domingo, 19 de fevereiro de 2012

Capitão do Inter, D'Alessandro rejeita fama de encrenqueiro: 'Era, agora não'

Em entrevista ao Esporte Espetacular, jogador fala sobre bom momento do futebol brasileiro, Maradona X Pelé e confessa gostar de samba e pagode

Por GLOBOESPORTE.COM Porto Alegre
Há quatro anos no Brasil, o meia D'Alessandro virou xodó da torcida do Internacional. Ainda mais depois de, no início deste ano, recusar uma oferta do futebol chinês e continuar no clube Colorado. Com fama de esquentado, o jogador diz que depois do 30 anos está bem mais calmo, mas confessa que já brigou muito em campo. No museu do clube, o craque do Inter recebeu Cléber Machado e falou sobre o momento do futebol brasileiro, as comparações entre Messi e Cristiano Ronaldo, Pelé e Maradona, a fama de encrenqueiro, e o gosto pelo churrasco argentino, e pela música brasileira.
D'Ale sente orgulho da história do futebol argentino no Brasil e ressalta que o momento que vive é fruto do trabalho dos que vieram jogar no país antes. Para ele, o futebol brasileiro está num momento promissor, melhor que o de seu país de origem.
– Não só economicamente, o futebol do Brasil é melhor. Eu gostaria que o argentino estivesse no mesmo nível, mas hoje o argentino baixou um pouquinho. Então, ao meu entender, é o melhor da América do Sul e você ve grandes jogadores, craques, como Ronaldinho, Fred e Neymar, que não saiu do Santos. Ele podia ir para o Real Madrid e decidiu ficar. Eu acho que isso é um exemplo para lá – afirmou o jogador.
O meia relembrou momentos da carreira, falou sobre planos depois que decidir se aposentar e revelou seu grande ídolo: o uruguaio Ruben Paz, que também jogou no Internacional.
Veja o que rolou no bate-papo do craque com Cléber Machado:
Cléber Machado: Dá alguma satisfação como argentino, em ter os seus compatriotas brilhando aqui no Brasil? Afinal de contas tem lá sua história no futebol.
D’Alessandro: Ah, é orgulho né. Orgulho e um trabalho de nós argentinos que vem sendo feito faz anos. Os jogadores argentinos que fizeram a história aqui no Brasil, que tiveram a felicidade de jogar aqui no Brasil, abriram essa porta. Fizeram um grande trabalho aqui, então, aí começa a abrir essa porta para que chegassem mais argentinos.
E brilhando hoje, né, com destaque como os melhores do campeonato.
O argentino gosta muito do futebol brasileiro, né. Sempre. Eu gostei sempre. Até porque os maiores ídolos do futebol são brasileiros, além dos argentinos, né? A gente sempre tem adoração e carinho.
Você sabe que a gente aqui alimenta uma rivalidade grande com a argentina. No futebol basicamente. Lá, tem essa rivalidade com o Brasil em termos de futebol?
Acho que fica só no campo. Deu para ver quando eu cheguei aqui. O carinho que tem o torcedor brasileiro pelo jogador argentino. Dá para ver no cruzeiro, você falou do Montillo. O Tevez conseguiu esse carinho com a torcida do Corinthians, o Mascherano também. O Conca no Fluminense, o Sorín no Cruzeiro. Então acho que o trabalho dele, da época do Sorín, e um monte de jogadores do Grêmio, para falar aqui do Sul, no Grêmio no Inter, fizeram com que a porta continuasse aberta para que chegassem mais argentinos.
É mais no negócio de mídia, de torcida, de imprensa, do que de povos, você acha?
Claro que tem a rivalidade normal dentro do campo. Mas é mais como se diz, folclore do futebol. É Argentina e Brasil, duas potências sul-americanas e mundiais. É claro que o trabalho da mídia acrescenta ainda mais essa rivalidade
Jogando pela argentina, ganhar do Brasil tem um sabor diferente do que de outras seleções?
É melhor sim, mas eu perdi a copa América de 2004 para o Brasil, na Venezuela.
Ah é, você e o Tevez que ficaram fazendo hora ali na esquerda.
O Edu ficou bravo com a gente. Faltavam cinco minutinhos para acabar o jogo e a gente tava ganhando. Ninguém achava que o Adriano iria fazer aquele gol no final.
Vocês estavam ganhando um jogo, aí você segurou um pouquinho, o Tevez segurou um pouquinho. De repente sai um gol. O que você pensou na época?
Isso é parte do futebol. No finalzinho do jogo, você tenta. Você acha que segurar a bola quanto mais longe do gol é o melhor. É o que dizem. E o trabalho nosso era esse. Tentar que o tempo passasse para acabar o jogo. Uma final contra o brasil. E a gente sabe que contra o Brasil, você não pode dar um centímetro que com os jogadores de qualidade que tem a Seleção Brasileira. Não lembro bem, mas acho que foi um arremesso lateral no meio de campo. Foi uma bola longa que foi jogada na área, que ficou espirrada na área e o Adriano guardou. E depois, os pênaltis.
D'Alessandro Esporte Espetacular (Foto: Rafael Antoniutti/Divulgação)D'Alessandro relembra a derrota para o Brasil na Copa América de 2004 (Foto: Rafael Antoniutti/Divulgação)

O mesmo tanto que a torcida brasileira comemorou, vocês devem ter ficado frustrados.
Ficamos. Acho que fizemos para merecer a vitória. Jogamos por um momento muito melhor. Só que você tem que fazer gol, né? E a gente não conseguiu segurar o resultado. E depois nos pênaltis, você sabe como é. Sorte e tudo mais.
Mas mesmo perdendo a Copa América, vocês vão depois ganhar a medalha de ouro em Atenas. E era uma geração da argentina considerada muito boa. Essa geração não decolou, na seleção argentina profissional?
É que a seleção vai mudando. A Argentina teve a sorte nos últimos anos continuar fazendo craques, né? Hoje tem o Agüero, que no momento não estava conosco. Hoje tem o melhor jogador do mundo, que naquele momento tinha 13, 14 anos, ou menos. Então, ficar no caminho na seleção argentina, é difícil.
A renovação é muito grande, né?
É muito grande, e a competência também. E tu tem que continuar trabalhando e continuar mantendo um nível bom para continuar fazendo parte do grupo.
Como é o teu relacionamento com os teus colegas, com o treinador. Você tem dificuldade, ou você leva na boa? É um cara fácil de lidar?
Eu levo na boa.
A fama é que você é meio encrenqueiro, é verdade ou não?
Era. Agora não, não.
Passou dos 30, aí está mais tranqüilo?
É, isso quanto mais velho é melhor, como um vinho. Mas eu não posso fugir do meu caráter. O meu caráter todo mundo já conhece aqui no clube. Eu cheguei aqui e o grupo me recebeu muito bem. E eu levo na boa, e sempre tento me introduzir no grupo, e não só no futebol, mas também na música. Seja no samba, pagode...
Você não vai me dizer que canta samba e pagode...
Não canto. Só ouço. Quando eu cheguei aqui, tinha o Taison que era todo dia no quarto música. Não vou falar que hoje sou mais um brasileiro, mas eu tomei muito carinho pelo povo.
Você se sente em casa? Você foi para a Alemanha, para a Espanha, Inglaterra... Hoje talvez, o jogador pense um pouco mais. As propostas daqui podem ser mais sedutoras para que ele não vá. Isso você percebe também com a molecada que está começando?
Tem muito a ver com a vida pessoal de cada um. A minha vida mudou muito no momento em que eu tive um filho, que eu me casei, que eu tenho minha mulher, meu filho na escola. Então minha prioridade é outra. É minha família, e depois o futebol.  Às vezes, o preço que tu tem que pagar por mudar de cultura, de idioma, é muito maior a felicidade do meu filho, da minha mulher e da minha família por estar perto da argentina.
Essa é grande vantagem de Porto Alegre, não?
De estar no Brasil, né? Acho que hoje, não só economicamente, o futebol do Brasil é o melhor da America do sul. Eu gostaria que o argentino estivesse no mesmo nível, mas hoje o argentino baixou um pouquinho. Então, hoje tu vê aqui jogadores grandes, craques, como Ronaldinho, o Fred, o Neymar, que não saiu do santos. Porque ele tá bem, tá na sua casa. Ele podia ir tranquilamente ao Real Madrid, e decidiu ficar. Acho que isso é um exemplo para lá.
D'Alessandro Esporte Espetacular (Foto: Rafael Antoniutti/Divulgação)Xodó da torcida, D'Ale diz que está muito feliz no
Internacional (Foto: Rafael Antoniutti/Divulgação)
Você se sente em casa, então? Se não é 100% em casa, você se sente bem?
Eu estou bem aqui, estou feliz. A minha casa tá lá, né. A minha casa, meu bairro, meus amigos. Mas aqui to muito feliz. E tem muito a ver com a vida pessoal. Eu sempre falo isso, se tu ta bem na vida pessoal, você pode fazer um bom trabalho no que você sabe fazer.
Apesar de ser um trabalho como qualquer um é bem diferente. Pelo tipo de cobrança, o tipo de reação. Uma coisa é o cara do banco ir jantar fora, outra é o jogador que perde um jogo sair para jantar. Você lida bem com isso ou mais ou menos?
Ah, eu tento. Claro que um jogador nunca vai gostar das críticas, mas tem de aceitar. Tem que saber, e o jogador é o primeiro que sabe quando joga mal ou quando joga bem, e quando joga mal, sabe o que vai cair em cima. Então, saber lidar com isso, saber que as críticas vão vir, e saber que tu não é nem o melhor nem o pior. Porque se tu achar que é o melhor, porque em um dia jogou bem ou que fez um trabalho muito bom, ai depois você joga mal e as críticas vão cair igual.
A impressão que todo mundo tem é que a vida de jogador de futebol é boa. É mais para boa do que para ruim?
O atleta faz o que gosta, e ainda é remunerado. Nem todo mundo faz o que gosta, faz o que sabe, e é remunerado, como é o atleta, que é muito bem remunerado. Então, tem que saber levar essa pressão, não tem como fugir disso, tem de saber levar essa pressão. O atleta, se não fizer um bom trabalho, o preço que vai pagar é muito mais alto. Então não tem como fugir disso.
O churrasco argentino é melhor que o gaúcho?
É melhor. Aqui a carne é muito boa, só que não troco pela argentina.
O gaúcho provavelmente não troca o churrasco dele por um argentino...
Certamente! Mas no Brasil, se come muito bem.
E o Maradona, é melhor que o Pelé?
Eu não quero entrar nessa, mas... Eu não vi jogar Pelé, vi só vídeos dele. Fora de série! E eu vi jogar Maradona. Eu posso falar de Maradona diferente do que posso falar do Pelé. Mas o meu pai me fala muito do Pelé, e bem. O Maradona, para nós, para o argentino, é Deus. Mas eu não tenho como reconhecer que o Pelé é um dos maiores jogadores da história do futebol.
Os grandes são os grandes independentemente se eu acho um melhor ou se você acha um melhor. Você que é um grande jogador pensa assim também ou acha que a comparação é inevitável?
É inevitável a comparação. Só que hoje em dia, por exemplo, tem o Messi e tem o Cristiano Ronaldo. O Messi é o melhor do mundo, por tudo o que ele conquistou e por reconhecimento da mídia mundial, da imprensa. Mas o Cristiano também ganhou tudo. Os dois são grandes, só que hoje, o melhor do mundo é o Messi.
Quais são os grandes jogadores que você viu jogar?
Eu vi jogar argentinos, mas o meu ídolo é uruguaio, Ruben Paz, que jogou no Internacional. Eu sempre me colocava na frente da TV com o meu pai, para que eu visse os jogadores da minha posição. Meu pai sempre fez isso para mim. Depois eu vi o Francescoli, na Argentina, o Ortega. Joguei com Ortega. Veio o crespo. Os brasileiros também. Eu gostava muito do Denílson, do Rivaldo. Mesmo em outra posição, Roberto Carlos para mim foi um fora de série. Também teve o Dener. Ronaldo para mim, é extraordinário. O Ronaldinho, o Neymar hoje. O Alex, do Fenerbahçe, para mim também é craque.
D'Alessandro Esporte Espetacular (Foto: Rafael Antoniutti/Divulgação)D'Alessandro não gosta de dar entrevistas, mas se soltou com Cleber (Foto: Rafael Antoniutti/Divulgação)
O Neymar você acha que está para entrar nesse time de superastros?
Está sim.
Quando você não está jogando, você para em frente à televisão e vê futebol?
Gosto muito, sempre. Série b, c, a... argentino. É importante, porque a minha ideia é continuar trabalhando no futebol e eu pessoalmente começo a enxergar o futebol diferente, de uma maneira diferente. Eu sempre gostei de futebol e a minha vida sempre passou pelo futebol. Eu tenho um jogo da série c eu consigo ficar na frente da TV.
Você falou que era encrenqueiro. Lembra daquele River e Corinthians, que ficou marcado para o Geninho, com o pega, pega, e o Roger pegou você? Você é provocador dentro do campo?
Eu era. (risos)
Hoje você pede licença para dar um drible?
Passaram muitos anos. Eu vou jogar em São Paulo e o pessoal do Corinthians ainda lembra desse jogo. E fala. que eu acabei com o Corinthians, dentro do Morumbi e tal. Eu estava no River e o Kleber meu companheiro estava no Corinthians. Claro que dentro do campo, eu falo que vale tudo com o respeito ao colega, a gente não deixa de ser colega de fazer o mesmo trabalho que o outro. Eu gosto de falar dentro do campo, claro que sempre com respeito.
E aquela cena com o Willian, do Corinthians, na final da libertadores? Você tava meio um pugilista que não tava querendo muito luta.
Aquela foi engraçada. Eu não ia brigar, tinha certeza que não ia brigar. Até porque o Willian é grande, né? (risos). Mas foi engraçado, e eu fico com vergonha hoje.
Seu pai foi importante à beça na sua carreira e na sua vida, né?
A minha mãe também. O que eles me acompanharam na minha vida de pequeno foi impressionante. Hoje o meu maior orgulho é poder dar a eles uma vida, que eles com o pouco que eles tinham e conseguiram e nesse momento me dar. Hoje eu posso dar para eles uma vida boa. Agora, se tem jogo importante eles veem, assistem ao jogo.
E com seus filhos, a relação é a mesma?
Tem isso também. A minha filha me pergunta, o que foi pai? Não foi nada, não aconteceu nada. A ideia que eu sempre passo para ela é que o que faz o pai dela dentro de campo, procura não fazer. Só gol, que o pai também não faz muito. Mas brigar, não.
Você teve problema com o Tite aqui?
Eu tive uma discussão, que ele contou em um programa. Foi coisa de gente grande, normal. Questão de jogo que a gente tinha, a gente teve um momento que não ganhava a cinco, seis jogos. Então, mas ficou aí, e a gente é grande. O Tite é um grande profissional. Eu fui falar com ele quando fomos jogar contra o Corinthians, e ficou tudo bem. Eu acho ele um baita profissional, um cara que trabalha muito bem e continuo desejando o melhor para ele.
River e Boca, Grêmio e Inter. Dá para comparar essas duas rivalidades?
Acho que é quase parecido. Aqui é um inferno. Ainda bem que a gente nos últimos anos conquistou títulos importantes e continua fazendo nosso trabalho.
O que significa uma derrota ou vitória em um gre-nal?
Derrota no gre-nal significa que você quase não vai poder sair na rua. Ou sair e ficar ligado se não vai receber uma queixa do torcedor. Mas eu me dou muito bem também com o torcedor gremista. Eles têm muito respeito por mim eu sempre tive muito respeito por eles. O Inter precisa do Grêmio e o Grêmio vai sempre precisar do Inter, então é uma rivalidade que faz bem aos dois.
Os argentinos e os brasileiros são os favoritos para a libertadores nesse ano?
Acho que os dois. Não posso deixar fora um time como o Boca, que tem história na libertadores, como o Velez. O Lanús, que é um time bom, que não conseguiu conquistar ainda um titulo importante como é a Libertadores. E os times brasileiros todos estão bem fortes, bem formados. Tem jogadores de muita qualidade, jogadores que tem experiente para o tipo de competição.
E para acabar, é verdade que você não gosta de dar entrevista?
Ah, não é que não gosto. O meu pensamento é que o jogador de futebol tem que ser conhecido pelo que joga, e não pelo que fala. Eu já paguei o preço, na argentina... É que quando você estreia e começa no futebol gosta de se ver na TV. Essa entrevista aqui foi uma das mais leves dos últimos anos!

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