sexta-feira, 13 de abril de 2012

Brasil Afora: time sem cidade tenta provar que é 'dono do Espírito Santo'

Espírito Santo FC rejeita ligação com município de Anchieta, processa time homônimo por quebra de patente e oferece piscina de plástico ao elenco

Por Bruno Marques Vitória, ES
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time do Espírito Santo (Foto: Divulgação)O time de vários lares: Espírito Santo e suas
peculiaridades... (Foto: Divulgação)
Jogar em casa sempre foi um fator relevante no futebol. Não é à toa que uma das formas de se punir um clube é justamente a retirada de seu mando de campo. Atuar longe do estádio a que se está habituado também costuma servir de desculpa quando os bons resultados não aparecem. Mas no Campeonato Capixaba uma equipe subverte a lógica e propõe uma rediscussão sobre a necessidade de um clube ter vínculo com alguma cidade.
O caso é um pouco diferente dos de Barueri, que virou Prudente e depois voltou a ser Barueri, ou Guaratinguetá, que passou um tempo como Americana. O Espírito Santo Futebol Clube, fundado em 2006, simplesmente não pretende representar nenhum município específico.
Em tese, o clube-empresa é de Anchieta, no litoral sul do estado, onde o time inclusive treina. Mas desde que estreou no futebol profissional, na Série B do Capixabão de 2008, só mandou três jogos por lá. A ligação com o município, que já era frágil, desfez-se quase totalmente após a prefeitura local interromper, há cerca de um ano, o apoio financeiro que dava ao clube. Assim, o Espírito Santo vem cada vez mais consolidando seu estilo "cigano" de ser.
Mas ser itinerante está longe de ser a única peculiaridade da equipe. Recentemente, chamou a atenção a divulgação de uma foto em que jogadores faziam tratamento com gelo dentro de uma piscina, como acontece nos maiores clubes brasileiros. Com um porém: a piscina era de plástico...
Jogadores do Espírito Santo, de Anchieta, fazendo recuperação pós-jogo em piscina de plástico (Foto: Divulgação/ ESFC)Jogadores fazem recuperação com gelo em piscina: de plástico... (Foto: Divulgação/ ESFC)
Andanças
Em 2009, a casa do Espírito Santo foi o estádio Salvador Costa, do Vitória-ES, na capital capixaba, a 80 quilômetros de Anchieta. No mesmo ano e também em 2010, o time usou o Estádio do Sumaré, do Estrela, em Cachoeiro do Itapemirim, a 60 quilômetros. Em 2011, chegou a vez do Clube dos Estivadores, na Serra, a 115 quilômetros. E no Capixabão 2012, o Espírito Santo decidiu jogar em Guarapari, a 30 quilômetros, no Estádio Davino Matos. Porém, só para a sexta rodada o estádio foi liberado pela Polícia Militar. Assim, o time exerceu seus dois primeiros mandos desta temporada no Estádio do Sernamby, em São Mateus, a 303 quilômetros de distância de Anchieta.
Cacá Stiebler, presidente do Espírito Santo de Anchieta (Foto: Fábio Vicentini/Cedoc A Gazeta)Cacá Stiebler, presidente do ES de Anchieta
(Foto: Fábio Vicentini/Cedoc A Gazeta)
Para o presidente do Espírito Santo de Anchieta, ou melhor, do Espírito Santo Futebol Clube, Carlos Alberto Stiebler, mais conhecido pelo apelido de Cacá, ver seu time vagando por todo o estado não é exatamente um mal. Com a ideia de conquistar admiradores de Pedro Canário, no extremo norte capixaba, a Presidente Kennedy, município que faz divisa com o estado do Rio de Janeiro, o mandatário do time sulino acredita que o troca-troca de estádios a cada temporada traz algo de bom para a equipe.
- Não é correto dizer que somos apenas de Anchieta. Somos do Espírito Santo inteiro. Queremos ter torcida em todo o estado e estamos trabalhando para isso. Não precisamos ter ligação com uma cidade específica. Somos o Espírito Santo Futebol Clube, o Espírito Santo do Brasil - argumentou Cacá.
O presidente do clube, inclusive, já projeta um novo local para a equipe começar a jogar a partir de 2013, quando o estado ganhará um novo estádio.

- Nosso sonho é ter como casa o Kleber Andrade (estádio que está sendo reconstruído pelo governo estadual e deve ser reinaugurado no ano que vem, com capacidade para 22,8 mil pessoas). Esse será o nosso Maracanã.
Espírito Santo 'pirata' gera briga judicial
Espírito Santo de Anchieta (Foto: Fábio Vicentini/A Gazeta)Espírito Santo costuma jogar com público quase
inexistente (Foto: Fábio Vicentini/A Gazeta)
A vontade de ser o representante de um estado mesmo sem "conquistar" primeiro uma cidade encontrou, porém, um obstáculo inesperado. Em 2011, outro clube, até então chamado de CTE (Centro de Treinamento do Edmilson), também adotou o nome de Espírito Santo e anunciou sua mudança de Colatina para Marilândia. Não ficou por isso mesmo.
Alegando ter patenteado o nome "Espírito Santo", Cacá Stiebler entrou com uma ação na Justiça para obrigar seu concorrente do noroeste do estado a trocar de nome e ainda pagar uma indenização. Segundo Cacá, o Espírito Santo de Marilândia, a quem ele chama de "Espírito Santo pirata", já foi notificado judicialmente. O processo corre na 1ª Vara Cível de Colatina.
- Primeiro, busquei um entendimento. Marcamos um almoço, mostrei os documentos, mas o presidente do CTE (Edmilson Pimenta, o Ratinho), que agora quer ser chamado de Espírito Santo, fez pouco caso. Teve um comportamento lamentável. Disse que se eu quisesse, que o colocasse no "pau" (o processasse). Foi o que fiz. Porque a marca "Espírito Santo" pertence a mim. É como o caso do Zico, que nos anos 1990 criou seu time, o chamou de Rio de Janeiro, mas foi obrigado a trocar para CFZ, pois o dono do clube chamado Rio de Janeiro já detinha os direitos sobre essa marca. Isso é possível, existe, está previso em lei. Sei que vou ganhar na Justiça, essa é a minha maior batalha. Mas seria uma disputa desnecessária, caso o pessoal do Espírito Santo pirata (ex-CTE) tivesse bom senso - argumentou Cacá.
Adesivos do Espírito Santo de Anchieta (Foto: Sidney Magno Novo/Globoesporte.com)Adesivos são distribuídos pelo presidente do clube
(Foto: Sidney Magno Novo/Globoesporte.com)
A cruzada para convencer o público de que detém a exclusividade sobre a marca "Espírito Santo", somada à falta de apego por um município em particular, tem feito o dirigente circular no meio futebolístico local munido de um punhado de adesivos de seu clube. Antes de distribuí-los, porém, Cacá faz uma pergunta: "De onde o Espírito Santo é?". A resposta invariável, "de Anchieta", é seguida de uma leve reprimenda por parte do cartola. "É do Brasil", contrapôs Cacá.
- O Espírito Santo é do Brasil, o conceito é esse. Porque só eu posso usar essa marca no país inteiro. Não somos de Anchieta. Somos o Espírito Santo Futebol Clube. Podemos ter nossa sede administrativa em Vitória, treinar em Iriri (em Anchieta), em Xerém (no Rio de Janeiro), em qualquer lugar. Se o município de Marilândia, inclusive, quiser contar com o Espírito Santo oficial em vez do pirata, podemos conversar. Se tivermos uma proposta boa, com local para nos hospedarmos e treinarmos lá, não vejo problema - alfinetou o dirigente.
Sem fãs no próprio ES, clube tenta se internacionalizar
Mesmo sem cidade e ainda sem fazer sucesso no próprio Espírito Santo, o time planeja a internacionalização de sua marca. Um convênio entre o clube e a confederação de futebol de Taiwan está em curso. Por conta dele, no futuro, alguns taiwaneses devem integrar o elenco do clube capixaba, que pretende também criar uma escolinha de futebol do outro lado do mundo, além de levar o time principal para jogar em Taiwan, cuja seleção nacional tem o 144º lugar como o posto mais alto já ocupado no ranking da Fifa, em 2006.
- Fui duas vezes a Taiwan, onde participei de uma feira internacional de turismo, em que o Espírito Santo Futebol Clube representou o futebol brasileiro no estande do Brasil. Tenho bom relacionamento com a confederação de futebol deles. Nossa ideia era trazer três jogadores já para este Estadual, mas ficou em cima. Mas ainda está nos nossos planos. Provavelmente em junho que vem vamos inaugurar uma escolinha de futebol do nosso clube em Taiwan e penso em levar nosso time para amistosos lá. A ideia geral é divulgar a nossa marca. Estou buscando patrocínios de lá também - revelou Cacá Stiebler.
Os asiáticos, porém, não seriam os primeiros estrangeiros no Espírito Santo. Em 2009, quando o time subiu para a Série A do Capixabão sendo vice-campeão da Segunda Divisão estadual, que tinha apenas três times participantes, seu treinador era Mohammed Al Belushi, de Omã, conhecido de Luis Antonio Zaluar, ex-treinador do clube. Em 2011, o angolano Rui Mendes também chegou a comandar a equipe no Campeonato Capixaba, mas sem que isso fizesse parte do projeto de internacionalização da marca.
Mohammed Al Belushi, ex-técnico do Espírito Santo de Anchieta, nascido em Omã (Foto: Carlos Alberto da Silva/ Cedoc A Gazeta)Mohammed Al Belushi subiu o time para a elite do Capixabão. (Foto: Carlos Alberto da Silva/ Cedoc A Gazeta)
O sucesso de público, porém, não tem sido o resultado dessa política de não ter uma cidade fixa para mandar seus jogos. Bem ao contrário. Nos três estaduais da Série A que disputou - 2010, 2011 e 2012 -, em um universo de 23 jogos como mandante, levou somente 1.420 torcedores a campo no total, a maioria em favor dos rivais, numa média irrisória de 61,7 torcedores por partida.
As campanhas também não foram nada boas. No Capixabão de 2010, inclusive, o time ficou marcado por uma goleada de 14 a 2 sofrida para o Rio Branco-ES. Terminou a competição em nono, entre dez times. Apenas um caía. Em 2011, outro penúltimo lugar. O time foi o sétimo, entre oito clubes, mas nem havia rebaixamento. Em 2012, porém, começou dando a impressão de que a história poderia ser diferente. Entre a terceira e a quinta rodadas, o time decidiu frequentar outro "lugar" até então por ele jamais visitado: o G-4. Porém, uma sequência de maus resultados levou a equipe novamente a lutar contra a queda. A sobrevivência foi por um fio. Na última rodada, vitória de 3 a 0 sobre o Serra impediu o rebaixamento do Espírito Santo, que ficou um ponto à frente do Colatina.
- No nosso planejamento, era para estarmos brigando pelo título já nesta temporada, mas o administrador municipal nos cortou a verba acordada no ano passado no meio do campeonato. Corríamos o risco de não jogar em 2012, mas não aceitei que o time ficasse de fora. Estamos disputando, mas sem fazer loucuras. Não devemos nada a ninguém. Com a nossa organização, ainda vamos chegar lá. Temos um projeto pronto até para jogarmos a Copa do Brasil em poucos anos - garantiu Cacá.
Perder de 14 a 2 nunca mais!
Para Wedson Pipoca, zagueiro que estava no Rio Branco quando o time alvinegro maltratou o Espírito Santo por 14 a 2, no Sumaré, em Cachoeiro, em 2010, o Espírito Santo dificilmente levará outra goleada assim. Pipoca jogou o primeiro turno do atual Campeonato Capixaba pelo Espírito Santo, mas deixou o clube e acertou com o GEL, time da Série B estadual. Ainda assim, crê que o clube vem evoluindo.
- O Espírito Santo é um clube novo e nada acontece da noite para o dia. O time aos poucos pode até crescer no estado. No jogo dos 14 a 2, eles tinham jogadores amadores, pois não haviam conseguido inscrever seus atletas. Claro que um resultado elástico assim é estranho, mas nós, do Rio Branco, na época, fizemos nossa parte. Agora, preferi sair do time do Espírito Santo, porque tenho que buscar o melhor para mim. Achei que vir para o GEL era o certo. Mas acredito que o Espírito Santo nunca mais levará uma goleada daquelas.
A derrota marcante foi destaque até num documentário de 29 minutos, lançado no mês passado em um cinema de Vitória. No filme, chamado "Espírito Santo Futebol Clube" e que tem um caráter bem-humorado, quase cômico, a curta trajetória do clube é resgatada por meio da saga do dirigente Cacá Stiebler para viabilizar seu time. Numa das cenas, o dirigente chega a desabafar diante da dificuldade de ser atendido pelo poder público de Anchieta: "No ano passado (2010) o prefeito nos recebeu por ficarmos na mídia após os 14 a 2. Nessa situação, sofrer a goleada foi bom. Para a história do clube foi uma m... Será que vamos ter que tomar de 14 mais uma vez?"
As dificuldades em conseguir patrocínios junto à Prefeitura de Anchieta e a tentativa de manter vivo o projeto do Espírito Santo em meio aos fracassos em campo dão o tom do filme. Mas o que é retratado na narrativa, de algum modo, também é a capacidade de sonhar. Um sonho que, por vezes, ganha ares de pesadelo, mas que seu presidente não pretende abandonar.
- Não vou desistir nunca. Não abro mão de ver o nosso solzinho brilhando - avisou Cacá.

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