quarta-feira, 23 de março de 2011

Criado para ser o melhor do país, CT divide espaço entre atletas e alunos

Após casos de doping em 2009, Centro de Treinamento da Rede Atletismo, em Bragança Paulista, cria restrições ao abrir as portas para colégio de classe alta

Por João Gabriel Rodrigues Bragança Paulista, SP
Por ali, tudo lembra o passado. Um banner à beira da estrada, no meio do matagal que há tempos não é podado; os símbolos expostos nos portões de entrada e saída; faixas e placas. Criada com a pretensão de ser o maior e melhor Centro de Treinamento do Brasil, a antiga casa da Rede Atletismo, em Bragança Paulista, tem em cada canto as marcas do clube que prometeu revolucionar o atletismo nacional e ficou manchado pelos casos de doping às vésperas do Mundial de Berlim, em 2009. No início deste ano, o local abriu espaço para novos inquilinos. Novos - é bom dizer - também na idade. Os 30 atletas do Pinheiros que ainda frequentam o CT agora encaram restrições nos treinos por causa do convívio com alunos de classe alta do Colégio AZ, que tem como sócio Jorge Queiroz, ex-presidente da Rede.
As crianças usam a estrutura do antigo CT para as aulas de Educação Física (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)Crianças correm na pista de atletismo do antigo CT em Bragança (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Depois do escândalo em 2009, a Rede Atletismo diminuiu os investimentos e sobreviveu em 2010 apenas com uma parceria com o Pinheiros, que passou a usar a estrutura do CT em Bragança. No fim do ano, no entanto, o projeto acabou, e Jorge Queiroz procurou os donos do AZ com a proposta de montar uma filial naquele espaço. Empolgados, os sócios aceitaram e iniciaram a mudança. Hoje, 110 crianças dividem espaço com os atletas do clube da capital. A ideia é montar o colégio no molde de uma escola americana, onde os alunos são trabalhados para virarem atletas em potencial.
Confira galeria de fotos do CT em Bragança Paulista
Ândrea e Carlos Alberto, sócios do colégio (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)Ândrea e Carlos Alberto, sócios do colégio
(Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
- Aqui, todos continuam apaixonados por esporte. Claro, é difícil ter escolas com essa estrutura. Quase impossível. Mas a tendência atual, com o tempo que os pais ficam fora, é que as escolas procurem ser completas – diz Ândrea Michele de Godoy, uma das sócias do colégio.
Carlos Alberto de Oliveira, também sócio, vê com bons olhos o convívio de atletas e alunos.
- A criançada fica louca quando vê os atletas na pista. E eles dão dicas para elas, incentivam – afirma.
Salas de aulas foram montadas em um espaço que não era utilizado, assim como uma grande área de recreação. O local ainda passa por obras, como o início da construção de um estacionamento, onde, segundo os sócios, será um ginásio coberto no futuro, e a pavimentação de algumas estradas de barro para facilitar a locomoção dos pais. O CT, no entanto, ainda tem os traços da Rede Atletismo. Equipamentos que não são mais usados ficam guardados em um galpão ao lado da pista.
Horários limitados incomodam atletas
O contrato para o uso do CT pelo Pinheiros vai até o fim deste ano. Embora o número de atletas, que chegou a ser de 60 no passado, tenha diminuído, os sócios do AZ esperam que o acordo seja renovado, até para incentivar a prática de esporte pelos alunos. No ano passado, Fabiana Murer, saltadora da BM&F, chegou a alugar a estrutura para fazer seus treinamentos durante a época de chuvas. Segundo os sócios, outros atletas interessados poderão fazer o mesmo, em contratos temporários. Nem todos ali, porém, estão satisfeitos com o esquema encontrado para abrigar os dois lados.
Atualmente, os atletas usam a estrutura esportiva do CT pela manhã. À tarde, são os alunos que fazem suas atividades por lá. Alguns dos atletas, no entanto, reclamam da limitação de horário para os treinos e o veto a alguns dos espaços do Centro.
- Aqui começou sendo a melhor estrutura do Brasil. Mas agora começou a cair um pouco. Não podemos treinar quando queremos, há algumas restrições. Também não podemos usar o gramado, por causa da escola. Complicou um pouco. Mas é uma iniciativa bacana – afirma Zenaide Vieira, que disputou a prova de 3.000m com obstáculos nos Jogos Olímpicos de Pequim.
Alguns equipamentos do antigo CT estão guardados em um pegueno galpão (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)Alguns equipamentos do antigo CT estão guardados em um galpão (Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Luiz Fernando da Silva, o “Suquinho”, entretanto, diz que a limitação de horários não é problema. Para o atleta e professor do Pinheiros de lançamento e arremesso de peso, o local ainda tem a melhor estrutura de atletismo no país. Ele confessa que, após o escândalo da Rede, chegou a pensar que todo o espaço fosse ficar abandonado.
- No Brasil, hoje é a melhor estrutura. Na BM&F, que é o clube de mais tradição, a pista não é boa, por exemplo. Mas este é um projeto que é único no país. Eu tive bastante medo de que isso fosse acabar – afirmou.
Alunos em uma das salas de aula do novo colégio (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)Alunos em uma das salas de aula do novo colégio
(Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Alunos estão empolgados, diz professora
Professora de Educação Física na escola, Patrícia Segatti acha que a presença dos atletas ajuda no desenvolvimento dos alunos. Segundo ela, as crianças estão empolgadas com a convivência.
- Eu acho que elas se adaptaram rapidamente. A maioria não sabia o que era atletismo, pensavam que fosse só correr. E elas não gostam, né? Mas elas foram disputar um campeonato em Campinas e reclamaram até da pista, que é nova. Elas ficam empolgadas. Os atletas dão dicas, isso ajuda também – disse.
Relembre o escândalo de doping
O treinador Jayme Netto, do clube Rede Atletismo, assumiu a culpa pelo doping de Bruno Tenório, Jorge Célio Sena, Josiane Tito, Luciana França e Lucimara Silvestre. Ele disse que a eritropoietina recombinante (EPO) foi aplicada duas vezes em cada atleta, em injeções na barriga. Eles estavam se preparando para o Mundial de Berlim, em 2009. Jayme disse que as doses foram receitadas pelo fisiologista Pedro Balikian e que não sabia que seriam consideradas como doping.
Após julgamento, a Procuradoria da Comissão Disciplinar do STJD decidiu suspender os técnicos Jayme Netto e Inaldo Sena, que haviam assumido a participação no doping, por quatro anos. Os cinco atletas que já cumpriam suspensão preventiva de dois anos – Bruno Lins Tenório de Barros, Jorge Célio da Rocha Sena, Josiane da Silva Tito, Luciana França e Lucimara Silvestre da Silva – tiveram a pena reduzida pela metade. Rodrigo Bargas e Evelyn dos Santos, que admitiram o uso dos medicamentos proibidos e foram suspensos preventivamente, foram liberados para voltar a competir.

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