coisa é a indisciplina, outra coisa são atrasos de quem perdeu a hora, teve um problema ou outro.... Nosso relacionamento ultrapassa os limites do futebol, conversamos sempre que necessário. É como pai e filho. Sabemos a hora de dar um beijo, mas também a hora de dar uma chicotadazinha. A mesma mão que faz um carinho dá um puxão na orelha. Sempre com critério. Eles entendem isso.
Ultimamente no Rio tivemos exemplos de dirigentes que ficaram tão famosos quantos os jogadores, como Eurico Miranda, no Vasco, e o Kleber Leite, no Flamengo. Você já tem outro perfil. Como se define?
Acho que não tenho que aparecer. Preciso somente fazer o meu trabalho e deixar o time pronto. Isso que é importante. Ninguém vai para o estádio gritar meu nome, vão gritar do Muricy, dos jogadores...Tenho que somente proporcionar o espetáculo.
Além do Brasileirão deste ano, você comandava também o futebol do Flu na época do gol de barriga do Renato Gaúcho, no Estadual de 95, que representou um dos títulos mais marcantes da história tricolor. Acha que por essas conquistas você já está marcado no clube?
Não sou santo. Lugar de santo é na igreja, no futebol não há espaço para isso como também não tem para bandido. Para ser dirigente, abandonamos a família, batalhamos e fazemos as coisas por amor. Lógico que fico feliz pelo trabalho bem realizado, mas não fico à vontade quando me colocam como responsável por tal título. Somente fiz a minha parte, o mérito é dos jogadores. Por isso, conquistamos dois títulos importantes e também estive presente na Copa do Brasil de 2007. O que importa é o trabalho dar resultado.
De alguma forma, o exemplo de 95 ajudou na conquista de 2010?
Lógico que no futebol é preciso ter qualidade, mas o grande negócio é ter o grupo fechado em busca de um único objetivo. E trabalhamos assim. Todos os jogadores com quem trabalhei têm um carinho por mim. É algo que se conquista no dia a dia, a confiança. Por isso, sempre sou correto com o jogador, não prometo nada que não vou cumprir. Tem que saber incentivar, abraçar o cara que não está em uma fase boa... Não adianta abraçar quem fez três gols, tenho que cuidar de quem vive um momento ruim. Assim formamos um grupo, que é o mais importante. E isso aconteceu nos dois casos.
Chegou algum momento nesta temporada em que você pensou que o Fluminense pudesse perder o rumo?
Alcides Antunes FluminenseAlcides Antunes durante entrevista nas Laranjeiras (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
Não, mas fiquei muito preocupado quando perdemos o Maracanã. O Engenhão não estava muito bom na época. Não cheguei a pensar que pudéssemos perder o título, mas dar uma escorregada, como demos e o elenco segurou. Depois, o Botafogo colaborou ao máximo para que nos sentíssemos em casa no Engenhão. Parecia que ali era nosso.
Você diria que o grande dia desta caminhada foi quando o Muricy disse que sim, que permaneceria no Fluminense mesmo com o convite da Seleção?
Se perdêssemos o Muricy ali, ia dar uma queda violenta. Não sei se íamos ter condição de continuar a caminhada, realmente foi muito importante. Foi um dia chave. Tanto que nem demos muita chance para o Muricy de nada.
Como foi essa conversa?
Ele disse: “Tenho a proposta, conversei, mas tenho um compromisso com vocês”. Nós respondemos: “É, você tem compromisso e vai cumprir o contrato”. Pronto. É o tipo da coisa que não dá para ser diferente. Aborrecemos o Muricy por uma semana, mas agora ele está aqui, muito feliz. Lógico que ele gostaria de ter ido, só que é um cara correto, que honrou a palavra dele. Quando o seguramos, sabíamos que seria muito difícil perder o campeonato. A nossa principal batalha foi aquela.
Depois disso, como ficou a relação do clube com a CBF?
Não mudou nada. Até encontrei com o Ricardo Teixeira pouco depois em uma festa e tudo foi normal. Trata-se de um grande desportista. Falaram muito em armação, que o Corinthians seria isso ou aquilo, mas é algo que não existe. Algum árbitro errou a favor do Corinthians como a favor do Fluminense. Atualmente é muito fácil criticar árbitro, são lances de interpretação. Não devemos crucificar ninguém. Não houve armação alguma, tanto que lideramos a maior parte e conquistamos o Brasileirão. Fomos prejudicado apenas com questão do Maracanã, mas superamos isso.
Uma coisa que é muito abordada quando se fala de Fluminense é sobre a interferência do patrocinador no futebol. Como você administrou essa questão?
É um patrocinador diferente. Trata-se de um tricolor apaixonado. Não tinha muita intimidade com o Celso (Barros, presidente da Unimed) e passamos a conviver do ano passado para cá. Posso garantir que ele não se mete no futebol, apenas participa. É uma pessoa importante, que conversa e dá uma visão diferente, de quem está distante. Não tem imposição nenhuma. É uma pessoa que tem bom relacionamento com jogador, torcedor, comissão técnica e só quer o melhor. Às vezes, ele tem que viajar para passar um tempo fora e sentimos falta. É importante dividir tudo com ele.
O patrocinador já renovou o contrato e permanece no clube. Como está a situação do Alcides Antunes diante da troca de diretoria?
Ainda não sentamos para conversar. Estou aguardando. Devemos entrar em contato nos próximos dias e ver qual o desejo do futuro presidente. Não tivemos tempo para isso e, por sinal, preciso agradecer aos dois candidatos pela campanha que fizeram e não interferiram em nada no futebol.
E de alguma forma essa indefinição tem interferido no seu trabalho?
Não. Até porque não há nada que possamos fazer que vá mudar muito. O momento é de comemorar. Foram oito meses de trabalho até este título. Em breve, começaremos a trabalhar em termos de contratação, mas serão poucas peças, duas ou três. Temos um grupo formado e com todos com contrato longo.
Por falar em reforços, como está a questão de manutenção do elenco atual para o ano que vem? Sabemos que muitos jogadores estão valorizados, têm propostas...
Não vamos liberar ninguém. Nossa intenção é continuar com todos. Vamos analisar fato a fato, mas o objetivo é que todos permaneçam. Sobre reforços, serão poucos"
Alcides, sobre elenco em 2011
Não vamos liberar ninguém. Nossa intenção é continuar com todos. Vamos analisar fato a fato, mas o objetivo é que todos permaneçam. Sobre reforços, serão poucos e vamos pensar depois. Inventaram uma porção de nomes, mas não tem nada ainda. Vamos sentar na próxima semana para conversar e ver o que acontece.
Quantas coisas boas esse título pode acarretar ao Fluminense?
Muita coisa. Era algo necessário. Teve uma época em que a torcida do clube parou de crescer, e tinha mesmo que parar com aquelas coisas de segunda e terceira divisão. Já esse título vai representar um crescimento, além do resgate da tradição de um clube que é muito grande, conhecido mundialmente, centenário, e não estava a altura. Toda essa história desde a arrancada até o título é algo muito grande.
Por fim, temos um exemplo no vizinho Flamengo de uma mudança radical de comando que não deu muito certo. De que forma você vê a indefinição no Fluminense?
É uma coisa natural, mas é preciso decidir pensando sempre no que é melhor para o Fluminense, o que vai ser bom para o clube. De qualquer maneira, o novo presidente sabe o que fazer, é um homem que vive o futebol há muitos anos, uma pessoa que não tenho nada contra e nem tem contra mim, tenho certeza. Não posso dar palpite nesta situação. O deixo à vontade. É um cara do bem.





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