terça-feira, 13 de novembro de 2012

Mundo Afora: Argentina de camisa canarinho? Culpa de time sueco...

IFK Malmö, hoje na 6ª divisão, emprestou blusa na Copa de 58 para jogo contra alemães, mandou 1º sueco ao Brasil e enfrentou o maior Real Madrid

Por Rafael Maranhão Malmo, Suécia
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ilustração CARROSSEL Argentina Amarela (Foto: arte esporte)Argentina foi obrigada a trocar camisa: ábitro achou-a
parecida com da Alemanha. IFK Malmö emprestou
a canarinho para o duelo (Foto: arte esporte)
Numa sala embaixo da arquibancada de um velho estádio na cidade sueca de Malmo, em frente à arena onde o Brasil goleou o Iraque por 6 a 0 no dia 11 de outubro, fica a sede de um clube de futebol com poucos títulos, nenhum dinheiro e 113 anos de muitas histórias. O pequeno IFK Malmö nunca foi grande, mas já enfrentou o Real Madrid no Santiago Bernabéu, teve um goleiro jogando no Santos e emprestou a camisa para a Argentina entrar em campo vestida de amarelo pela primeira e única vez em sua história.
Aconteceu na primeira rodada da Copa do Mundo de 1958, no mesmo Malmö Stadion construído para o torneio e que hoje abriga a sede do IFK. A Argentina voltava ao Mundial após 24 anos e estreava contra a então campeã, a Alemanha Ocidental. O árbitro inglês Reginald Leafe achou que a camisa celeste e branca dos sul-americanos se confundia com o branco dos alemães e mandou que os argentinos trocassem de uniforme. Como não havia outro, pois desde a criação da seleção a Argentina sempre havia jogado com a alviceleste, coube ao roupeiro do IFK, Arne Hjertsson, resolver o problema. Ele correu para o vestiário e voltou com as camisas amarelas do clube sueco, que, assim como o Brasil, também é apelidado de "canarinho".
IFK Malmö clube Suécia time posado (Foto: Reprodução)Time posado do IFK Malmö: camisa amarela foi cedida à Argentina na Copa de 1958 (Foto: Reprodução)
Uma das poucas fotos coloridas daquela partida mostra o capitão argentino Pedro Dellacha com a camisa do IFK cumprimentando o alemão Hans Schaefer antes do apito inicial. De calções e meiões negros como em seu uniforme tradicional, a Argentina amarela abriu o placar logo aos 2 minutos com o atacante Omar Corbatta. Mas os alemães viraram e venceram por 3 a 1 num jogo que até hoje é o recorde de público do estádio (31.156 espectadores). Há dois anos, a Associação do Futebol Argentino (AFA) entrou em contato com o IFK Malmö em busca de uma camisa daquela partida para o seu acervo. Até agora, nenhuma apareceu.
- Para dizer a verdade, nem pudemos levar essa história adiante. Temos poucos recursos e problemas mais urgentes para resolver - diz o presidente do IFK Malmö, Sten Thynell.
Há pouco mais de um mês, um empate sem gols com o FBK Balkan (primeiro clube do ídolo sueco Zlatan Ibrahimovic) evitou na última rodada o rebaixamento do IFK para a Sétima Divisão do Campeonato Sueco. Teria sido o sexto descenso em dez anos. Em 2003, o IFK Malmö ainda disputava a Segundona local e rivalizava com o vizinho Malmö FF, um dos principais clubes escandinavos e dono do Estádio Swedbank, onde a seleção brasileira enfrentou o Iraque.
- Ter evitado mais um rebaixamento foi fundamental. Agora podemos planejar a próxima temporada com mais calma, mas não temos muito tempo a perder. Precisamos subir, voltar a atrair patrocinadores e trazer nossos torcedores de volta. O IFK ainda tem muita torcida por aqui. Somos maiores do que as pessoas imaginam - garante Thynell.
IFK Malmö clube Suécia  (Foto: Rafael Maranhão / Globoesporte.com)Estádio do IFK Malmö, palco da Copa de 1958 (Foto: Rafael Maranhão / Globoesporte.com)
Levando em média cem torcedores aos seus jogos fica realmente difícil acreditar no que diz o dirigente. Mas nos anos 1960, o dérbi da cidade chegou a botar 25 mil espectadores no Malmö Stadion. Os três anos seguintes ao empréstimo da camisa amarela para a Argentina foram os melhores da história do IFK. Em 1959, o time foi convidado para um amistoso contra ninguém menos do que o Real Madrid, que havia conquistado as quatro primeiras edições da Copa (hoje Liga) dos Campeões da Europa. A equipe espanhola, com o craque brasileiro Didi, contratado quatro meses antes, venceu apertado por 3 a 2.
Na temporada 1960-61, o IFK disputou a Copa dos Campeões mesmo sem ter conquistado o título sueco. Como o campeonato não havia terminado, o então líder da competição ficou com a vaga no torneio. Os canarinhos de Malmo chegaram às quartas de final caindo diante dos austríacos do Rapid Viena. Na liga sueca, terminaram em segundo lugar, a melhor colocação até hoje. Dois anos depois, foram rebaixados e nunca mais voltaram à Primeira Divisão.
IFK Malmö clube Suécia time posado (Foto: Reprodução)Partida do IFK Malmö contra o Real de Puskas e Di
Stéfano: time sueco perdeu apertado  por 3 a 2. Meia
Didi atuou nos merengues (Foto: Reprodução)
Uma dívida em torno de R$ 1 milhão quase levou o clube à falência na última década. Hoje, o IFK Malmö ainda não paga salários e anuncia em seu site oficial que qualquer interessado em jogar futebol pode procurar o clube para fazer testes. No último campeonato, o elenco contava com três brasileiros. Todos com outros empregos e que estavam com saudade de bater bola nas horas vagas. Dois deles, Lucas Alves e Cleverson Rodrigues, foram parar na Suécia por causa de um esporte bem diferente, o turfe.
- Sou treinador de cavalos e o presidente do IFK também tem alguns. Ele me conheceu e disse para eu ir treinar no clube. Gostaram de mim e eu entrei em alguns jogos. Sou canhoto e já me escalaram de lateral, meia e zagueiro... Mas tenho que viajar muito e fica difícil me dedicar - diz Lucas.
Nascido em São Paulo e há dois anos na Suécia, ele ainda não se decidiu se vai continuar no clube no ano que vem. Lucas perdeu contato com o outro brasileiro da equipe, o meia Felipe Delvalles, mas também não acredita que ele volte.
IFK Malmö clube Suécia time posado (Foto: Reprodução)IFK Malmö teve auge na temporada 1960-1961:
jogou até a Champions League (Foto: Reprodução)
- É difícil. Eu só continuo porque o clube fica a dez minutos da minha casa. Aliás, casa, não, continuo morando num hotel. Agora, com o inverno, quando termina a temporada do turfe aqui, nós vamos para Dubai. Minha namorada é sueca, está querendo casar e quer que eu fique por aqui. Se isso acontecer, talvez eu continue jogando. O nível do pessoal é bem baixo, sabe? Acho que eu tinha até chance de me dar bem no futebol - afirma.
Mas a ligação do IFK Malmö com o Brasil começou num passado bem distante e no caminho oposto ao de Lucas. Nos anos 1920, um goleiro sueco foi parar em Santos como empregado de uma firma de transporte marítimo. Agne Borklund também começou a trabalhar no consulado da Suécia na cidade paulista e foi lá que um compatriota descobriu que ele era o mesmo Borklund que um jornal da terra natal dissera "ter deixado o IFK para trabalhar no Brasil". Agne acabou convidado para um teste no Santos em 1924, passou e atuou por três temporadas na Vila Belmiro antes de voltar para o IFK como o primeiro sueco a ter atuado no futebol brasileiro.

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